* ILSE LOSA POR RAMIRO TEIXEIRA *
[Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2013]
“Aprendi imenso. Tínhamos muita correspondência a nível internacional, recebíamos filmes das embaixadas que fazíamos passar nos cinemas, para arranjar fundos para o socorro dos refugiados da guerra, aos perseguidos pelo fascismo, no estrangeiro e entre nós. Enviámos mesmo algum socorro para o Tarrafal. Simultaneamente a esta atividade funcionavam cursos de alfabetização, cursos de primeiros socorros. Pela própria composição da Associação, pelas mulheres que a animavam, mas também pelas notícias que nos vinham dos países envolvidos no conflito, onde as mulheres ocupavam todos os postos de trabalho, começou a gerar-se a ideia de que os direitos da mulher estavam entrelaçados com a defesa da democracia, com a própria luta contra o fascismo”.
“O Conselho estava organizado só aqui em Lisboa e a Maria, tal como muitas de nós, considerava que era necessário alargá-lo a todo o país. Como eu dava aulas mas tinha uma vida bastante disponível, fui destacada para ir ao Algarve e lá consegui organizar várias delegações do Conselho, em Faro, Olhão, Silves, Montachique. Depois fui o Porto… Enfim, enraizámo-nos de facto. Tínhamos delegações na Figueira da Foz, em Coimbra, no Porto, na Marinha, nas Caldas. Tínhamos várias atividades. Entre elas, os cursos de alfabetização. Recordo-me que em Olhão foi distribuída uma tarjeta pelas fábricas informando que no Conselho se ensinava a ler e a escrever e o largo onde eu morava e funcionava o Conselho, ficou pejado de mulheres, umas 200 ou 300, querendo vir às aulas. Foi um trabalho esgotante este, mas maravilhoso. Aprendi muito com a Maria e também ela aprendeu connosco – foi belo!” [Helena Neves].
“Estive com várias amigas durante muitos anos – a Sofia Ferreira, Ivone Dias Lourenço, Maria da Piedade, Aida Paulo, Matilde Bento, Maria Luísa Costa Dias e tantas outras. Passámos por várias situações. Houve salas com beliches (10 ou 12 pessoas) e outras menores. Dividíamos o dia em duas partes. De manhã levantávamo-nos e tínhamos de correr para tomar o banho quente (com o tempo contado e só uma por casa de banho). A inspeção e a contagem eram às 8H. Recebíamos um jornal diário – o Século – e líamos em coletivo. À volta da mesa fazíamos os nossos trabalhos. Fiz então as camisolas todas do meu filho, saias para a minha mãe, pegas para a cozinha, essas coisas… A Ivone fazia bonecas, caixas e outras coisas interessantes. Elas foram-me ensinando. A visita era às 10H, em geral de meia hora. Depois trocávamos as notícias… que não eram muitas pois a vigilância era muito grande. Almoçávamos. Repousávamos. E retomávamos o trabalho” [Helena Neves].
“Passavam pelas prisões pessoas analfabetas e outras com cursos. E umas ensinavam às outras. Tínhamos cursos de matemática, ciências, português, línguas e história. Depois tínhamos o recreio. Inicialmente davam-nos apenas 15 minutos, mas lutámos e chegámos a ter 1 hora. Uma hora num terraço por cima da cela, uma cela sem telhado.!...” [Helena Neves].
“O tempo tem uma contagem conforme se vive mais ou menos os acontecimentos. Ao fim de cinco anos de cadeia deixamos de ter a noção dos dias. O tempo deixa de contar. A sensação de sair liberta sozinha foi horrível. Eles tinham dito que eu saía e eu disse ao meu irmão para estar lá à minha espera. Anteciparam 24 horas e sai só, com duas malas grandes, num mundo que tinha mudado tanto. À porta da António Maria Cardoso foi horrível, não podia com as malas. Meti-me no elétrico até à Rua do Ouro. Aí, meti-me num táxi e disse ao homem para me levar a Alcântara, ao Largo do Calvário. Eram destruidores, malvados até ao fim. Quando saí tinha dificuldade em andar. Lembro-me de ir na rua com o meu filho e parecia-me ter um tapete rolante que me levava a cair. Fez-me muita impressão ver as pessoas juntas num elétrico, num autocarro. Sentia as pessoas com um ar muito triste. O primeiro filme que fui ver o “Romeu e Julieta”. Quando veio o intervalo e vi todas as pessoas juntas, fiquei agoniada e vomitei o jantar todo e tive de me vir embora.” [Helena Neves]
“interveio frequentes vezes a favor dos trabalhadores portugueses emigrantes, reivindicando a promoção do ensino da língua portuguesa no estrangeiro, requerendo medidas de proteção aos emigrantes de visita a Portugal e pugnando pela aprovação de um projeto de lei sobre comissões consulares dos emigrantes, suscetíveis de contribuir para a solução dos múltiplos problemas com que estes se debatiam, nomeadamente no respeitante à obtenção e à renovação das cartas de trabalho. Emitiu pareceres sobre os relatórios de várias missões parlamentares ao estrangeiro, no âmbito dos trabalhos da União Parlamentar. Interveio em diversos debates sobre a paz, o desanuviamento militar e o desarmamento nuclear, denunciando os grandes interesses económicos envolvidos no fabrico de armas. Protestou contra a violação dos direitos do homem em diversos países, como a Nicarágua, El Salvador, a África do Sul e ainda em Timor Leste. Participou ativamente nos debates em torno dos orçamentos gerais do Estado”.