domingo, 5 de dezembro de 2010

[0193.] REIVINDICAÇÕES FEMINISTAS [VIII] || 03/07/1912 - LIGA REPUBLICANA DAS MULHERES PORTUGUESAS

* REPRESENTAÇÃO DA LIGA REPUBLICANA DAS MULHERES PORTUGUESAS À CÂMARA DOS DEPUTADOS || 03/07/1912 *

"Senhores Deputados da Nação:

É a segunda vez que a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas se dirige a vós, reclamando o cumprimento duma promessa que lhe foi feita pelo partido republicano nos seus congressos, ainda sob o regimen monárquico, e sancionada eloquentemente por aclamação, já sob o novo regimen, no último congresso do partido, realizado em Lisboa, em novembro de 1911. Queremo-nos referir ao sufrágio feminino, que deve estar no espírito de todos os verdadeiros democratas, como uma medida de justiça e um direito que nos é devido em nome da Liberdade!

Não é justo, srs. representantes do povo! que as mulheres tendo iguais deveres e as mesmas responsabilidades penais – isto é – reconhecendo-as a lei como seres conscientes para expiação de faltas que pratiquem, sejam consideradas inconscientes quando se trate de intervir na vida política do seu país. Se a mulher tem deveres, deve também ter direitos. Se a mulher que delinquiu é chamada a responder pelo seu crime, sem que lhe seja atenuante a fragilidade do sexo, da mesma forma a mulher que possa demonstrar a sua capacidade como ser que trabalhe e coopere para o engrandecimento da pátria, deve usufruir direitos que os homens desfrutam em igualdade de circunstâncias. O contrário representa uma iniquidade que se compreendia no regimen das iniquidades, mas que não se pode admitir num regimen de Igualdade e de Justiça.

As mulheres têm o direito indiscutível de intervir na vida política do seu país. Desde que a mulher paga impostos, ninguém deve contestar-lhe o direito de os discutir.

A mulher, srs. deputados da Nação! não pode continuar sendo igualada aos menores, aos criminosos ou aos doidos, numa sociedade que caminha para a perfectibilidade, sob a bandeira gloriosa da República – esta República tão amada, que nós, - como mulheres, como esposas, como propagandistas, como portuguesas, ajudámos a implantar.

Republicanas, estivemos sempre no nosso posto, afrontámos os mesmos perigos, sujeitámo-nos às mesmas perseguições. Caminhámos ao vosso lado para o triunfo do mesmo ideal. É justo, pois, que estejamos oficialmente ao vosso lado para a defesa da República.

A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas é uma instituição política reconhecida pelo Directório, com encargos morais e financeiros, perante o mesmo Directório, iguais aos que a disciplina partidária impõe às colectividades masculinas.

Nós representamos uma minoria educada e consciente; e nessa qualidade reclamamos a concessão dos nossos direitos. Se nos objectarem – que não podemos representar a vontade do país – responderemos que também a ideia democrática era representada no parlamento por minorias, antes de implantado o novo regimen, e que foram essas minorias que prepararam a vitória da República. As maiorias – essas – traduzem a força, da mesma sorte que as minorias se impõem pela Razão. E é em nome da Razão, desse princípio sagrado, que nós reivindicamos o direito do sufrágio para as mulheres portuguesas. Fazemo-lo por enquanto dentro de certos limites que o bom critério aconselha. Não estamos de acordo com a resolução tomada no Senado, concedendo o voto apenas às mulheres que estejam habilitadas com um curso superior, secundário ou especial, porque dessa forma o voto aproveitaria unicamente a um certo número de privilegiadas, cerceando-se os direitos de muitíssimas mulheres que sabem e podem exercê-los com uma grande independência e um grande amor pela República.

Nós pedimos que seja concedido o voto não só às mulheres diplomadas com um curso secundário, superior ou especial, mas ainda às que, não o tendo, satisfaçam a quaisquer das seguintes condições, depois de terem atingido a maioridade legal: - 1.ª que estejam inscritas como professoras de instrução primária; 2.ª que sejam chefes de família; 3.ª que paguem contribuições ao Estado; 4.ª que pertençam às classes produtoras, contribuindo pelo seu trabalho para o desenvolvimento das artes e das indústrias, sendo a todas exigido, como condição especial em qualquer dos casos, que provem ter feito exame de instrução primária do 2.º grau.

Pedindo a concessão do voto, nos termos acima expostos, estamos convencidas de que o fazemos dentro dum elevado princípio de justiça e de igualdade, procurando, ao mesmo tempo, criar um estímulo para que a mulher contribua para a gradual diminuição do analfabetismo em Portugal.

Senhores Deputados da Nação! nós esperamos do vosso critério, da vossa imparcialidade e do vosso civismo que aproveis as nossas reclamações, concedendo o voto à mulher dentro das condições restritas que deixamos expostas, e que representam por enquanto o mínimo das nossas aspirações sobre o sufrágio feminino.

Lisboa, 3 de Julho de 1912.

Saúde e Fraternidade.

(Seguem as assinaturas)"

[“Representação entregue ao sr. Presidente da Câmara dos Deputados, em 6 de julho de 1912, e lida em sessão de 8 do mesmo mês” || A Madrugada || n.º 12 || 31/07/1912]

[João Esteves]

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