domingo, 14 de fevereiro de 2021

[2492.] MADELEINE PELLETIER [IV] || 08/12/1910

 * MADELEINE PELLETIER *

[18/05/1874 - 29/1271939]

[Madeleine Pelletier || 1910]

O jornal O Mundo publica, em 8 de Dezembro de 1910, um artigo da médica e feminista francesa Madeleine Pelletier intitulado "Portugal e o voto das mulheres".

[O Mundo || 7 de Dezembro de 1910]

«Portugal e o voto das mulheres
     A extensão do direito de sufrágio às mulheres não constitui já, no momento actual, apenas o ideal de alguns espíritos de elite, é um movimento universal que triunfou já em vários países. Assim que a Finlândia conquistou a sua quase independência, o seu primeiro cuidado foi o de realizar a igualdade política dos dois sexos. Neste país privilegiado, as mulheres não só votam como são elegíveis; e há na câmara finlandesa vinte e seis deputadas pertencentes a todas as classes da Sociedade. Na Noruega, Suécia e Dinamarca, são as mulheres eleitoras e elegíveis para os cargos municipais; o mesmo sucede há longos anos em vários estados americanos. Na Nova Zelândia as mulheres votam há um certo número de legislaturas, e neste país só têm que felicitar-se todos pela influência moralizadora que elas têm exercido na política. Graças às mulheres, ninguém é eleito deputado na Nova Zelândia se a sua conduta não for irrepreensível, na vida política como na vida particular; elas têm, além disso, exercido tal pressão nos legisladores, que o alcoolismo e a prostituição regulamentada, essas duas chagas sociais, quase por completo desapareceram.
     Toda a gente conhece a coragem das sufragistas inglesas. Para vencerem, sujeitam-se às prisões terríveis do seu país, onde os presos políticos são tratados como os ladrões e mais criminosos de direito comum. Como a propaganda pacífica fosse de acção demasiado lenta, transportaram elas para o feminismo o que, em França, chamam os revolucionários acção directa. Um ministro que fez sistemática oposição às justas reivindicações das mulheres, foi por estas tão maltratado que teve de ficar alguns dias de cama. Seria erro censurar esta atitude. Certamente que a discussão pacífica é preferível à violência, pois é a obra dos espíritos esclarecidos, ao passo que a violência lhe é inferior. Se, porém, é certo que, para os espíritos cultos, passou já esta etapa feminina da violência, nela se mantêm ainda as colectividades. Tem-se dito, com razão, que a força é a parteira das sociedades em acção. Todos os partidos masculinos têm, para triunfar, derramado o sangue dos adversários e exposto a vida dos seus próprios adeptos. As sufragistas inglesas apenas começam a aprendizagem das necessárias energias. De resto, os seus esforços foram já, em parte, coroados de bom êxito: obtiveram o voto municipal, a elegibilidade municipal. Seis a oito mulheres, administram já, na qualidade de maires, as respectivas municipalidades inglesas.
     O que conheço das coisas de Portugal permite-me esperar que, aqui, nunca as feministas terão necessidade de recorrer ao emprego da força. Graças à sua recente revolução, tem esta nacionalidade a vantagem de ser dirigida por um núcleo de espíritos de eleição que realizam o que o grande filósofo Augusto Comte chamava o poder espiritual. Há, portanto, toda a razão de esperar que as portuguesas obterão justiça sem combate, e talvez mesmo sem necessidade de argumentar.
     As objecções dos anti-feministas caiem pela base; o espaço restrito de um artigo de  jornal não me permite refutá-las uma a uma; mas ninguém há que as não conheça; no fundo, são apenas a expressão de um preconceito, do misoneísmo preguiçoso que recusa admitir que o que nunca existiu possa existir no meio restrito em que ele envolve. O único argumento de certo valor aparente é o de que só uma minoria das mulheres reclama o direito de voto. Mas então a massa dos negros protestava contra a escravatura? E todavia ela foi abolida. A missão do poder espiritual é, precisamente, a de fazer chegar até à luz as multidões que, por si próprias, nada faziam para a atingirem. Só ao profissional da política incumbe o dever de servir de porta-voz daqueles de quem é mandatário; o guia do homem digno desse nome caminha para a ideia de progresso que concebeu, e nada o detém na sua marcha, nem sequer a perspectiva de ser esmagado. De resto, se as mulheres no seu conjunto, em Portugal como em qualquer outra parte, vivem na ignorância dos interesses do país, há entre o sexo feminino uma elite, já numerosa, amplamente capaz de exercer os direitos políticos. Quem ousaria sustentar que uma médica, uma professora, uma comerciante que dirija com sagacidade o seu estabelecimento, uma empregada ou uma funcionária ganhando honradamente a sua vida, não votará com mais discernimento do que muito homem iletrado?
     É sob o regime desta selecção das capacidades que o voto há-de ser, provavelmente, concedido às portuguesas. Pode, portanto, afirmar-se que o bom efeito de tal medida será certo e ela só digna de louvor, ninguém podendo ter que arrepender-se de ter feito justiça. Dando o voto às mulheres, Portugal colocar-se-á na vanguarda das nações latinas. O que John Stuart Mill não pode alcançar há mais de sessenta anos, em Inglaterra, realizá-lo-á Teófilo Braga na nova República, e pode prever-se que o exemplo será seguido pela República Francesa.
     Disse Victor Hugo que, em França, o século XVIII havia proclamado os direitos do homem, e ao século XIX devia competir a proclamação dos direitos da mulher. O grande poeta francês antecipava os acontecimentos. O século XX é que há-de proclamar os direitos da mulher em França. É de esperar que Portugal quererá, precedendo o meu país, insuflar um pouco de sangue novo na já velha República Francesa.
Doutora Madeleine Pelletier»

[O Mundo || 08/12/1910]

[O Mundo || 8 de Dezembro de 1910]

[João Esteves]

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