* O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE PRESOS POLÍTICOS DE S. NICOLAU || CABO VERDE *
[1931]
Na sequência do insucesso da Revolta da Madeira, iniciada em 4 de Abril e vencida cerca de um mês depois, militares e civis foram deportados para Cabo Verde, primeiro para a cidade da Praia, na Ilha de Santiago, e depois para a Ilha de S. Nicolau, sendo instalados no antigo Seminário, que funcionou como espaço concentracionário.
O edifício do Seminário-Liceu de S. Nicolau, que fora encerrado no ano lectivo de 1917-1918, era um velho casarão de dois andares, chegando a comportar cerca de 170 deportados, sem camas ou «qualquer cobertura para se cobrirem durante a noite!»: «no pavimento superior alojaram-se os presos políticos de 1.ª categoria (oficiais e civis de posição superior). No andar térreo, em três dependências do edifício principal, os sargentos e civis de 2ª e 3ª categorias».
Fora, «uma pequena cerca fica adjacente a este prédio», «onde era permitido aos deportados passearem durante o dia», ladeando todo o espaço um muro de cinco metros de altura. A guardar os presos, uma força indígena ida de Angola e 40 guardas civis, com dois subchefes e um chefe, idos de Lisboa, armados de duas metralhadoras ligeiras.
O Delegado do Governador no Campo era André da Silva e, segundo o general Sousa Dias, em carta ao filho Adalberto datada de 21 de Agosto de 1931, o regime era de «incomunicabilidade com exterior»; «visitas médicas diariamente determinadas a uma certa hora»; «censura a toda a correspondência», entregue aberta e devidamente estampilhada; acesso, apenas a «jornais reaccionários»; o dinheiro vindo de fora dependia da vontade do delegado do Governo; e «algumas ofertas ficavam na posse dos "carcereiros"».
A alimentação era «diminuta», «pessimamente mal confeccionada» e «sempre a mesma comida», preparada com «falta de asseio».
Depois de «Campanhas de protestos», conseguiu-se que «as sentinas fossem, de vez em quando, limpas e desinfectadas».
Faltavam os medicamentos, «ainda os mais simples», e o médico «dizia que não lhes satisfaziam as requisições feitas por ele e que não dispunha de meios médicos e cirúrgicos para exercer proficuamente a sua profissão!!... Um pavor!».
Os presos políticos castigados eram sujeitos ao isolamento e a «jejuns em dias alternados», sendo que «jejuns, prolongados, em África, é uma condenação à morte».
Para além deste Seminário, transformado em Campo de detenção de deportados políticos, foi iniciado a construção de «um novo Campo de Concentração na Ilha de S. Nicolau, num sítio conhecido pelo nome de Tarrafal».
O general Sousa Dias pode observá-lo a bordo do rebocador aquando da sua viagem de transferência para Ponta do Sol, na Ilha de Santo Antão, já que aquele teve de desembarcar André da Silva, que ia «observar o estado de adiantamento das obras e providenciar em harmonia»:
«O local escolhido é simplesmente pavoroso! O Tarrafal - misérrima povoação de pescadores, fica situado, próxima e ao lado de uma apertada ravina de ásperos e escalvados flancos, - flancos elevados e de abruptos declives, que se alargam um pouco, próximo ao mar, e onde se está estabelecendo o aludido campo de concentração. 3 raquíticas árvores é a única vegetação que ali se encontra. O sol, batendo todo o dia, neste pedregulhoso e árido terreno, sem que possível seja furtar-se à ardência dos seus raios, converterá, certamente, a existência dos desterrados que para ali forem mandados numa torturante vida de esfacelamento físico e moral!».
«Mas há mais: [...] já estão levantadas 4 casas desmontáveis, adquiridas no estrangeiro [...]» e «os postes para ser pregado o arame farpado, da vedação do estreito campo de prisão!».
[Fonte: excertos da carta enviada pelo general Sousa Dias ao filho Adalberto, datada de 21/08/1931, in O General Sousa Dias e as Revoltas contra a Ditadura – 1926/1931, organização de A. H. de Oliveira Marques, com a colaboração de A. Sousa Dias, Publicações Dom Quixote, Abril de 1975].
No entanto, apesar do plano inicial, descrito na planta do Espólio de João do Carmo Miranda de Oliveira (que esteve deportado em S. Nicolau) depositada na Casa Comum - Fundação Mário Soares, o Campo de Concentração dos Presos Políticos do Tarrafal de S. Nicolau não terá sido concluído e, por isso, posto a funcionar, sendo muito do seu material reutilizado no Tarrafal de Santiago, aberto em 1936.
[João Esteves]
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