[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sexta-feira, 2 de abril de 2010

[0056.] CRISTINA TORRES DOS SANTOS [I] || 1891 - 1975

* CRISTINA TORRES DOS SANTOS *
[21/03/1891 - 01/04/1975]


[Fotografia que ilustra a capa do livro de Joaquim Sousa]

Pouco conhecida enquanto defensora dos direitos das mulheres, sobretudo quando comparada com as contemporâneas, Cristina Torres teve um percurso invulgar, até pelas suas origens modestas, pautando-se, ao longo de toda a vida, por uma sólida coerência e postura cívica. Natural da Figueira da Foz [n. 21/03/1891], filha de Ricardo Torres dos Santos, alfaiate, e de Delfina da Cruz Marques, casou, em 1914, com o jornalista Albano Correia Duque de Vilhena e Nápoles (1894-1963).

Frequentou desde pequena as sociedades operárias, recreativas, educativas, republicanas e maçónicas, festejou nas ruas a implantação da República, tendo militado no Partido Republicano Português, tal como o marido, começou a trabalhar muito nova como costureira e estudou, à noite, na Escola Industrial local. Fundou, em 1911, a Fraternidade Feminina, Associação de Instrução e Beneficência responsável pelo funcionamento de uma escola nocturna para raparigas e, no ano seguinte, com 21 anos, partiu para Coimbra, onde continuou a labutar como modista enquanto estudava no Liceu e, posteriormente, na Faculdade de Letras (anos lectivos de 1916/1917 a 1918/1919), onde concluiu, em Novembro de 1920, o curso de Histórico-Geográficas.

Leccionou, entre 1915 e 1922, em Escolas Móveis de Coimbra e Montemor-o-Velho e, entre Janeiro de 1922 e Julho de 1924, exerceu como professora provisória a docência na Escola Comercial da Figueira da Foz. Neste último ano, e devido a diligências dos seus alunos, foi nomeada professora efectiva da Escola Industrial de Bernardino Machado. Na sequência do trabalho desenvolvido como educadora e pedagoga, expôs Teses em vários Congressos (Coimbra, Abril de 1918 - Porto, 1927 - Lisboa, Outubro de 1931); associou-se ao projecto de fundação na Figueira da Foz de uma Delegacia da Universidade Livre de Coimbra (1929), responsável pelo funcionamento de cursos nocturnos de educação básica; e foi nomeada Delegada Voluntária de Vigilância para a Tutoria da Infância da respectiva Câmara Municipal (26/02/1932).

Manteve simultaneamente intensa actividade propagandista, promoveu conferências, discursou em sessões e pronunciou-se, na imprensa regional da Figueira e de Coimbra, sobre questões feministas, educativas e políticas, para além de publicar esporadicamente poemas e contos para crianças. Utilizou os pseudónimos de Maria República, nos artigos de carácter político, e Nô-quim, nos textos dirigidos aos mais novos.

Mulher simples e voluntariosa, obreira de uma persistente actividade pedagógica dirigida aos desfavorecidos, ao operariado e às mulheres, Cristina Torres acabou por ser vítima da corajosa oposição ao Salazarismo e foi transferida compulsivamente, em Dezembro de 1932, para a Escola Industrial e Comercial de Bartolomeu dos Mártires, em Braga, onde permaneceu dezassete anos. Datam desse período os dois livrinhos Contos e Fábulas, dedicados “Às raparigas e rapazes que passaram pelas minhas aulas e a quem devo as melhores horas da minha vida”, e os seus artigos para a Seara Nova, então dirigida por Câmara Reys.

Foi afastada do ensino em 1949, na sequência da participação na Campanha de Norton de Matos à Presidência da República, e obrigada a aposentar-se. 

De regresso à Figueira, subsistiu através de explicações, continuou a resistência ao Estado Novo – pertenceu à Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, em 1973 – e saudou com emoção e alegria a data de 25 de Abril de 1974, apesar dos seus 83 anos. 

Tinha a felicidade de, pela segunda vez na vida, festejar na rua a mudança de regime político: 64 anos depois de se empenhar no triunfo da República, era a vez de assistir ao início da Democracia, pela qual tanto tinha lutado e sacrificado. Meses depois, aderiu ao Partido Socialista e faleceu em 1 de Abril de 1975.

Ofereceu o seu espólio, bem como o do marido, ao Museu e à Biblioteca da terra natal. Constituído por manuscritos, correspondência, artigos publicados, discursos, panfletos, informações acerca da intervenção política e enquanto professora e educadora, documentos biográficos, homenagens e fotografias, serviu de base à exposição que a Câmara Municipal lhes dedicou em 1992 e da qual resultou um minucioso catálogo.

[v. João Esteves, "Santos, Cristina Torres dos", Dicionário de Educadores Portugueses (dir. de António Nóvoa), Asa, 2003; "Cristina Torres dos Santos", Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Livros Horizonte, 2005]

[João Esteves]

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