[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

[2431.] PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS - DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO [LVIII] || 1926 - 1933

* PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || LVIII * 

0512. Horácio Augusto da Silva Pinho [1927]

[Sargento de Infantaria 20 – Figueira da Foz. Participou, na Figueira da Foz, na Revolta de 3 de Fevereiro de 1927, mobilizando a saída das forças do Quartel de Infantaria 20 e, depois, o seu embarque na Estação do Caminhos de Ferro. Tal como Hermenegildo Gonçalves Granadeiro, que também interveio na mesma revolta naquela cidade, foi deportado para S. Tomé, onde terá desembarcado por volta de 12/03/1927. Em Outubro de 1934, quando estava colocado no D. R. R. N.º 7, terá requerido prestar serviço no Regimento de Infantaria N.º 7, a fim de completar os quatro anos de serviço de tropas, exigidos para a admissão à Escola Central de Sargentos. Em novembro, a Secção Política e Social da PVDE informou que não havia inconveniente em que fosse deferida a pretensão de Horácio Pinho].    

0513. Francisco Matos [1927]

[Sargento de Infantaria 20 – Figueira da Foz. Participou, na Figueira da Foz, na Revolta de 3 de Fevereiro de 1927 e, tal como outros militares do Regimento de Infantaria 20, foi deportado para S. Tomé, onde terá desembarcado por volta de 12/03/1927].

00514. Adalberto Gastão de Sousa Dias [1927-1935]

[Adalberto Gastão de Sousa Dias || ANTT || PT-TT-EPJS-SF-001-001-0003-1040A]

[Chaves (ou Guarda), 03 ou 31/12/1865 [consoante as fontes], General. Filho de Ana Albina Sampaio de Sousa Dias, de Chaves, e de José Maria de Sousa Dias, Oficial do Exército, natural de Lisboa. Estudou em Vila Real (liceu – 1875/1880) e na Universidade de Coimbra (1881-1883), onde fez os preparatórios para a Escola do Exército ingressando, de seguida, nesta instituição, em Lisboa (1883-1887). Fez carreira militar na arma de Infantaria: alferes (1889); tenente (1895); capitão (1902); major (1906); tenente-coronel (1915); coronel (1918); general (1924). Assumiu-se, sempre, como republicano, filiando-se no Partido Democrático após a revolução de Outubro de 1910. Combateu as tropas monárquicas de Paiva Couceiro (1912), não apoiou a ditadura de Pimenta de Castro, recusando qualquer colaboração (1915), esteve temporariamente detido durante o Sidonismo e colocado no Regimento de Infantaria de Reserva n.º 18, no Porto e, em Janeiro de 1919, aquando da revolta monárquica, recusou-se a prestar fidelidade à Monarquia e ao rei, combatendo a “Monarquia do Norte”. Iniciou, então, a sua vida política activa, sendo eleito deputado pelo Porto (1921, 1923, 1924). Condecorado com os graus de Grande-Oficial da Ordem Militar de Avis (1920), Comendador da Ordem Militar de Cristo (1923) e Comendador da Ordem Militar de Santiago de Espada (1924). Comandante, desde 1925, da 3.ª Divisão do Exército, sediada no Porto, não aderiu aos revoltosos de 28 de Maio de 1926, tentando mesmo combatê-los, sem sucesso, devido à elevada adesão àqueles de várias unidades sob o seu comando. Dos raros Oficiais a não pactuar com rebelião militar de Gomes da Costa iniciada em Braga, pediu a exoneração e passou, de imediato, a combater a Ditadura Militar. Embora se encontrasse sob prisão e com baixa no Hospital Militar do Porto, foi indigitado para chefiar a revolta que eclodiu naquela cidade em 03/02/1927. Fracassada aquela, foi detido e deportado para S. Tomé: juntamente com outros implicados, embarcou, em Leixões, no "Infante de Sagres e, de regresso à capital, fez transbordo para o barco "Lourenço Marques", no qual seguiu para São Tomé. Este vapor saiu no dia 21/02/1927, à noite, levando deportados com destino aos Açores, Cabo Verde, Guiné e Angola, tendo aportado em S. Tomé aproximadamente em 12/03/1927 [ANTT, PT/TT/MI-DGAPC/2/700/138]. Em Novembro de 1927, o Conselho de Ministros deliberou a sua transferência imediata para Ponta Delgada, via Funchal, decisão transmitida ao general em 29 desse mesmo mês. Foi ainda informado que embarcaria no vapor Nyassa em 01/12/1927, data em que este este transporte passaria por S. Tomé, fazendo, depois, escala na Madeira. Sousa Dias ainda contestou essa decisão, por não querer abandonar os seus camaradas de desterro, sobretudo aqueles que tinham servido sob as suas ordens no movimento revolucionário de 03/02/1927, disso dando conta a todos os núcleos de deportados espalhados pelas Ilhas e Colónias. Depois de passar pelo Funchal, onde há uma fotografia sua entre vários deportados políticos, chegou, em Dezembro de 1927, ao Faial, ilha onde lhe tinha sido fixada residência obrigatória. Em 1929, foi mandado regressar ao Continente, submetido a julgamento no Tribunal Militar Especial, reunido no Forte da Graça, em Elvas, em 13/04/1929 e condenado a dois anos de prisão, tendo sido descontado o tempo em que esteve deportado. Apesar de já ter cumprido o tempo da pena a que fora condenado, regressou, em 1930, à mesma ilha açoriana por lhe ter sido aí fixada residência e, em seguida, deportado para o Funchal onde, em 04/04/1931, por ser o oficial de mais alta patente, foi escolhido para chefiar a sublevação contra a Ditadura e assumir o comando da “Junta Militar”. Falhada a revolta, foi novamente preso, demitido do Exército, sem direito a pensão, honras e uso de medalhas militares e condecorações, e deportado para Cabo Verde. Levado, primeiro, para o Campo de Concentração de Presos Políticos de São Nicolau, onde permaneceu até 21/08/1931, foi, depois, transferido para a ilha de Santo Antão e, por fim, para a de São Vicente. Foi um dos militares que não foi, explicitamente, abrangido pela amnistia decretada em 05/12/1932 (Decreto 21.943) e continuou, mesmo em terras longínquas, a combater a Ditadura Militar, mantendo, dentro do possível, contactos com civis, ex-militares e militares. Adoeceu em Santo Antão e, devido ao agravamento do seu estado de saúde, foi transferido para o hospital de S. Vicente, onde faleceu em 28/07/1935, disso dando conta um telegrama enviado pelo Governador de Cabo Verde ao Ministro das Colónias [ANTT, PT-TT-MI-GM-4-14-559_c0006]. Em vésperas do seu falecimento, o Governador tinha enviado ao mesmo ministro o seguinte telegrama: «rogo vexa transmitir Ministério Interior creio ser máxima conveniência repatriação imediata ex-General Sousa Dias está gravemente doente. É conveniente repatriar maior número de deportados possível» [ANTT, PT-TT-MI-GM-4-14-559_c0007]. Em Agosto de 1935, foi autorizada a sua trasladação para a Guarda [ANTT, PT-TT-MI-GM-4-32-44], tendo os restos mortais chegado a Lisboa, a bordo do vapor “Guiné”, em 30/11/1935. A urna foi coberta com a bandeira nacional, transportada aos ombros de antigos companheiros da deportação em África e na Madeira e encaminhada para a Estação do Rossio, «onde foi colocada num vagão armado em câmara ardente que, atrelado ao comboio correio da Beira Baixa, seguiu, às 23 horas, para a Guarda, terra natal do extinto» [Diário De Notícias, “General Sousa Dias – Os seus restos mortais chegaram de Cabo Verde e seguiram para a Guarda”, 03/12/1935, p. 2]. Três anos após o 25 de Abril, por Decreto do Conselho da Revolução de 02/06/1977 (decreto 232/77), foi reintegrado, a título póstumo, no Exército e no seu posto de General, com todas as honras ao mesmo inerentes e o direito às condecorações e graus honoríficos que possuía. Em 1980, recebeu o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.]

0515. Joaquim Videira [1927, 1928, 1929, 1931, 1933, 1938]

[Joaquim Videira || c. 1938-1940 || ANTT || RGP/10421 || PT-TT-PIDE-E-010-53-10421]

[Bendada, Sabugal, 06/09/1884, Tenente de Infantaria – Afastado. Filho de Palmira Cândido dos Reis Videira e de Manuel Videira. Integrou o CEP. Terá participado na Revolução de 05/10/1910, integrando as suas barricadas. Oficial da GNR, tomou parte activa na revolução de 07/02/1927: afastado da Corporação e deportado para S. Tomé no vapor “Lourenço Marques”, desembarcou por volta de 12/03/1927 [ANTT, PT-TT-MI-DGAPC-2-700-138]. Tomou parte no movimento revolucionário de 20/07/1928. Preso em 16/03/1929, «por estar implicado no movimento revolucionário em preparação» (Processo 4346), relacionando-se, entre outros, com Alberto Alexandrino Augusto dos Santos (tenente Alexandrino), Alfredo António Chaves (capitão Chaves), Álvaro Costa, seu advogado, Álvaro Troçolo (tenente), Domingos Pereira, José de Freitas Macedo (farmacêutico de Aveiro), José Maria Videira (ex-sargento, seu irmão), Nuno Cerqueira Machado Cruz (capitão Nuno Cruz) e Virgílio (ex-sargento). O processo foi enviado ao Ministério da Guerra em 26/06/1929 (Processo 4346), que o mandou arquivar em Novembro. Participou no movimento revolucionário de 26/08/1931 e deportado para Timor, por motivos políticos, sendo abrangido pela amnistia de 05/12/1932: desembarcou em 09/06/1933 e apresentou-se no dia 12, ficando a residir em Lisboa. Preso em 31/10/1933, por envolvimento no movimento revolucionário em preparação, relacionando-se, entre outros, com António Marques Pereira (comerciante na Pontinha), Jaime Joaquim das Neves (furriel), José de Matos Machado, José Pedro Muralha (1.º sargento do Exército) e Pires Marques, então procurado pela Polícia (Processo 835). Em 19/11/1933, embarcou de Peniche para Angra do Heroísmo, de onde regressou em Setembro de 1935, apresentando-se na PVDE no dia 8. Preso em 09/07/1938, recolheu a uma esquadra incomunicável e, em 02/08/1938, foi transferido para o Aljube. Transferido para Caxias em 06/12/1938, voltou ao Aljube em 20/06/1939, regressando à primeira prisão em 28/06/1939 (Processo 877/38, 203/38). Julgado pelo TME em 27/06/1939 e condenado a três anos de desterro, recorreu da sentença e voltou a ser julgado em 19/08/1939, mantendo-se a pena aplicada. Libertado em 03/06/1940, por ter sido amnistiado. Terá estado com residência nos Açores, aquando das primeiras revoltas. Faleceu em 1948. O irmão, o sargento José Maria Videira, teve idêntico percurso de resistente, sendo um dos nomes que não foi explicitamente abrangido pela amnistia de 05/12/1932]. 

[João Esteves]

[2430.] JOAQUIM VIDEIRA [I] || DEPORTADO PARA S. TOMÉ, TIMOR E AÇORES

 * JOAQUIM VIDEIRA *

[06/09/1884 - 1948]

Joaquim Videira foi um dos muitos militares que se insurgiu contra a Ditadura Militar e a combateu, sendo várias vezes preso e deportado, tal como o irmão José Maria Videira.

[Joaquim Videira || c. 1938-1940 || ANTT || RGP/10421 || PT-TT-PIDE-E-010-53-10421]

Joaquim Videira nasceu em Bendada, concelho de Sabugal, em 6 de Setembro de 1884, sendo filho de Manuel Videira. 

Seguiu a carreira militar até ser dela afastado por motivos políticos. Terá participado na Revolução de 5 de Outubro de 1910, integrando as suas barricadas, e pertenceu ao Corpo Expedicionário Português durante a 1.ª Guerra. 

Oficial da GNR, tomou parte activa na revolução de 7 de Fevereiro de 1927: afastado da Corporação e deportado para S. Tomé no vapor “Lourenço Marques”, desembarcou por volta de 12 de Março de 1927 [ANTT, PT-TT-MI-DGAPC-2-700-138]. 

No ano seguinte, em 20 de Julho, participou no movimento revolucionário de 20 de Julho, tendo sido, provavelmente, enviado para os Açores com residência fixa. 

Novamente preso em 16 de Março de 1929, «por estar implicado no movimento revolucionário em preparação» [Processo 4346], relacionando-se, entre outros, com Alberto Alexandrino Augusto dos Santos (tenente Alexandrino), Alfredo António Chaves (capitão Chaves), Álvaro Costa, seu advogado, Álvaro Troçolo (tenente), Domingos Pereira, José de Freitas Macedo (farmacêutico de Aveiro), José Maria Videira (ex-sargento, seu irmão), Nuno Cerqueira Machado Cruz (capitão Nuno Cruz) e Virgílio (ex-sargento). O processo foi enviado ao Ministério da Guerra em 26/06/1929 [Processo 4346], que o mandou arquivar em Novembro. 

Em 1931, engrossou o movimento revolucionário que eclodiu em 26 de Agosto e deportado para Timor, sendo abrangido pela amnistia de 5 de Dezembro de 1932: desembarcou em 09/06/1933 e apresentou-se no dia 12, ficando a residir em Lisboa. 

A quinta prisão aconteceu em 31 de Outubro de 1933, por envolvimento no movimento revolucionário em preparação, acusado de conspirar, entre outros, com António Marques Pereira (comerciante na Pontinha), Jaime Joaquim das Neves (furriel), José de Matos Machado, José Pedro Muralha (1.º sargento do Exército) e Pires Marques, então procurado pela Polícia [Processo 835]. Em 19 de Novembro, embarcou de Peniche para Angra do Heroísmo, de onde regressou em Setembro de 1935, apresentando-se na PVDE no dia 8. 

[Joaquim Videira || 30/03/1934 || Retirado de uma fotografia de presos políticos em Angra do Heroísmo e que consta da Casa Comum || Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Soares, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=06786.001.105 (2020-11-30)]

A última detenção deu-se em 9 de Julho de 1938: recolheu a uma esquadra incomunicável, foi transferido para o Aljube em 2 de Agosto e, em 6 de Dezembro, seguiu para Caxias. Voltou ao Aljube em 20 de Junho de 1939, para ser julgado pelo TME em 27 de Junho [Processo 877/38, 203/38] e condenado a três anos de desterro. No dia seguinte, regressou a Caxias, recorreu da sentença e voltou a ser julgado em 19 de Agosto, mantendo-se a pena aplicada.

[Joaquim Videira || ANTT || RGP/10421 || PT-TT-PIDE-E-010-53-10421]

Libertado em 3 de Junho de 1940, por ter sido amnistiado, faleceu em 1948. O irmão, o sargento José Maria Videira, teve idêntico percurso de resistente, sendo um dos nomes que não foi explicitamente abrangido pela amnistia de 05/12/1932. 

[Segundo informação da Neta, que muito agradecemos, Palmira Cândido dos Reis Videira era casada com Joaquim Videira e não sua mãe, como consta erroneamente no Registo Prisional da PVDE.]
[alterado em 09/05/2023]

[João Esteves]

domingo, 29 de novembro de 2020

[2429.] ADALBERTO GASTÃO DE SOUSA DIAS [I] || DEPORTADO PARA S. TOMÉ, AÇORES, MADEIRA E CABO VERDE, ONDE FALECEU

 * ADALBERTO GASTÃO DE SOUSA DIAS *

[1865 - 28/07/1935]

O general Sousa Dias foi dos poucos oficiais de alta patente a não aderir ao golpe militar de 28 de Maio de 1926 e que desde o início procurou combater a Ditadura Militar.

Chefiou o movimento revolucionário de 03/02/1927 e foi deportado para S. Tomé (1927) e Açores (1928-1929). Em 1930, Voltaria a ser deportado para os Açores e, depois, para a Madeira onde, em 04/04/1931, por ser o oficial de mais alta patente, foi escolhido para chefiar a sublevação contra a Ditadura e assumir o comando da "Junta Militar".

Novamente preso, foi demitido do Exército e deportado para Cabo Verde: levado, primeiro, para o Campo de Concentração de Presos Políticos de São Nicolau, aí permaneceu até 21/08/1931; foi, depois, transferido para a ilha de Santo Antão e, por fim, para a de São Vicente, onde faleceu no hospital em 28/07/1935 e não em Junho de 1934 como tem sido referido. Os seus restos mortais chegaram a Portugal em 30/11/1935, tendo sido sepultado na Guarda em 03/12/1935.


Chaves (ou Guarda), 03 ou 31/12/1865 [consoante as fontes], General. Filho de Ana Albina Sampaio de Sousa Dias, de Chaves, e de José Maria de Sousa Dias, Oficial do Exército, natural de Lisboa. 

Estudou em Vila Real (liceu – 1875/1880) e na Universidade de Coimbra (1881-1883), onde fez os preparatórios para a Escola do Exército ingressando, de seguida, nesta instituição, em Lisboa (1883-1887). 

Fez carreira militar na arma de Infantaria: alferes (1889); tenente (1895); capitão (1902); major (1906); tenente-coronel (1915); coronel (1918); general (1924). 

Assumiu-se, sempre, como republicano, filiando-se no Partido Democrático após a revolução de Outubro de 1910. Combateu as tropas monárquicas de Paiva Couceiro (1912), não apoiou a ditadura de Pimenta de Castro, recusando qualquer colaboração (1915), esteve temporariamente detido durante o Sidonismo e colocado no Regimento de Infantaria de Reserva n.º 18, no Porto e, em Janeiro de 1919, aquando da revolta monárquica, recusou-se a prestar fidelidade à Monarquia e ao rei, combatendo a “Monarquia do Norte”. Iniciou, então, a sua vida política activa, sendo eleito deputado pelo Porto (1921, 1923, 1924).

Condecorado com os graus de Grande-Oficial da Ordem Militar de Avis (1920), Comendador da Ordem Militar de Cristo (1923) e Comendador da Ordem Militar de Santiago de Espada (1924). 

Comandante, desde 1925, da 3.ª Divisão do Exército, sediada no Porto, não aderiu aos revoltosos de 28 de Maio de 1926, tentando mesmo combatê-los, sem sucesso, devido à elevada adesão àqueles de várias unidades sob o seu comando. Dos raros Oficiais a não pactuar com rebelião militar de Gomes da Costa iniciada em Braga, pediu a exoneração e passou, de imediato, a combater a Ditadura Militar. 

Embora se encontrasse sob prisão e com baixa no Hospital Militar do Porto, foi indigitado para chefiar a revolta que eclodiu naquela cidade em 03/02/1927. Fracassada aquela, foi detido e deportado para S. Tomé: juntamente com outros implicados, embarcou, em Leixões, no "Infante de Sagres e, de regresso à capital, fez transbordo para o barco "Lourenço Marques", no qual seguiu para São Tomé. Este vapor saiu no dia 21/02/1927, à noite, levando deportados com destino aos Açores, Cabo Verde, Guiné e Angola, tendo aportado em S. Tomé aproximadamente em 12/03/1927 [ANTT, PT/TT/MI-DGAPC/2/700/138]. 

Em Novembro de 1927, o Conselho de Ministros deliberou a sua transferência imediata para Ponta Delgada, via Funchal, decisão transmitida ao general em 29 desse mesmo mês. Foi ainda informado que embarcaria no vapor Nyassa em 01/12/1927, data em que este este transporte passaria por S. Tomé, fazendo, depois, escala na Madeira. Sousa Dias ainda contestou essa decisão, por não querer abandonar os seus camaradas de desterro, sobretudo aqueles que tinham servido sob as suas ordens no movimento revolucionário de 03/02/1927, disso dando conta a todos os núcleos de deportados espalhados pelas Ilhas e Colónias. 

[in O General Sousa Dias e as Revoltas contra a Ditadura – 1926/1931, organização de A. H. de Oliveira Marques, com a colaboração de A. Sousa Dias || Publicações Dom Quixote || Abril de 1975]

Depois de passar pelo Funchal, onde há uma fotografia sua entre vários deportados políticos, chegou, em Dezembro de 1927, ao Faial, ilha onde lhe tinha sido fixada residência obrigatória. 

Em 1929, foi mandado regressar ao Continente, submetido a julgamento no Tribunal Militar Especial, reunido no Forte da Graça, em Elvas, em 13/04/1929 e condenado a dois anos de prisão, tendo sido descontado o tempo em que esteve deportado. 

Apesar de já ter cumprido o tempo da pena a que fora condenado, regressou, em 1930, à mesma ilha açoriana por lhe ter sido aí fixada residência e, em seguida, deportado para o Funchal onde, em 04/04/1931, por ser o oficial de mais alta patente, foi escolhido para chefiar a sublevação contra a Ditadura e assumir o comando da “Junta Militar”. 

Falhada a revolta, foi novamente preso, demitido do Exército, sem direito a pensão, honras e uso de medalhas militares e condecorações, e deportado para Cabo Verde. 

Desembarcou na cidade da Praia, ilha de Santiago, e levado, juntamente com os outros deportados, mais de trinta, civis e militares, para o Lazareto, «onde nos meteram, cercado de arame farpado, pregando-nos as janelas, guardados por soldados pretos, numa aglomeração a mais anti-higiénica; dando-nos uma água insalubre para beber, em que se encontravam vários vermes em suspensão; e uma vala comum, sem escoante onde, sem distinção, todos íamos satisfazer as nossas necessidades corporais» [carta ao filho Adalberto, datada de 21/08/1931, in O General Sousa Dias e as Revoltas contra a Ditadura – 1926/1931, organização de A. H. de Oliveira Marques, com a colaboração de A. Sousa Dias, Publicações Dom Quixote, Abril de 1975].  

Terá ficado ali cerca de um mês e, em 6 de Junho de 1931, embarcou para a ilha de S. Nicolau, onde chegou no dia seguinte, ao anoitecer. Levado para o edifício do Seminário, um velho casarão de dois andares,  aí chegaram a estar, ao todo, «cerca de 170 presos políticos», guardados pela «força indígena vinda de Angola» e «40 guardas civis, com dois subchefes e um chefe», idos de Lisboa: «Nunca presumi que se encerrasse um general dentro dum restrito campo de prisioneiros políticos, cercado de arame farpado, ou de um muro de 5m de altura (como no Seminário de S. Nicolau), sujeitando-o aos mais mesquinhos vexames, e aos mais insólitos enxovalhos».

Como bem lembra José J. Cabralestudioso sobre a deportação e Estado Novo em Cabo Verde, o corredor interior ao longo de todo o edifício foi baptizado pelos deportados "avenida General Sousa Dias" e, recorrendo-se do livro do historiador A. H. de Oliveira Marques sobre este, refere que ele passava dias a fio deitado na cama, outros tantos, desolado, a deambular pelo corredor, em resultado do não atendimento de denúncias que fazia, de maus tratos a que todos eram submetidos, dos colegas tuberculosos a contaminarem os outros. 

Permaneceu em S. Nicolau até 21 de Agosto. Depois, foi transferido, sem saber porquê, «visto não ter pedido, nem directa nem indirectamente; nem tão pouco consinto que se peça, para a Ponta do Sol na Ilha de Santo Antão» onde, «ao menos aqui, já respiro!» [carta citada]. Na viagem, pode observar o local onde se iria «organizar um novo Campo de Concentração na Ilha de S. Nicolau num sítio conhecido pelo nome de Tarrafal», já em construção e que «excederá tudo o que até se tem praticado». 

[No entanto, não terá sido concluído, apesar do plano inicial, sendo visíveis quatro casas desmontáveis, adquiridas ao estrangeiro, e os postes para ser pregada a vedação de arame farpado. Muito deste material seria, depois, reutilizado no Tarrafal de Santiago, aberto em 1936.  Para todos os efeitos, as condições físicas e psicológicas vividas quotidianamente pelos deportados no Seminário/Prisão de S. Nicolau, sob isolamento, regras de clausura, repressão, incomunicabilidade, acomodação, censura, restrições, vigilância policial e despotismo arbitrário e humilhante [Victor Barros, Campos de Concentração em Cabo Verde - As Ilhas como espaço de Deportação e de Prisão no Estado Novo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009], fez com que acabasse por ficar conhecido como o Campo de Concentração de Presos Políticos de S. Nicolau.]

Foi um dos militares que não foi, explicitamente, abrangido pela amnistia decretada em 05/12/1932 (Decreto 21.943) e continuou, mesmo em terras longínquas, a combater a Ditadura Militar, mantendo, dentro do possível, contactos com civis, ex-militares e militares. 

Por fim, adoeceu em Santo Antão e, devido ao agravamento do seu estado de saúde, foi transferido para o hospital de S. Vicente, onde faleceu em 28/07/1935, disso dando conta um telegrama enviado pelo Governador de Cabo Verde ao Ministro das Colónias [ANTT, PT-TT-MI-GM-4-14-559_c0006]. 

Em vésperas do seu falecimento, o Governador tinha enviado ao mesmo ministro o seguinte telegrama: «rogo vexa transmitir Ministério Interior creio ser máxima conveniência repatriação imediata ex-General Sousa Dias está gravemente doente. É conveniente repatriar maior número de deportados possível» [ANTT, PT-TT-MI-GM-4-14-559_c0007]. 

Em Agosto de 1935, foi autorizada a sua trasladação para a Guarda [ANTT, PT-TT-MI-GM-4-32-44], tendo os restos mortais chegado a Lisboa, a bordo do vapor “Guiné”, em 30/11/1935. 

[Adalberto Gastão de Sousa Dias || Diário de Lisboa || 02/12/1935] 

A urna foi coberta com a bandeira nacional, transportada aos ombros de antigos companheiros da deportação em África e na Madeira e encaminhada para a Estação do Rossio, «onde foi colocada num vagão armado em câmara ardente que, atrelado ao comboio correio da Beira Baixa, seguiu, às 23 horas, para a Guarda, terra natal do extinto» [Diário De Notícias, “General Sousa Dias – Os seus restos mortais chegaram de Cabo Verde e seguiram para a Guarda”, 03/12/1935]. 

Foram organizados vários turnos e estiveram presentes, entre muitos outros, Alfredo Guisado, António Augusto, António Joaquim Pires, António Lomelino, Arantes Pedroso, Armando do Vale, Augusto César Loureiro, Aurélio Daniel, Avelino Cascais, Carlos Américo Garcez, Carlos Babo, Carlos Köpke [Carlos Alberto Coque], Carvalhão Duarte, Carvalho Araújo, César Nunes, Edmundo Gonçalves Lamego, Eduardo Bravo, Eduardo França Borges, Eduardo Pinto de Sousa, Eugénio Ferreira, Francisco de Aragão e Melo, Heitor Ferreira, Herculano Vasco, João Augusto Sousa (reverendo), João de Sousa, Joaquim Bento, José Maria Antunes, José Sebastião Frescata, Joubert Pereira, Julião Custódio, Júlio Anjos, Lopes Andrade, Lúcio Escórcio, Lúcio Martins (capitão), Manuel Martinho, Manuel Moutinho, Manuel Roberto, Marinho da Silva, Martins dos Santos, Maurício Costa, Máximo Barros, Pereira Vitorino, Ramon de La Féria, Ribeiro de Carvalho, Rogério Soares, Roque da Silveira, Sá Cardoso (general), Simões Raposo, Vieira Marques, Viriato de Almeida e Zeferino da Silva.

Três anos após o 25 de Abril, por Decreto do Conselho da Revolução de 02/06/1977 (decreto 232/77), foi reintegrado, a título póstumo, no Exército e no seu posto de General, com todas as honras ao mesmo inerentes e o direito às condecorações e graus honoríficos que possuía. 

Em 1980, recebeu o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.

[João Esteves]

sábado, 28 de novembro de 2020

[2428.] PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS - DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO [LVII] || 1926 - 1933

   * PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || LVII *

0507. José Vicente Brochado [1927]

[Tenente de Infantaria. Participou no movimento revolucionário de 3 de Fevereiro de 1927. Foi um dos deportados para São Tomé, onde terá desembarcado por volta de 12/03/1927. Posteriormente, foi-lhe fixada residência em Amarante].

0508. Teotónio da Malta Jota [1927, 1931, 1933]

[Tenente de Infantaria. Integrou, durante a 1.ª Guerra, o corpo Expedicionário Português enquanto Alferes Miliciano. Participou no movimento revolucionário de 7 de Fevereiro de 1927. Deportado para São Tomé, onde terá desembarcado por volta de 12/03/1927. De regresso e vigiado, devido às suas contínuas ligações ao tenente Manuel António Correia e ao advogado Luís da Costa Figueiredo, a Polícia Internacional Portuguesa propôs, novamente, o seu afastamento do Continente. Interveio, em 8 de Abril de 1931, quando estava deportado em São Miguel, na Revolta das Ilhas contra a Ditadura e, durante o processo de rendição daquela ilha, dirigiu-se para Madeira no vapor Pero de Alenquer, juntamente com outros revoltosos civis e militares, quase todos deportados. Integravam o grupo a bordo do vapor, para além do tenente Malta Jota, Álvaro Garrido Castro (segundo-sargento cadete), António Mendes, António Silva Reis, Augusto César Loureiro (capitão), Bartolomeu Severino, Basílio Lopes Pereira, Deodato Ramos, Francisco da Conceição Rodrigues, Francisco Violante, Joaquim Pinheiro Vila, Joaquim Pinto de Lima, José Filipe Piçarra (tenente), Leonel Ferro Alves, Luís Emílio Seca (tenente) e Manuel Alegria Vidal. Demitido do Exército, seguiu, em 12 de Maio de 1931, para Cabo Verde, onde lhe foi fixada residência por ter participado no movimento militar da Madeira. Abrangido pela amnistia de 05/12/1932, regressou ao Continente e apresentou-se em 16/01/1933, indo residir, provisoriamente, para o Suíço Atlantic Hotel – Lisboa. Preso pela PSP de Setúbal em 24/11/1933 e entregue, na mesma data, à Secção Política e Social da PVDE, acusado de estar envolvido nos preparativos de um movimento revolucionário em preparação (v. Processo 892); libertado em 25 de Maio de 1934. Continuou a bater-se contra a Ditadura, colaborando activamente com Manuel António Correia, a quem visitava, com frequência, nos seus esconderijos. Segundo as Memórias deste, “Passou por muitas necessidades!” [Manuel António Correia, Memórias de um resistente às ditaduras, p. 222.]

0509. Artur da Cunha Azinhais [1927]

[Major Miliciano de Infantaria do Quadro Especial. Combateu em África durante a 1.ª Grande Guerra. Em 1919, era capitão miliciano de Infantaria e encontrava-se em Viana do Castelo como comandante de companhia. Proposto em 11/03/1926 e 25/05/1926, para ser condecorado pela Presidência da República com o Grau de Oficial, sendo as duas propostas aprovadas em 08/09/1926. Enquanto capitão do Batalhão N.º 6 da GNR, situado em Viana do Castelo, participou na Revolta de 3 de Fevereiro de 1927, sendo nomeado pelos revoltosos Comandante Militar e Governador Civil daquela cidade. Arguido nos processos 79 e 153 do TME/Porto, foi um dos deportados para São Tomé, onde terá por volta de 12/03/1927. Em 28 e 30/03/1937, foi indicado para receber o Grau de Comendador, o que foi aprovado em 4 de Novembro [Decreto de Concessão com o mesmo Grau, de 23 de Fevereiro de 1938, publicado no DG n.º 46, de 25 de Fevereiro de 1938].

0510. José Júlio de Almeida Sobral [1927, 1931]

[Enquanto Sargento Ajudante do Regimento de Infantaria N.º 1, esteve envolvido no movimento revolucionário de 07/02/1927, tendo sido deportado para S. Tomé, onde terá desembarcado por volta de 12/03/1927. Em 1930, já Alferes, apurou-se que terá integrado uma organização revolucionária que envolvia os Cabos de Infantaria 1, mantendo ligações, entre outros, com Arruda (sargento cadete) e o João de Oliveira Ceborro (cabo, entretanto deportado no ano anterior para a Guiné), e fora convidado pelo Tenente Chaves para participar num movimento contra a Ditadura, não tendo aceitado. Foi, então, transferido do Regimento de Infantaria 1 para o Batalhão de Caçadores N.º 1, em Portalegre. Em Setembro de 1931, por fazer parte da sua organização revolucionária, juntamente com Aguiar (1.º sargento), Domingos Lopes (furriel corneteiro), Filipe Cardoso Calhancas (tenente), Joaquim Batista (furriel), Jorge Pinheiro Serrão da Veiga (tenente), Pinto (furriel), Rodrigo Cardoso Dórdio Rosado de Figueiredo Pereira Botelho (tenente) e Vilela (sargento ajudante), entre outros, foi-lhe fixada residência obrigatória em Peniche, para onde seguiu em 14/09/1931. Pelo Decreto de 25/01/1939, o Tenente José Júlio de Almeida Sobral foi condecorado com Grau de Cavaleiro].

0511. Hermenegildo Gonçalves Granadeiro [1927, 1928, 1930]

[Hermenegildo Gonçalves Granadeiro ao centro || Fotografia do Arquivo Particular de Armando Granadeiro (seu filho), in Madalena Ceppas Salvação Barreto, Timor do século XX: deportação, colonialismo e interações culturais || Dissertação de Mestrado em Antropologia – Culturas Visuais || 2015]

[Sardoal, 24/08/1892, 1.º Sargento Artilheiro da Armada / comerciante. Abandonou, segundo Madalena Salvação Barreto, a Marinha em Abril de 1926, passando a comerciante em Coimbra. Participou no movimento revolucionário de 03/02/1927, desenvolvendo a sua acção na Figueira da Foz, e o seu nome consta entre os deportados para S. Tomé, onde terá desembarcado por volta de 12/03/1927. Preso em 24/07/1928, por estar envolvido, em Coimbra, na Revolta de 20 de Julho, integrando o grupo que deveria assaltar o quartel de metralhadoras. Entregue ao Ministério da Marinha em 15/08/1928 (Processo 3895). Vigiado, voltaria a ser detido em 23/12/1930, por estar envolvido em manejos revolucionários, relacionando-se com Dário de Carvalho Preto Ramos (capitão reformado) e Tadeu Henrique Pinto (tenente da GNR), que o encarregou de ir ao Porto buscar umas bombas e entregar uma carta a Silo Cal Brandão. Mantinha, ainda, contactos com Afonso de Moura (cerâmico) e Henrique de Magalhães (sapateiro), ambos residentes em Coimbra e implicados no caso das bombas (v. Processo 4745, enviado ao Tribunal Especial de Instrução). Deportado para Timor em 27/06/1931, no navio Gil Eanes, desembarcou, em 21/10/1931, em Oecussi, ficando, como os restantes companheiros de viagem, no respectivo campo de concentração. Sem permissão de sair da ilha, instalou-se em Díli, onde foi professor particular. Em 1934, requereu ao governo para passar a residir em Macau, considerando um lapso não ter sido abrangido pela amnistia concedida aos deportados políticos, datada de 05/12/1932. Continuou a residir em Timor e integrava a Missão Geográfica quando os japoneses invadiram a ilha. Participou, em Agosto de 1942, na coluna do sargento Vicente que reprimiu a rebelião na fronteira (Maubisse e Turiscai) e, em 03/08/1943, foi evacuado para Austrália, acabando por ser internado no campo de prisioneiros de guerra em Liverpool e libertado em Março de 1944. Em Novembro de 1945, embarcou no navio Angola para regressar a Portugal, tendo sido impedido de sair do navio aquando da escala em Díli. Desembarcou em Lisboa em meados de Fevereiro de 1946, deixando a família em Timor, onde não mais voltou].

[João Esteves]

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

[2427.] PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS - DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO [LVI] || 1926 - 1933

  * PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || LVI *

0497. António Casimiro Rodrigues Merca [1931]

[Lisboa, 1899, comerciante - Lisboa. Preso em 12/10/1931, «por falsas declarações» em benefício de Alexandre Pereira Nunes, implicado no movimento revolucionário de 26/08/1931. Libertado em 15/10/1931 (Processo 13)].

0498. António Castanheira [1932, 1933]

[Lisboa, 1909, fundidor - Lisboa. Preso em 23/01/1932, por «professar ideias comunistas» e se relacionar com a Juventude Comunista Portuguesa, figurando como simpatizante dentro da Célula N.º 10. Libertado em 24/03/1932 (Processo 225). Preso em 09/02/1933, acusado se fazer parte de um núcleo de simpatizantes do Partido Comunista que se reunia no Largo da Esperança e que incluía, ainda, Emílio Miguel Valoroso e Firmino de Matos, controlado por Mário Rodrigues Pio. Tinha a seu cargo a Comissão Sindical, integrava o Socorro Vermelho Internacional, para o qual contribuía, e adquiriu, com os restantes, armas para serem utilizadas em caso de necessidade, sendo considerado no seu Cadastro Político como «um elemento bastante perigoso» (Processo 626). Julgado pelo TME em 02/03/1934 (Processo 31/933 do TME) e libertado em 29/07/1934].  

0499. António Castela [1931]

[Santarém, 1888, Guarda do Cemitério de Carnide. Preso, em 01/10/1931, pela Secção de Justiça e Informações do Comando da PSP de Lisboa, acusado de ter participado no movimento revolucionário de 26 de Agosto - assalto ao Grupo de Sapadores Mineiros, aquartelados na Pontinha. Libertado em 13/01/1932 (Processo 184)].

0500. António Cera [1932]

[Ourique, 1891, trabalhador - Conceição, concelho de Ourique. Preso em 28/03/1932 e entregue pelo Comando da PSP de Beja em 11/04/1932, acusado de estar envolvido em gritos subversivos, juntamente com Garibaldi Marques, Jacinto Angélica e José Bernardino, depois de terem saído duma locanda da aldeia da Conceição - Ourique. Também estava presente Ernesto Raposo, o qual foi morto na sequência da intervenção das autoridades chamadas pelo Regedor (Processo 341). Libertado em 07/07/1932].

0501. António César do Nascimento [1930]

[Lisboa, 1910, 1.º Cabo de Caçadores 7. Preso em 24/07/1930, «por fazer parte da organização revolucionária do Regimento a que pertence, tendo ligações revolucionárias com o ex-tenente Quilhó». Entregue às autoridades militares em 07/09/1930 (Processo 4670); libertado em 17/03/1931].

0502. António Cesário [1928]

[Tenente S.A.M. Preso em 20/07/1928, por ter tomado parte no movimento revolucionário desse dia. Em 21/08/1928, foi-lhe fixada residência em Lisboa].

0503. António Coelho [1931]

[Tenente do Batalhão de Caçadores 7. Em 03/03/1931, o Ministério da Guerra comunicou ao Ministério do Interior que foi ordenada a sua prisão, dando entrada na Casa de Reclusão Temporária de S. Julião da Barra].

0504. António Constantino [1933]

[Caldas da Rainha, 1907, trabalhador rural. Preso em 25/06/1933, «por ser detentor duma pistola "Savage"» (v. Processo 721); libertado em 28/06/1933].

0505. António Correia Gonçalves [1931]

[1.º Sargento Cadete de Infantaria 17. Quando pertencia a Infantaria 18, terá tomado parte activa nos acontecimentos de Maio de 1931, no Porto, sendo mandado residir, obrigatoriamente, em Almeida. Em 28/09/1931, apresentou-se em Peniche, onde lhe foi fixada residência obrigatória]. 

0506. António Correia [1930-1934 (residência fixa), 1942] 

[António Correia || 09/07/1942 || ANTT || RGP/14176]

[S. Pedro de France (Viseu), 21/07/1895, Capitão de Artilharia e Aviador. Ainda estudante do liceu, alistou-se "como voluntário na unidade de artilharia de Viseu" [Fernando Mouga, Janela da Memória, p. 271], "fez a guerra em França" e obteve, em Inglaterra, "o diploma de piloto-aviador de combate que dele fez um dos pioneiros da aviação militar portuguesa". Um acidente de aviação em Torres Novas, quando voava com Ribeiro da Fonseca, fizeram-no regressar à Arma de Artilharia, sendo "o capitão mais novo, ao tempo, do Exército português e na Arma permaneceu até que, já na situação de reserva, o ministro, fascista, da Guerra - Fernando dos Santos Costa - o demitiu". Em 1930, estava com residência obrigatória em Fafe, não tendo a Polícia Internacional Portuguesa autorizado que fosse passar o Natal a Viseu, onde residia a família. Em Maio de 1931, quando estava com residência fixada em Ceia, requereu ao Ministério da Guerra transferência para Viseu, não lhe tendo sido autorizado por parecer da Polícia. Em Agosto de 1932, fez novo pedido para ser transferido para Viseu. Em Agosto de 1934, quando se encontrava com residência fixa em Viseu, solicitou que fosse colocado em uma Unidade de Artilharia, o que foi autorizado em 05/09/1934. Durante a Guerra de 1939-1945, o capitão António Correia foi preso e conheceu, durante quase quatro anos, as principais prisões fascistas, em virtude de uma carta enviada ao embaixador de Inglaterra em Portugal onde "se afirmava o apoio dos republicanos de Viseu à causa dos Aliados e se censurava a posição de Salazar". Por denúncia, a polícia política teve conhecimento da missiva e foi preso em 11/01/1942, enviado para o Aljube e, como era militar, seguiu para a Casa de Reclusão da Trafaria em 19 do mesmo mês. Demitido do Exército por despacho de Santos Costa, foi transferido, em 8 de Julho do mesmo ano, para o Aljube, por si considerado muito pior do que o inferno em missiva ao capitão Arruda, detido na Trafaria. Dali passou para Caxias (28 de Julho) e, em 5 de Agosto, embarcou para o Tarrafal, onde permaneceu até 27/01/1944. De regresso ao continente, voltou a Caxias em 2 de Fevereiro e foi transferido para Peniche em 23 de Maio, prisão onde permaneceu até ser restituído à liberdade em 01/11/1945. Poucos dias depois, foi um dos oradores do imponente comício realizado no Teatro Avenida: "pela primeira vez depois do advento do fascismo salazarista era possível à oposição democrática de Viseu manifestar-se maciçamente num acto público". Libertado, "tratou de viver com honra na situação a que fora reduzido de homem sem haveres nem rendimentos que lhe permitissem subsistir: trabalhou no comércio em Lisboa e Viseu como empregado, na Seara Nova com Câmara Reys ao lado de Manuel Ricardo; fixado por fim, nos arredores de Vila da Feira em casa de Maria Isabel, sua filha mais velha, leccionou num colégio da vila com o simples nome de António Correia até que a pide o localizou e impôs ao director que o despedisse". Publicou dois livros, Poucos Conhecem os Açores, com prefácio de Câmara Reys (1942), e Palavras Sem Eco (1960), tendo esta recolha de escritos de opinião sido apreendido pela PIDE. Faleceu na Quinta das Mestras, Vila da Feira, em 1961, vítima de uma hemorragia cerebral. Na sequência do 25 de Abril, foi restituído, postumamente, no posto e na Arma de onde tinha sido demitido. A nova gestão da Câmara Municipal de Viseu atribuiu o nome de António Correia a uma rua, "embora secundária, da cidade". Por pouco tempo, pois a vereação eleita tratou de riscar aquele nome da toponímia].

[João Esteves]

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

[2426.] MARIA ISABEL ABOIM INGLEZ || "RETRATO" DE MARGARIDA TENGARRINHA (FACES DE EVA - 43)

 * MARIA ISABEL ABOIM INGLEZ *

[1902 - 1963]

Maria Isabel Aboim Inglez - «A Indomável»

Texto de Margarida Tengarrinha 

Revista "Faces de Eva" || N.º 43 || Junho de 2020 

[in Faces de Eva || N.º 43 || Junho de 2020]

«De seu nome completo, Maria Isabel Hahnemann Saavedra de Aboim Inglez, foi chamada «A Indomável» pelo seu amigo, o poeta José Gomes Ferreira, característica que regista a unanimidade dos seus companheiros de luta e de todos aqueles que admiravam e admiram a sua inabalável coragem de combatente antifascista. Muitos a classificaram como «A Mulher Sem Medo», naquela época em que, em Portugal, o medo era a arma que a ditadura fascista lançava como uma rede paralisante sobre o país, tirando não só a liberdade, mas também o pão aos adversários. Essas duas formas de repressão foram usadas contra Maria Isabel e contra as suas duas filhas. A ferocidade implacável com que Salazar a perseguiu é outra forma de confirmação de que via nela uma mulher que lhe fazia frente com uma coragem sem vacilações e uma firmeza de carácter baseada em convicções fundamentadas em princípios teóricos que adoptara e a que era fiel.

Maria Isabel Aboim Inglez nasceu em Lisboa, na Rua Nova do Loureiro, no Bairro Alto, em 7 de Janeiro de 1902, numa família burguesa. Seu pai, de origem espanhola mas naturalizado português, era republicano e ateu, o que, naturalmente, a influenciou.

Ao recordar o percurso de vida desta mulher excepcional, destaco alguns factos marcantes, um dos quais foi o seu casamento, aos vinte anos, com Carlos Aboim Inglez. Mais velho três anos, foi seu colega no liceu Pedro Nunes, fez o curso de engenheiro químico e de minas e foi, no dizer de Henrique de Barros, “um combatente sem tréguas contra a ditadura, a tudo disposto para a derrubar” (H. de Barros, Diário de Lisboa, Março de 1942). Outro facto marcante foi a morte prematura do marido: Maria Isabel, que era uma pessoa muito contida e de grande sobriedade na expressão dos sentimentos, diria a uma das filhas, num desabafo nada habitual nela, que estava profundamente apaixonada por ele e que, entre os dois, houve, desde sempre, uma enorme identidade de pensamento e de ideologia. Foi decerto um casamento de grande entendimento e apoio mútuo, entre duas pessoas com uma inteligência acima do vulgar, o que se reflectiu no estímulo do marido para que retomasse os estudos, após o nascimento do seu quinto filho. Foi assim que, com o total apoio do marido, Maria Isabel se matriculou na Faculdade de Letras de Lisboa, onde tirou, com resultados brilhantes, o curso de Ciências Histórico-Filosóficas, em 1936. Tinha já 34 anos. Por motivos da vida familiar, com os filhos muito pequenos, só dois anos depois conseguiu apresentar a tese de licenciatura: Algumas Considerações sobre a Influência dos Descobrimentos na Sociedade Portuguesa. Pelas mesmas obrigações familiares, não aceitou então o convite do professor Matos Romão para assistente livre, no seu laboratório de Psicologia Experimental. Em 1941, quando o professor renovou o convite, Maria Isabel passou a leccionar na Faculdade de Letras, como assistente de Psicologia e também como professora de Filosofia Antiga e História da Filosofia Medieval. Leccionava na Universidade quando, em Março de 1942, o marido morreu. A esse grande golpe, seguiram-se as perseguições políticas do ministro de Educação com o intuito de a fazer vergar e imposições de cedências políticas, que a obrigaram, por uma questão de dignidade, a abandonar as funções de professora na Faculdade de Letras.

Entretanto, mantinha-se como directora e professora do Colégio Fernão de Magalhães, que tinha fundado com o marido em Novembro de 1938, depois de acabado o curso na Faculdade de Letras. Passou a viver com a família no mesmo edifício do Colégio, na Rua dos Lusíadas, n.º 51. Como sua directora e professora, Maria Isabel demonstrou qualidades pedagógicas excepcionais, pelo que o prestígio do colégio atraiu filhos da alta burguesia de Lisboa, que ali estudavam ao lado de crianças de famílias pobres daquele bairro de Alcântara. Entre as teorias pedagógicas que desenvolveu e levou à prática no colégio, e que constam de vários textos seus sobre o assunto, destaca-se uma, que na época era pioneira: a importância que deve ser dada ao ensino primário e a necessidade de professores especialmente preparados para este grau de ensino, fundamental para a formação da criança. Note-se que esta teoria era frontalmente contrária à política salazarista, que relegava para este grau de ensino, em geral, pessoas com pouca ou nenhuma formação pedagógica: os chamados regentes escolares, aos quais bastava ter a quarta classe.

O elevado nível do ensino praticado no Colégio Fernão de Magalhães e o facto de ser laico e progressista tornaram-no alvo das perseguições da ditadura, e o primeiro ataque foi a fundação de um colégio religioso, o Ave Maria, no prédio ao lado. A seguir, em 1948, Maria Isabel foi proibida de dirigir o colégio, e a direcção passou para outro professor. Mas pouco depois, em 11 de Fevereiro de 1949, o colégio foi definitivamente encerrado, como retaliação pelo destacado papel que ela vinha assumindo na oposição, pois foi a primeira mulher que pertenceu à comissão central do Movimento de Unidade Democrática (MUD) entre 1946 e 1948, e posteriormente ao Movimento Nacional Democrático (MND); e ainda pela sua activa participação na candidatura do General Norton de Matos, em 1949.

Assim, esta mulher, que tinha sofrido um terrível abalo pela morte do marido e ficara com cinco filhos a seu cargo, viu fecharem-se-lhe as portas da Faculdade de Letras e, a partir de 1949, depois do encerramento do Colégio, ser-lhe retirada a autorização para exercer a profissão de professora.

Essas perseguições vinham na sequência duma crescente intimidação e repressão nos meios culturais e universitários, pois já em anos anteriores tinham sido expulsos do ensino professores como Abel Salazar, grande fisiologista internacionalmente conhecido, professor da Faculdade de Medicina do Porto; Rodrigues Lapa e Fidelino Figueiredo, professores da Faculdade de Letras de Lisboa; Aurélio Quintanilha, da Faculdade de Ciências de Coimbra; Mário de Azevedo Gomes, professor do Instituto Superior de Agronomia; e Bento de Jesus Caraça, professor de Matemática do Instituto Superior de Económicas e Financeiras, todos altamente prestigiados.

A partir de 1947 as perseguições explodiram com maior violência, e a esses prestigiados professores vieram juntar-se mais 22, provenientes das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, que foram afastados compulsivamente das suas cátedras, por decisão do Conselho de Ministros. Professores da Faculdade de Medicina de Lisboa, como Pulido Valente, Fernando Fonseca, Celestino da Costa e muitos outros, passaram a exercer medicina nos seus consultórios. Mas outros professores emigraram, como Manuel Valadares, o maior físico atómico português, que se foi juntar em Paris à equipa de Madame Curie, e Ruy Luís Gomes, matemático internacionalmente conhecido. José Morgado, Zaluar Nunes e muitos outros emigraram para o Brasil, onde foram entusiasticamente acolhidos por universidades brasileiras, tal como muitos dos seus colegas anteriormente afastados do ensino universitário.

Amigos e admiradores de Maria Isabel, estes seus colegas universitários criaram-lhe condições para que fosse leccionar numa universidade brasileira, o que ela aceitou, pois não lhe restava outra opção para sustentar a sua numerosa família (cinco filhos a seu cargo), já que não tinha outros recursos, para além do ensino. Assim, vendeu os seus livros e móveis, preparando-se para emigrar. Mas o governo de Salazar negou-lhe o passaporte e, quando um professor universitário, ligado ao regime mas seu admirador, procurou o ditador para lhe pedir que permitisse a saída de Portugal dessa professora, a exemplo de outros colegas que já tinham emigrado, este respondeu-lhe:

«Ela é mulher, que vá coser meias!»

Mulher duma tenacidade inabalável, Maria Isabel arrendou um apartamento onde criou um ateliê de costura e ali trabalhou para conseguir sobreviver. O seu prestígio como professora angariou-lhe numerosos alunos aos quais dava explicações, alguns dos quais filhos de altas figuras do regime (!), cujos pais mandavam os seus motoristas transportá-la. As suas filhas recordam como ela aceitava esta situação, com altivez e dignidade.

Coragem, altivez e dignidade

Estas foram qualidades que sempre a caracterizaram, em todas as circunstâncias, particularmente quando enfrentava as perseguições da polícia política, a PIDE, nas várias vezes em que foi presa em Caxias e uma vez nas «Mónicas», cárcere de presas comuns, onde foi metida como humilhação e de onde saiu dizendo que ali tinha feito interessantes estudos psicológicos e algumas amigas.

Conversando com algumas raparigas do MUD Juvenil, quando nos falava da possibilidade, sempre iminente, de sermos presas (ela, que não era militante do PCP), louvava o princípio que norteava os comunistas frente aos esbirros da PIDE: “Não falar na polícia, não ceder ao medo, às torturas, às suas chantagens. Não trair os camaradas”. Esta foi sempre a sua posição quando presa. Mas dizia-nos mais, segundo a sua própria experiência:

“Eu, na minha vida prisional, fazia sempre o seguinte: tomava duche, mesmo quando o duche era frio, arranjava-me, vestia-me, maquilhava-me um pouco, como de costume, com o mesmo cuidado como se fosse tomar chá à Baixa. Assim, quando eles me chamavam, fosse para interrogatórios, ou fosse para o que fosse, deparavam comigo preparada para os enfrentar. Era uma maneira de os fazer compreender que eu estava firme, que estava absolutamente convicta das minhas ideias, uma forma imediata, visual, de terem um impacto: - com esta, não conseguimos nada.”

Coragem, altivez e dignidade que manteve nas inúmeras vezes em que foi testemunha de defesa nos julgamentos de presos políticos, enfrentando as provocações da PIDE; e também quando apoiava corajosamente o seu filho, Carlos Aboim Inglez, preso numerosas vezes, torturado e metido no «segredo» dos vários cárceres, onde o mantiveram oito anos seguidos, somando cerca de dez anos se acrescentarmos prisões anteriores, quando mais jovem. Essa profunda ligação de mãe-filho, mãe antifascista que nunca foi comunista e filho comunista desde muito jovem, é sublinhada pelo Carlos num depoimento à publicação Esboços (CML, 1999), em que descreve uma romagem feita anualmente pelos jovens do MUD Juvenil, no dia 11 de Novembro, para depositar flores com fitas aludindo à Paz no monumento dedicado aos soldados da I Guerra Mundial; no ano anterior, na mesma cerimónia oficial, tinha sido preso. Diz ele: “Então, no ano seguinte, a minha mãe (que sempre que eu era preso entrava em contacto com a PIDE e desancava-a, escrevia, etc., em minha defesa) resolveu ir comigo. E, de facto, quando chegou a altura do toque de corneta e do ir pôr as flores, a minha mãe e eu avançámos com um ramo de flores e desta vez (em 1951) não fomos presos. Por causa da minha mãe, que era uma personalidade que lhes metia respeito”. E certamente porque a PIDE temia os seus inevitáveis protestos, se ela fosse presa numa cerimónia pública.

Mulher firme e por vezes aparentando alguma secura, tratou com um carinho inexcedível a nora Maria Adelaide Dias Coelho Aboim Inglez, presa com o marido e com a filha de quatro anos, que esteve durante dois anos na secção das mulheres em Caxias. Adelaide só quis entregar a filha à sogra, pois confiava na sua firmeza, e esta retirou a neta de Caxias e levou-a para sua casa, fazendo frente às dificuldades levantadas pelos carcereiros. Outro exemplo destas qualidades, que caracterizavam Maria Isabel Aboim Inglez, foi o que aconteceu numa sessão comemorativa do segundo aniversário da morte de Bento de Jesus Caraça, a que ela presidiu, a convite de Francisco Pulido Valente. O governador civil de Lisboa só autorizou esta homenagem mediante a garantia de que não fossem mencionadas questões da política governamental no decurso da sessão, e Maria Isabel aceitou as restrições impostas, tendo exaltado na sua intervenção as extraordinárias qualidades e competências do homenageado. Entretanto, já no final da sessão, não se conteve e, como registou no seu relatório o representante do governador civil, ali presente, disse:

“‘Senhor representante do Governador Civil. Como V. tem visto, tem-se cumprido aquilo que havia sido determinado sobre algumas passagens que haviam sido recomendadas para não serem aqui pronunciadas. Era meu pensamento sincero obedecer, não aludindo às razões a que acedi em presidir a esta sessão. Mas, como presidente que sou desta assembleia, tenho deveres de honra a cumprir. Um desses deveres é ler todas as moções que aqui me são entregues. Diga ao senhor Governador Civil que tinha todo o desejo de cumprir a promessa feita, mas, acima de tudo, tenho o dever de invocar a personalidade de quem foi íntegro. E porque não o farei? Digamos: por medo ou por cobardia? - Quero manter a minha honra e dignidade, não me aviltando por cobardia!’

Pronunciadas que foram as palavras acima transcritas, a referida senhora, rapidamente e sem que me fosse possível tomar qualquer decisão, procedeu à leitura da moção, cujo teor é o seguinte. - ‘Considerando que se encontram presos, desde 19 do corrente o senhor professor Ruy Luís Gomes e (outro indivíduo cujo nome não me foi possível perceber), a assembleia, hoje aqui reunida, resolveu reclamar do senhor presidente do Conselho de Ministros a imediata libertação daqueles democratas.’”

Esta memorável sessão de 25 de Junho de 1950 terminou com toda a assistência em pé, aprovando a moção e aplaudindo o homenageado Bento de Jesus Caraça e a coragem, dignidade e firmeza de Maria Isabel Aboim Inglez.

Na defesa da democracia: os direitos das mulheres

Entre as que lutaram em defesa dos direitos das mulheres destaca-se, sem dúvida, Maria Lamas, contemporânea de Maria Isabel Aboim Inglez. É interessante sublinhar a admiração que Maria Lamas sentia por ela. Numa carta com data de 26 de Julho de 1950, dirigida a Maria Isabel, que uma das suas filhas guarda, Maria Lamas refere-se a essa homenagem a Bento Caraça nos seguintes termos:

“Querida Maria Isabel

Foi tão intensa a impressão que me causou, ontem, a sua atitude nobilíssima, que sinto a necessidade de lhe repetir os protestos da minha admiração e do meu agradecimento. A Maria Isabel ergueu tão alto o seu prestígio e foi, de tal maneira, desassombrada, forte e digna, que o seu exemplo constituiu uma lição espantosa e ficará na história da luta pela democracia. Ficará, também, como um título de orgulho para todas nós, mulheres!

Considero histórica a sessão de ontem. A sua extraordinária coragem moral foi a melhor e maior homenagem que era possível prestar à memória do Prof. Bento Caraça.

Não me surpreendeu a sua decisão e nobre altivez, pois há muito admiro a sua personalidade, a sua inteligência e firmeza. Mas o que se passou ontem, na modesta sala da Sociedade Instrução e Beneficência José Estêvão, foi qualquer coisa excepcional e inesquecível. Aperto-a ao meu coração e agradeço-lhe, como portuguesa, como democrata e como Mulher, o exemplo que nos deu e o triunfo moral que ele representa, sobre os processos de repressão empregados pelo governo que nos oprime.

Sua amiga e admiradora Maria Lamas

Quer Maria Isabel Aboim Inglez, quer Maria Lamas, que integraram as direcções do Movimento de Unidade Democrática (MUD), criado em 1945, e do Movimento Nacional Democrático (MND), criado posteriormente, assim como Virgínia Moura e muitas outras mulheres que militaram nas secções femininas destes movimentos, participaram activamente nas várias campanhas eleitorais em que os opositores ao regime conseguiram fazer ouvir as suas vozes, expressando as reivindicações das mulheres.

O exemplo mais evidente de que estas reivindicações foram sempre levantadas pelos movimentos da oposição é a importante colectânea publicada pelos Serviços Centrais da Candidatura do General Norton de Matos, intitulada Às Mulheres de Portugal (Lisboa 1949), que inclui discursos pronunciados durante a campanha da candidatura por Maria Isabel Aboim Inglez, Maria Lamas, Ema Quintas Alves (mensagem), Dr. Rodrigues Lapa, Manuela Porto, Irene Bártolo Russel, Lídia França Pereira, Maria Helena Novais (palestra), Maria Palmira Tito de Morais e Cesina Bermudes.

A luta pelos direitos políticos

Até à sua morte, em 1963, Maria Isabel manteve sempre uma consciente actividade política, contra todas as perseguições de que foi vítima. Mas o último grande golpe do fascismo foi a retirada dos seus direitos políticos. Quando da campanha eleitoral para as legislativas em finais de 1961, foi convidada a fazer parte das listas da Comissão Democrática Eleitoral por Lisboa, mas, ao tratar dos documentos para a candidatura, verificou que tinha sido retirada dos cadernos eleitorais. A esse grande choque reagiu com a sua habitual frontalidade, protestando e exigindo os seus direitos. O que nos resta desses protestos é um artigo de uma extraordinária lucidez e profundidade, publicado no jornal República, de 31 de Outubro de 1961, ocupando uma página inteira, intitulado “A Ética e a Política”:

“[...] Se me tivesse sido possível fazer uso dos meus direitos políticos que a lei me concede e os serviços de recenseamento me não asseguraram, e tivesse podido candidatar-me a deputada, como me pediram, quis e tentei por consciência de dever; e se os meus concidadãos do círculo de Lisboa houvessem de eleger-me para a Assembleia Nacional, seria a consciência do valor desta relação ético-política que viria a orientar a minha acção no órgão legislativo nacional.”

Segue-se uma longa lista de reivindicações em defesa das liberdades democráticas e da paz. No final afirma:

“A concluir as minhas reflexões já longas para o espaço de um jornal, mas muito breves para a relevância do tema, direi apenas ainda que em meu juízo político a Democracia é um ideal de que temos de aproximar-nos cada vez mais pelas realizações da vontade firme dos povos. O impulso desse esforço construtivo da história tem no lema da moral kantiana a expressão da intenção que deverá animá-lo para mais rapidamente se atingir o ideal: ‘Trata a humanidade em ti e nos outros homens como um fim e não apenas como um meio’. Isto quer dizer que o homem rebaixando e amesquinhando os outros homens se avilta a si próprio. Tão elevado conceito encontrou mais tarde expressão na linguagem filosófica de Marx na condenação da exploração do homem pelo homem, em tão justa concordância com o humanismo cristão.”
 
FONTES
Declarações e documentos fornecidos pelas filhas e neta: Maria Luísa H.S. d’Aboim Inglez Cid, Margarida H.S. d’Aboim Inglez Freitas Sampaio e Margarida Coelho d’Aboim Inglez;
Fundação para a Ciência e a Tecnologia;
Jornal República, de 31 de Outubro de 1961;
Jornal O Diário, de 6 de Março de 1984;
Jornal Público, de 26 e 27 de Dezembro 2004.»

[Margarida Tengarrinha
Faces de Eva, N.º 43, Junho de 2020]

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

[2425.] CÂNDIDO CAPILÉ [I] || ASSASSINADO EM 11/11/1961

 * CANDIDO CAPILÉ *

[1933 - 1961]

[Fotografia retirada da Fotobiografia de Álvaro Cunhal || Edições Avante! || 2013]

Operário corticeiro, Cândido Martins dos Santos Capilé foi assassinado em Almada há 59 anos, em 11 de Novembro de 1961, durante uma manifestação onde se reclamava “Liberdade, Paz e Amnistia para os presos políticos”.

Destacou-se no MUD Juvenil e era militante, na clandestinidade, do Partido Comunista.


[Diário de Lisboa || 14/11/1961]