[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

[2066.] AUGUSTO DA COSTA DIAS [I] || CENTENÁRIO DO NASCIMENTO - BNP

* AUGUSTO DA COSTA DIAS *

[1919 - 1976]

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO || 1919 - 2019

EXPOSIÇÃO || BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL

18/02/2019 - 11/05/2019


«Augusto da Costa Dias (1919-1976)
Centenário do nascimento
MOSTRA | 18 fev. - 11 maio ´19 | Sala de Referência | Entrada livre

Augusto Costa Dias, fotografia de A. desconhecido, [Fontanelas, casa de Vergílio Ferreira, 196- ?] Augusto Palhinha da Costa Dias nasceu a 12 de fevereiro de 1919, na aldeia de Trouxemil (Arganil, Coimbra) e veio a falecer em 9 de março de 1976, depois de doença muito prolongada. Adolescente, veio com a família para a região de Lisboa depois dos estudos secundários, esteve internado algum tempo no sanatório da Parede e conciliou depois o percurso escolar com o profissional enquanto trabalhador-estudante.

Historiador e sociólogo da cultura, depois de licenciar-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras de Lisboa em 1954, sendo proibido de dar aulas. Com Alberto Ferreira e José Marinho, fundou uma «Sala de Estudos André de Resende», porém aberta em nome das respetivas mulheres e sem menção dos apelidos de casadas. Com António José de Saraiva, abriu uma editora e distribuidora «Guilda do Livro e do Disco», a coberto da qual circulavam obras proibidas em Portugal.

Animador cultural, criou com Mário Castrim e os desenhadores Tóssan e Figueiredo Sobral, no jornal Diário de Lisboa, o suplemento DL Juvenil, entre 1958 e 1961, depois o República Juvenil com sua mulher Maria Helena Costa Dias, no jornal República. Aí criou um espaço de tertúlia intelectual com jovens escritores que, nas décadas seguintes, vieram a afirmar-se nas letras portuguesas e no jornalismo.


Capa de A Crise da Consciência Pequeno-Burguesa, Lisboa: Portugália, 1962 [capa: João da Câmara Leme]. BNP C.G. 9056 A.Opositor ao regime de Salazar e Marcelo Caetano, veio a ser diretor literário da Portugália Editora a partir de 1959, após a saída de Jorge de Sena para o Brasil e depois para os Estados Unidos. Costa Dias fundou aí a Coleção Portugália, vocacionada para os estudos históricos e na qual publicaram Alberto Ferreira, Armando Castro, Alexandre Cabral, Borges Coelho, Joel Serrão, José Tengarrinha, Oliveira Marques e Victor de Sá. Mas igualmente criou a Coleção Poetas de Hoje, com obras de autores tão díspares como Carlos de Oliveira ou José Régio, José Gomes Ferreira ou Saúl Dias, Alberto de Lacerda ou José Fernandes Fafe, Egito Gonçalves ou Edmundo de Bettencourt, Manuel da Fonseca ou António Ramos Rosa, Mário Dionísio, Eugénio de Andrade, Vergílio Ferreira… Anos de ouro da Portugália Editora que contribuíram para a reafirmação de escritores submersos pela intolerância da ditadura, não obstante a diversidade ideológica dos autores, e ainda para a revelação de novos valores literários como Almeida Faria, Rebordão Navarro, Fiama Pais Brandão, Herberto Helder, Gastão Cruz, Luísa Neto Jorge, entre tantos outros.


Capa de II Congresso Republicano de Aveiro : Teses e documentos, vol. I, Lisboa: Seara Nova 1969. Augusto da Costa Dias, José Tengarrinha, A situação do Escritor em Portugal, p. 121-134. BNP S.C. 147477 V.O seu primeiro ensaio foi começado a escrever na prisão (Aljube), estudo sobre a Crise da consciência pequeno-burguesa em Portugal – o nacionalismo literário da geração de 90, publicado em 1962 (2ª ed., 1964), numa perspetiva de história das ideias teoricamente fundada no marxismo, muito em particular numa sociologia pós-gramsciana. Para além de Gramsci, Costa Dias era leitor assíduo de Lukács ou Henri Lefèbvre que, como teóricos, se afastaram de um marxismo ortodoxo. Sobrevindo-lhe a doença, não concretizou o longo projeto de estudo regressivo das correntes literárias oitocentistas, entre o romantismo de Garrett e o Neogarrettismo do fim de século. Dedicou-se em particular ao estudo de Garrett, cuja obras iniciou, mas sem concluir, uma vez proibida a edição da Obra Política de Almeida Garrett depois de apresentada ao público a estrutura de publicação, com estudos introdutórios. Como crítico, estudioso ou polemista publicou ainda, quando não censurados, inúmeros artigos nas revistas Vértice e Seara Nova ao longo dos anos de 1960, na última das quais até aos primeiros anos 70.

Por volta de 1969, tornou-se diretor de publicidade na empresa Latina-Thompson, através da qual veio a criar com Francisco Pinto Balsemão a secção portuguesa da International Advertising Association. Já doente no 25 de abril de 1974, não veio a lecionar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, para a qual foi aprovado. Publicou o seu último estudo, Literatura e Luta de Classes: Soeiro Pereira Gomes, em 1975. Acabou por falecer com 57 anos, e dele afirmou o poeta José Gomes Ferreira: «Um dia, quando se apagarem certas paixões compreensíveis, se medirá numa balança de cristal o que a cultura portuguesa ficou a dever a este homem».» 

[BNP]

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

[2065.] FERNANDO PEREIRA MARQUES [I] || LIVROS NO ALJUBE

* FERNANDO PEREIRA MARQUES *

«Saúde e Fraternidade» A República Possível (1910-1926)

[Gradiva || 2018]

LIVROS NO ALJUBE

Museu do Aljube || 26 de Fevereiro de 2019 || 18h30

Contrariando a propaganda salazarista e certos discursos historicistas actuais, este livro explica o fracasso da I República portuguesa no contexto europeu em que o Portugal de 1910 a 1926 se inseria.

Apresentação de António Ventura.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

[2064.] EDMUNDO GONÇALVES [I] || PRESO POR SEIS VEZES E DEPORTADO PARA O TARRAFAL, ONDE FALECEU

* EDMUNDO GONÇALVES *
[19/02/1900 - 13/06/1944]

PRESO SEIS VEZES ENTRE 1929 E 1936 || DEPORTADO PARA CABO VERDE (1930 - 1932) || ENVIADO PARA O TARRAFAL ONDE FALECEU (1937 - 1944)

[Edmundo Gonçalves || 1935 ou 1936 || ANTT || PT-TT-PIDE-E-010-7-1214_m0033]

Ex-2.º Sargento, Edmundo Gonçalves foi um resistente que não abdicou de combater a Ditadura Militar e a Ditadura do Estado Novo a partir de, pelo menos, 1929. Apesar de deportado uma primeira vez para Cabo Verde, não desistiu de lutar contra o regime saído do 28 de Maio de 1926 e, em 1937, foi enviado para o Tarrafal, de onde não voltaria.

Filho de Francisca Júlia e de Henrique Gonçalves, Edmundo Gonçalves nasceu em 19 de Fevereiro de 1900, em Lisboa.

Preso pela primeira vez em 13 de Abril de 1929, «por estar comprometido na organização revolucionária de Infantaria 17» [ANTT, Cadastro Político 320; Processo 4322].

Ainda no mesmo ano, em 20 de Dezembro, voltou a ser detido «por ter ligações com elementos revolucionários, entre eles o Tenente Cardoso», sendo libertado em 3 de Março de 1930 [Processo 4472].

Em 30 de Abril desse ano tornou a ser preso, «por suspeita de possuir uma pistola e resistência ao agente captor», e libertado em 10 de Junho «por nada se ter provado» [Processo 4567-A].

Vigiado pelas autoridades policiais, o "Informador Bom" indicou, em 23 de Junho de 1930, que Edmundo Gonçalves «costuma parar na "Brasileira" na companhia de Zacarias José Cordeiro, do sargento Pinho [de Infantaria 17] e do Cabral». 

Em 17 de Julho de 1930, foi preso pela quarta vez «por ser considerado indesejável, sendo entregue ao Ministério da Guerra e proposto ao mesmo Ministério para que lhe seja fixada residência fora do Continente»: «Não foi organizado processo».

Foi-lhe fixada residência obrigatória em Cabo Verde, por motivos políticos, Edmundo Gonçalves foi abrangido pela amnistia de 5 de Dezembro de 1932, tendo-se apresentado na Polícia em 18 de Janeiro e continuado a viver na Travessa das Laranjeiras, 9. 

[Edmundo Gonçalves || 1935 ou 1936 || ANTT || PT-TT-PIDE-E-010-7-1214_m0033]

Dois anos e meio depois, em 9 de Junho de 1935, «foi preso por ser acusado de ter aliciado sargentos e assistido a reuniões políticas para o bom êxito do movimento revolucionário que estava para eclodir», sendo-lhe aprendido versos que cantaria [Processo 1495]. 

Encerrado no Aljube em 25 de Junho e libertado, por falta de provas, em 15 de Julho, Edmundo Gonçalves foi preso pela sexta vez em 6 de Dezembro de 1936.

[Edmundo Gonçalves || 1935 ou 1936 || ANTT || PT-TT-PIDE-E-010-7-1214_m0033]

Transferido para a 1.ª Esquadra em 2 de Janeiro de 1937, seguiu para Caxias em 22 de Março e, em 17 de Abril, entrou no Aljube.

Julgado pelo Tribunal Militar Espacial em 23 de Abril, foi condenado a quatro anos de desterro [Processo 284/937] e enviado para o Tarrafal, integrando a 2.ª leva de presos políticos. 

Apesar de ter sido condenado a quatro anos, aí permaneceu sete anos e um dia, falecendo em 13 de Junho de 1944, com 44 anos de idade.

Fontes:
ANTT, Cadastro Político 320 [Edmundo Gonçalves / PT-TT-PIDE-E-001-CX08_m0703, m0703a].
ANTT, Registo Geral de Presos 1214 [Edmundo Gonçalves / PT-TT-PIDE-E-010-7-1214_m0033].

[João Esteves]

domingo, 17 de fevereiro de 2019

[2061.] BOAVENTURA GONÇALVES [I] || DEPORTADO PARA TIMOR (1931) E PARA O TARRAFAL (1936)

* BOAVENTURA GONÇALVES *
[1907 - ?]

DEPORTADO PARA TIMOR (1931 - 1932) E PARA O TARRAFAL (1936 - 1944)

[Boaventura Gonçalves || 1936 || RGP/3406 || PT-TT-PIDE-E-010-18-3406_m0025]

Filho de Maria Teresa e de Joaquim Gonçalves, Boaventura Gonçalves nasceu em 5 de Janeiro de 1907, em Silves.

Operário da construção civil, com residência na Avenida 5 de Outubro - Quinta  do Ferro, participou na Revolta de 26 de Agosto de 1931 e foi preso nesse mesmo dia por uma força da PSP «numas terras próximas de Entrecampos, onde se encontrava escondido juntamente com outros civis armados que fizeram fogo sobre a mesma força» [ANTT, Cadastro Político 3308].

Levado para a Cadeia Nacional / Penitenciária de Lisboa e deportado para Timor na semana seguinte, Boaventura Gonçalves integrou a leva de 358 presos políticos (271 civis e 87 militares) que, em 2 de Setembro, embarcou no navio Pedro Gomes [Processo 324].

[Boaventura Gonçalves || 1936 || RGP/3406 || PT-TT-PIDE-E-010-18-3406_m0025]

Naquele transporte seguiam os principais chefes militares da revolta de 26 de Agosto, tendo o barco navegado pelo Mar Mediterrâneo, atravessado o Canal do Suez e chegado a Dili em 16 de Outubro, sem fazer qualquer escala nas colónias portuguesas. 

Abrangido pela amnistia de 5 de Dezembro de 1932, regressou no paquete Moçambique que atracou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos em 9 de Junho de 1933.

Apresentou-se na Polícia Política em 12 de Junho de 1933, onde declarou ir residir para a Rua do Barão - 14.

[Boaventura Gonçalves || 1936 || RGP/3406 || PT-TT-PIDE-E-010-18-3406_m0025]

Três anos após o regresso da primeira deportação, Boaventura Gonçalves estava como empregado no comércio em Lisboa e residiria na Rua Carvalho Araújo, nº 28 - 4.º. 

Em 12 de Julho de 1936 foi preso pela Secção Política e Social da Polícia de Vigilância e Defesa Social, sendo então responsável por uma tipografia do Partido Comunista. Encaminhado para uma esquadra, foi transferido, em 17 de Agosto, para a 1.ª Esquadra e, em 27 do mesmo mês, passou para o Aljube.

[Boaventura Gonçalves || 1936 || RGP/3406 || PT-TT-PIDE-E-010-18-3406_m0025]

Em 17 de Outubro de 1936 seguiu para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, incorporando o grupo de presos políticos que o inaugurou em 29 do mesmo mês. Aí, integrou a Organização Comunista Prisional do Tarrafal (OCPT) e, na sequência de divergências no seu seio, formou, com Álvaro Duque da Fonseca, Fernando Macedo, Fernando Quirino, Jaime Tiago, José de Sousa, Leonilde Felizardo e Virgílio de Sousa, o Grupo dos Comunistas Afastados, todos expulsos do Partido Comunista em 1943 [José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal - Uma Biografia Política, Vol. I, 1999]. 

Cândido de Oliveira, no livro póstumo Tarrafal - O Pântano da Morte [Editorial República, 1974], refere que Boaventura Gonçalves foi um dos muitos tarrafalistas afectados pela biliosa, registada em 16 de Janeiro de 1938.

Regressou do Tarrafal em 1 de Outubro de 1944, seguiu para Caxias e só em 1 de Novembro desse ano é que foi a julgamento, tendo sido condenado pelo Tribunal Militar Especial a 24 meses de prisão correccional. Tinha estado preso preventivamente 8 anos e 112 dias!

Libertado em 8 de Novembro de 1944, desconhece-se seu o percurso posterior. 

Fontes:
ANTT, Cadastro Político 3308 [Boaventura Gonçalves / PT-TT-PIDE-E-001-CX07_m0884].
ANTT, Registo Geral de Presos 3406 [Boaventura Gonçalves / PT-TT-PIDE-E-010-18-3406_m0025].

[João Esteves]

sábado, 16 de fevereiro de 2019

[2060.] BENJAMIM FERREIRA [I] || DEPORTADO PARA TIMOR (1931)

* BENJAMIM FERREIRA *
[1892 - ?]

PARTICIPAÇÃO NA REVOLTA DE 26 DE AGOSTO DE 1931 || DEPORTADO PARA TIMOR (1931) 

[Benjamim Ferreira || ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-3-NT-8903_m0032 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Filho de Maria da Piedade Ferreira, Benjamim Ferreira terá nascido em 1892, em Oeiras.

Fiscal dos impostos, com residência na Rua das Amoreiras 143, Lisboa, foi preso em 26 de Agosto de 1931 «por ter tomado parte no movimento revolucionário deste dia e ter emprestado o seu fato a um sargento do Batalhão de Metralhadoras 1 tendo, em substituição do seu, vestido o do referido sargento». Além disso, recebeu deste «uma espingarda de guerra» [ANTT, Cadastro Político 3201].

Deportado para Timor na semana seguinte, Benjamim Ferreira integrou a leva de 358 presos políticos (271 civis e 87 militares) que, em 2 de Setembro, embarcou no navio Pedro Gomes.

[Benjamim Ferreira || ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-3-NT-8903_m0032 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Naquele transporte seguiam os principais chefes militares da revolta de 26 de Agosto, tendo o barco navegado pelo Mar Mediterrâneo, atravessado o Canal do Suez e chegado a Dili em 16 de Outubro, sem fazer qualquer escala nas colónias portuguesas. 

Abrangido pela amnistia de 5 de Dezembro de 1932, regressou no paquete Moçambique que atracou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos em 9 de Junho de 1933.

O PAQUETE MOÇAMBIQUE, COM OS DEPORTADOS DE TIMOR A BORDO, ATRACANDO AO CAIS DA ROCHA DO CONDE DE ÓBIDOS || TORRE DO TOMBO

[09/06/1933 || ANTT || PT-TT-EPJS-SF-001-001-0026-0669H]

Apresentou-se na Polícia Política em 12 de Junho de 1933 e continuou a residir na Rua das Amoreiras 143, Vila Fortes 5 - 1.º Esquerdo.

Benjamim Ferreira foi novamente preso em 16 de Janeiro de 1934, «por suspeita de ser portador de manifestos clandestinos de matéria comunista». 

Segundo terá dito, os manifestos tinham-lhe sido entregues por António Simões, quando estava acompanhado de António da Silva Neves, tendo-os deitado fora [Processo 999; Cadastro Político 3201].

Foi libertado em 12 de Fevereiro de 1934.

Atenção ao uso indevido das imagens sem a devida autorização do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Fonte:
ANTT, Cadastro Político 3201 [Benjamim Pereira / PT-TT-PIDE-E-001-CX07_m0805, m0805a].
ANTT, Livro de Cadastrados - 3 / Fotografia 2048 [Benjamim Ferreira / ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-3-NT-8903_m0032].

[João Esteves]

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

[2057.] AMÉRICO GONÇALVES DE SOUSA [II] || 16 ANOS NAS PRISÕES SALAZARISTAS E 19 DE CLANDESTINIDADE

* AMÉRICO GONÇALVES DE SOUSA *
[1918 - 1993]

Dirigente do Partido Comunista, totalizou cerca de 16 anos nas prisões salazaristas e 19 de intensa e continuada luta clandestina, tendo sido deportado para o Tarrafal com 18 anos.

[Américo Gonçalves de Sousa || 1935 || ANTT || RGP/1697 || PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209d]

Militante e dirigente do Partido Comunista, tendo integrado o seu Comité Central, Américo Gonçalves de Sousa, “O Russo”, iniciou muito novo a actividade política, esteve várias vezes preso e conheceu as principais prisões [Aljube, Peniche, Caxias, Tarrafal], sendo enviado, com apenas 18 anos, para o Campo de Concentração do Tarrafal.

Fundidor de profissão, era filho de Maria Gonçalves e de Joaquim Mário de Sousa, nasceu em Lisboa, na freguesia de Santo Estêvão, em 18 de Julho ou 3 de Agosto de 1918, constando esta dúvida na Biografia Prisional da autoria da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) / Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE).

A sua militância política iniciou-se na Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas (FJCP), quando trabalhava no Arsenal da Marinha, e prolongou-se por décadas, tendo sofrido a violência da ditadura mal completara os dezassete anos. 

Preso pela primeira vez em 7 de Setembro de 1935, por actividades comunistas, Américo de Sousa percorreu, em escassos meses, o Aljube, Peniche e de novo o Aljube, de onde partiu para o Tarrafal: detido inicialmente numa esquadra, foi transferido para a Cadeia do Aljube em 30 de Dezembro e, em 28 de Abril de 1936, para a Fortaleza de Peniche, regressando ao Aljube em 6 de Maio, data em que foi julgado e condenado pelo Tribunal Militar Especial a 18 meses de prisão correccional. 

[Américo Gonçalves de Sousa || 1935 || ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-4-NT-8904_m0042 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Apesar de “só” faltarem cumprir 301 dias, foi enviado em 17 de Outubro para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, integrando o grupo de presos que o inaugurou em 29 do mesmo mês.

Cumprida a pena a que fora condenado, continuou em prisão preventiva no Tarrafal, de onde só regressou em 15 de Julho de 1940, sendo então «restituído à liberdade por ter sido amnistiado» [RGP/1697].

Voltou à luta política e escassos meses, ainda em 1940, integrou, com Joaquim Pires Jorge [28/11/1907 - 06/06/1984], José Gregório [19/03/1908 - 1961], Júlio de Melo Fogaça [10/08/1907 - Janeiro de 1980], Manuel Guedes [14/12/1909 - 08/03/1983], Militão Bessa Ribeiro [13/08/1896 - 02/01/1950] e Sérgio Vilarigues [23/12/1914 - 08/02/2007], o primeiro grupo que procurava a reorganização do Partido Comunista [JPP, Álvaro Cunhal – Uma biografia política, vol. 2, 1941-1949]. No ano seguinte, era funcionário, tal como todos aqueles, usando o pseudónimo de “Abel”.

Em Julho de 1946, Américo de Sousa participou no II Congresso Ilegal do Partido Comunista realizado numa casa da Lousã com a ajuda do casal António Correia e Natividade Correia [esta também desenvolvera atividade importante no seio das secções de Coimbra/Figueira da Foz da AFPP e CNMP] e teve importantes funções no Comité Local de Lisboa (anos 40/50). 

Américo Gonçalves de Sousa chegou a controlar o historiador Jorge Borges de Macedo [03/03/1921 - 18/03/1996], cuja esposa, Branca Braga de Macedo, militou na década de 40 na Associação Feminina Portuguesa para a Paz, desempenhando cargos nas direcções de 1947 e 1948. 

[Américo Gonçalves de Sousa || 12/10/1955 || ANTT || RGP/1697 || PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209c]

Quinze anos depois de se libertado do Tarrafal, em 29 de Setembro de 1955, quando era dirigente do Comité Local de Lisboa e destacado membro do Comité Central, foi preso em Lisboa e levado para o Aljube. Em 22 de Novembro passou para o Forte de Caxias, onde foi sujeito a continuados castigos.

[Américo Gonçalves de Sousa || 12/10/1955 || ANTT || RGP/1697 || PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209c]

Em 3 de Fevereiro de 1957 regressou ao Aljube, cadeia de onde se evadiu na madrugada de 26 de Maio do mesmo ano com Carlos Brito e Rolando Verdial [a mãe deste, Emília Dionísia Ferreira dos Santos Silva Verdial, morreu em 7 de Outubro de 1960, no regresso de uma visita ao filho, então preso em Caxias. Segundo o jornal Avante!, de Novembro, o seu desaparecimento foi acelerado pela forma desumana e humilhante como a PIDE a tratou, não atendendo sequer à idade avançada da progenitora: começou por impedir a visita do dia 6 pelo facto de Emília e Mem Verdial, vindos do Porto, terem chegado minutos depois da hora regulamentar; no dia seguinte concederam-na, mas não foi permitida aos pais que se aproximassem do preso, o beijassem e abraçassem; e o desenlace fatal deu-se no regresso a casa, chegando já sem vida à sua residência] através da janela de uma enfermaria desactivada situada no último andar e para onde tinham sido enviados os presos mais perigosos: cortaram parte das grades e, após passarem por vários prédios, apanharam um táxi no Largo da Graça.

E porque não é possível haver resistência(s) sem mulheres, aquela fuga contou, entre outros, com o apoio da militante comunista Deolinda Franco.

Mais uma vez, Américo de Sousa regressou ao trabalho clandestino do Partido Comunista, continuando a integrar o Comité Central eleito no V Congresso realizado entre 8 e 15 de Dezembro de 1957. Então, entre as pessoas que controlaria estava o advogado Manuel João da Palma Carlos [24/06/1915 - 01/11/2001], ambos com papel de relevo na preparação das eleições presidenciais de 1958 [JPP, Álvaro Cunhal, vol. 3]. No âmbito do trabalho partidário no terreno, e segundo José Pacheco Pereira, Américo de Sousa defendeu a partir de certa altura a desistência de Arlindo Vicente enquanto candidato presidencial e o apoio a Humberto Delgado.

No ano seguinte, em Abril, integrou com Alexandre Castanheira [n. 1928] e Octávio Pato [01/04/1925 - 19/02/1999] a delegação do Partido Comunista que se reuniu em Itália com o Partido Comunista Italiano.
  
[Américo Gonçalves de Sousa || 18/12/1961 || ANTT || RGP/1697 || PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209a]

Américo de Sousa voltou a ser preso a 15 de Dezembro de 1961, juntamente com Carlos Costa, quase cinco anos depois de andar fugido e ter regressado à clandestinidade, constando da sua ficha prisional a indicação que tinha na cara marcas de varíola para, assim, ser mais facilmente identificado.

[Américo Gonçalves de Sousa || 18/12/1961 || ANTT || RGP/1697 || PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209a]

Nesta sua terceira prisão, voltou a fazer o percurso Caxias-Aljube-Peniche, prisão para onde foi transferido em 18 de Abril do ano seguinte por ter sido condenado, por cúmulo jurídico, a 4 anos.

O vaivém entre as prisões não pára, já que em 1 de Junho de 1964 entrou, mais uma vez, em Caxias de onde foi transferido, a 25 de Setembro, para Peniche. 

No ano seguinte, em 23 de Fevereiro de 1965, foi condenado na pesada pena de oito anos e meio, supressão de direitos políticos por quinze e medidas de segurança de internamento de seis meses a três anos, prorrogável, as quais iniciou em Dezembro de 1968.


  
[Américo Gonçalves de Sousa || 18/12/1961 || ANTT || RGP/1697 || PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209]

Quase toda a década de 1960 foi passada em prisões, já que Américo de Sousa só seria libertado em 20 de Outubro de 1971, depois de ter estado preso consecutivamente quase dez anos.

Em 53 anos de idade, totalizou cerca de 16 anos nas prisões salazaristas e 19 de intensa e continuada luta clandestina.

Dirigente da URAP depois do 25 de Abril de 1974, faleceu em Março de 1993. 

O nome consta do Memorial de Homenagem aos Ex-Presos Políticos, inaugurado na Fortaleza de Peniche em 9 de Setembro de 2017.

NOTA 1: Atenção ao uso indevido das imagens sem a devida autorização do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

NOTA 2: Actualização do texto publicado neste Blogue em 20 de Julho de 2014.

Obrigado a José Marcelino, também ele um resistente e ex-preso político, pela informação e documentação disponibilizadas.

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos 1697 [Américo Gonçalves de Sousa / PT-TT-PIDE-E-010-9-1697_P4_m0209].
ANTT, Livro de Cadastrados - 4 / Fotografia 2994 [Américo Gonçalves de Sousa / ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-4-NT-8904_m0042].

[João Esteves]

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

[2054.] ARTÍLIO BATISTA [I] || 36 ANOS A CAMINHO DAS PRISÕES FASCISTAS DO ESTADO NOVO (1936 - 1972)

* ARTÍLIO BATISTA *
[1918 - ?]

PRESO ENTRE 1936 - 1939 (PENICHE, ALJUBE, CAXIAS) || 1948 (ALJUBE) || 1949 (ALJUBE) || 1958 (CAXIAS) || 1960 (ALJUBE) || 1971 - 1972 (CAXIAS)

Militante comunista nos anos 30 e resistente antifascista, Artílio Batista foi, entre 1936, quando tinha somente dezassete anos, e 1972, sucessivamente preso por seis vezes e fotografado pela PVDE/PIDE/DGS, passando repetidamente pelo Aljube, Caxias e Peniche, para além de Esquadras da Polícia.

Nunca abdicou do combate à Ditadura, representou o Concelho da Moita no II Congresso Republicano (1969) e preparou uma tentativa de fuga de vários presos políticos de Caxias (1937) e concretizou outra de Peniche (1938), sendo, no entanto, capturado no mesmo dia. 

No início da década de 1970, integrou e participou em acções das Brigadas Revolucionárias, juntamente com o filho e outros familiares.

[Artílio Batista || 1936 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239d]

Filho de Maria da Graça Martins, natural de São Vicente de Fora, Lisboa, e de Nuno Batista, Artílio Batista nasceu em Setembro de 1918, em Vila Nova da Barquinha.

Serralheiro, com residência na Rua dos Corvos nº 3 - 1 - Lisboa, Artílio Batista começou por ser preso pela Secção Política e Social da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em 11 de Maio de 1936, quando ainda era menor, encaminhado para uma esquadra e, em 26 do mesmo mês, entrou na 1.ª Esquadra, onde regressaria por mais duas vezes nesse ano.

Depois da passagem por esquadras da PSP e de ter sido mantido em regime de incomunicabilidade, entrou na Fortaleza Militar de Peniche em 28 de Julho de 1936.

Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 18 de Novembro, foi condenado a 23 meses de prisão correccional e na perda de direitos políticos por cinco anos, contabilizados somente quando maior de idade [Processo 699/36].

[Artílio Batista || 1936 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239d]

No dia a seguir ao julgamento foi levado para o Aljube, reentrando em Peniche em 20 de Novembro de 1936.

O ano de 1937 seria particularmente agitado quanto a passagens pelas prisões fascistas: 1.ª Esquadra (30 de Março); Aljube (9 de Abril); Caxias (26 de Junho); e Peniche (17 de Novembro), sendo esta última transferência motivada «por ter sido organizador de uma tentativa de fuga de vários presos em Caxias» [ANTT, RGP/3113].

Regressaria a Caxias no ano seguinte, em 23 de Novembro, «ficando ali em regime de isolamento e sem visitas por ter preparado e levado a efeito a evasão de Peniche em 18/11/38, sendo recapturado no mesmo dia». 

Embora já tivesse terminado a pena a que fora condenado pelo TME, Artílio Batista foi mantido em prisão preventiva «no regime anteriormente citado, visto ser mal comportado e reincidente na preparação de fugas de outros presos».

Levado para o Aljube em 24 de Março de 1939, só seria libertado em 16 de Julho de 1939,  três anos depois de ter sido detido.

[Artílio Batista || 02/03/1948 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239c]

Ainda a residir em Lisboa, Artílio Batista seria preso pela segunda vez em 2 de Março de 1948. Enviado para o Aljube, saiu em liberdade condicional em 16 de Março do mesmo mês [Processo 1012/48].

[Artílio Batista || 02/03/1948 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239c]

No ano seguinte, envolveu-se activamente na candidatura presidencial de Norton de Matos e, em 22 de Setembro de 1949, foi novamente detido, permanecendo no Aljube até finais desse ano [Processo 1024/49].

Já se encontrava a viver na Margem Sul do Tejo, no Barreiro, quando se deu a quarta prisão, sendo entregue pela GNR à PVDE em 31 de Maio de 1958, provavelmente na sequência da campanha presidencial desse ano, envolvendo as candidaturas oposicionistas de Arlindo Vicente, de quem era apoiante, e de Humberto Delgado [Processo 644/958]. 

[Artílio Batista || 17/06/1960 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239b]

Libertado em 21 de Agosto de 1958, Artílio Batista voltou a ser detido em 17 de Maio de 1960 e encaminhado para o Aljube, donde saiu em 22 de Julho [Processo 832/960]. Esta prisão terá resultado do seu envolvimento com o capitão Almeida Santos, tendo-o visitado no presídio da Trafaria em 1959 e, de certa forma, aderido a eventuais acções militares contra o regime, integrando o núcleo de civis.

[Artílio Batista || 17/06/1960 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239b]

Em Maio de 1969, Artílio Batista integrou a representação da CDE do distrito de Setúbal ao II Congresso Republicano, juntamente com Manuel Cabanas (Barreiro), Herculano Pires (Almada) e Joaquim Carreira Tapadinhas (Montijo), apresentando-se pela Moita.

[Artílio Batista || 02/12/1971 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239a]

[Artílio Batista || 02/12/1971 || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239a]

No início da década de 1970, e por intermédio de Isabel do Carmo que o conhecia do Barreiro e sabia da  sua "apetência" pela luta armada, Artílio Batista integrou as Brigadas Revolucionárias e participou, com Carlos Antunes, na sabotagem da Base da NATO na Fonte da Telha, em 7 de Novembro de 1971 [Isabel do CarmoLuta Armada, 2017].

A sexta, e última, prisão de Artílio Batista ocorreu no período marcelista, imediatamente a seguir àquela acção, tendo sido detido pela Direcção Geral de Segurança em 2 de Dezembro de 1971.

Recolheu a Caxias e saiu em liberdade em 28 de Fevereiro de 1972.


 
[Artílio Batista || ANTT || RGP/3113 || PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239]

Nesse mesmo ano, em Julho de 1972, também esteve envolvido nos preparativos da acção em que as BR soltaram porcos vestidos de almirante, numa alusão à reeleição de Américo Tomás como Presidente da República.

Apesar da resistência à Ditadura ter sido assegurada por muitos "anónimos" como Artílio Batista, este nome raramente consta dos livros da oposição antifascista: no entanto, foi um daqueles que nunca desistiu de resistir e lutar, tendo uma das vezes sido preso juntamente com a mulher.

O nome consta do Memorial de Homenagem aos Ex-Presos Políticos, inaugurado na Fortaleza de Peniche em 9 de Setembro de 2017.

O seu filho, Artílio Vasco Batista (20/02/1942 - 05/05/2015), sempre se orgulhou do percurso do pai, sendo também um opositor ao regime: nos anos 60, envolveu-se nos movimentos estudantis, tendo sido expulso, após julgamento sumário, da Escola Industrial e Comercial Alfredo da Silva. Posteriormente, foi um dos fundadores e operacionais das Brigadas Revolucionárias. 

NOTA: Obrigado a José Marcelino, também ele um resistente e ex-preso político, pela informação e documentação disponibilizadas.

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos 3113 [Artílio Batista / PT-TT-PIDE-E-010-16-3113_P4_m0239].

[João Esteves]