[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sábado, 30 de novembro de 2019

[2199.] HENRIQUE VALE DOMINGUES FERNANDES [I] || A MORTE NO TARRAFAL AOS 28 ANOS

* HENRIQUE VALE DOMINGUES FERNANDES *
[24/08/1913 - 07/01/1942]

Grumete de manobra do Bartolomeu Dias, participou na Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936 e foi deportado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde faleceu com apenas 28 anos de idade.

[Henrique Vale Domingues Fernandes || 1936 || ANTT || RGP/4248 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4248_m0109]

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0116]

Filho de Florinda Vale Domingues Fernandes e de José Rosa Fernandes, Henrique Vale Domingues Fernandes nasceu em 24 de Agosto de 1913, em Lisboa. 

Grumete de manobra 5222, a prestar serviço a bordo do aviso de 1.ª classe Bartolomeu Dias desde apenas 31 de Agosto de 1936, esteve envolvido na Revolta dos Marinheiros que eclodiu em 8 de Setembro do mesmo ano.



[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0114, m0115, m0116]

Preso nesse mesmo dia, foi entregue pelas autoridades da Marinha à Secção Política e Social da PVDE, recolheu ao 3.º Posto da 14.ª Esquadra - "Mitra" e, em 18 de Setembro, passou para a Penitenciária de Lisboa. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0163]

Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 14 de Outubro de 1936, Henrique Vale Domingues Fernandes foi condenado a quatro anos de prisão maior celular, seguidos de oito anos de degredo ou, em alternativa, na pena de dezasseis de degredo em possessão de 2.ª classe.

Interpôs recurso, tendo o mesmo tribunal, em decisão de 21 do mesmo mês,  confirmado a sentença, quando Henrique Fernandes já ia a caminho do Tarrafal. 

Depois de mais de cinco anos de cativeiro, faleceu no Campo de Concentração em 7 de Janeiro de 1942, com apenas 28 anos de idade.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0280, m079]


[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0280, m0281]

A família não terá sido avisada do seu falecimento, tendo a irmã, Gabriela Fernandes, sabido do sucedido por ter sido devolvida uma encomenda enviada para a Colónia Penal. 

 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0280, m0270, m0271]

Com data de 26 de Abril, enviou uma carta ao director da PVDE a solicitar informação da data da morte.

[Henrique Vale Domingues Fernandes || 1936 || ANTT || RGP/4248 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4248_m0109]

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos 4248 [Henrique Vale Domingues Fernandes / PT-TT-PIDE-E-010-22-4248].

ANTT, Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. [PT-TT-PIDE-E-009-1985-1] e Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2].

[João Esteves]

terça-feira, 26 de novembro de 2019

[2198.] FERNANDO VICENTE [I] || 17 ANOS NO TARRAFAL (1936 - 1953)

* FERNANDO VICENTE *
[24/04/1914 - 22/01/1965]

Quando Fernando Vicente faleceu com apenas 50 anos de idade, tinha passado 18 anos preso, 17 deles no Tarrafal por ter sido um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936, e vivido 12 anos de luta semiclandestina enquanto militante do Partido Comunista.

[Fernando Vicente || ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509]

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0360]

Filho de Maria do Carmo e de Albino Vicente, Fernando Vicente nasceu no lugar de Paul, Torres Vedras, em 24 de Abril de 1914.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0088]

Segundo artilheiro da Armada, com o número 5480, Fernando Vicente foi um dos reorganizadores da Organização Revolucionária da Armada [ORA] no início de 1936, depois das prisões dos principais dirigentes comunistas no ano anterior, participou em reuniões preparatórias da sublevação dos marinheiros e foi considerado um dos sete praças e marinheiros que dirigiram a revolta em 8 de Setembro de 1936, com intervenção directa no contra-torpedeiro Dão, a cuja tripulação não pertencia.

Preso pelo Comando Geral da Armada, Fernando Vicente foi entregue à Secção Política e Social da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em 11 de Setembro de 1936, seguiu para uma esquadra incomunicável e, em 18 do mesmo mês, entrou na Cadeia Penitenciária de Lisboa, onde prestou declarações datadas de 23. 









[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0353-361]

Segundo aquelas, entrou para a Organização no início do ano e integrou o seu Secretariado, juntamente com Armindo de Almeida (1.º artilheiro - Bartolomeu Dias), João Faria Borda (2.º artilheiro - Bartolomeu Dias), João Henrique Casanova (dispenseiro - Gil Eanes) e Tomás Batista Marreiros (1.º fogueiro - Dão). A ligação ao Partido Comunista era feita «por intermédio dum delegado que estava permanentemente em contacto com qualquer dos membros do Secretariado» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0353].

O Secretariado era responsável pela publicação do órgão "O Marinheiro Vermelho", que teria uma tiragem de cerca de 500 exemplares, cabendo aquele dar as informações relativas a assuntos da Armada, enquanto os artigos doutrinários eram da responsabilidade do Partido Comunista. Os exemplares chegavam-lhe através de Armindo de Almeida e de João Faria Borda, dividindo-os, depois, pelos delegados José António Filipe (1.º artilheiro do aviso Pedro Nunes), Francisco Serafim Rebelo (1.º artilheiro do aviso Afonso de Albuquerque) e Manuel (cozinheiro do torpedeiro Mondego). 

No dia sete de Setembro, foi avisado por João Faria Borda que haveria uma reunião às dezanove horas, «para resolverem a questão havida na Armada, pelo facto de terem sido expulsas algumas praças do aviso "Afonso de Albuquerque"» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0355], tendo também participado naquela Armindo de AlmeidaJoão Henrique CasanovaJosé António Filipe, Tomás Batista Marreiros e o cozinheiro Manuel, proprietário da casa, situada na Rua Heróis de Quionga 6 - 3.º, para além do delegado do Partido Comunista e, talvez, um dos ex-marinheiros do Afonso de Albuquerque.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0085]

Decidiu-se, então, fazer uma revolta a bordo dos navios Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão, «os quais deviam sair a barra, e seguidamente dirigir-se a Peniche a fim de soltar os presos ex-marinheiros que se encontravam na Fortaleza dessa terra e tomar seguidamente o rumo que julgassem por mais conveniente, chegando-se até a falar vagamente na Madeira» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0356]. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0087]

Às duas horas da manhã do dia 8 de Setembro, o gasolina do Afonso de Albuquerque recolheu no Cais do Sodré os ex-marinheiros e marinheiros envolvidos, dando início à revolta, tendo Fernando Vicente sido largado no contra-torpedeiro Dão. De manhã, perante o fracasso do movimento, dirigiu-se num gasolina a Cacilhas a fim de ser tratado no posto dos Bombeiros Voluntários ao braço partido, sendo detido, à saída, pela Guarda Nacional Republicana e levado preso para o Forte de Almada.  

 [...]
[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0164]

Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 13 de Outubro de 1936, Fernando Vicente foi considerado, juntamente com João Faria Borda, Joaquim Gomes Casquinha, José Jacinto de Almeida e Tomás Batista Marreiros, um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros e condenado a seis anos de prisão maior celular, seguidos de dez anos de degredo ou, na alternativa, na pena de vinte anos de degredo em possessão de 2.ª classe.


[Fotografia tirada no Tarrafal por Luís Alves  de Carvalho || 1949 || Na primeira fila, o terceiro a contar da esquerda, com as mãos no joelho, é Fernando Vicente]

Seis dias depois, Fernando Vicente embarcou no cargueiro Luanda a caminho do Tarrafal, de onde só sairá em 28 de Junho de 1953, com uma mala carregada de livros, mas para dar entrada no Forte de Peniche. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0451]

Do Tarrafal, seguiu para o Forte de Peniche, onde entrou às 11 horas da manhã do dia 6 de Julho de 1953. Muito respeitado, segundo informações de 28 de Dezembro de 1956 de Luís Fernando de Mesquita Patacho, Chefe de Brigada da PIDE, os companheiros tratavam-no pela alcunha de "paizinho".

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0450]

Em Peniche, Fernando Vicente reencontrou João Faria Borda e Joaquim Casquinha, tendo os três sido libertados na véspera do Natal de 1953, para grande alegria de todos os outros camaradas de prisão, como Agostinho Saboga, António Dias Lourenço, Carlos Pinhão e Joaquim Campino, entre muitos outros. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0462]

Preso aos 22 anos e libertado quando tinha 39, cumpridos mais de 17 anos de encarceramento, Fernando Vicente regressou a Paul, onde retomou a militância clandestina no Partido Comunista, apesar de vigiado pela PIDE, e constrói uma família. 

A filha guarda, passados estes anos todos, uma imagem muito feliz deste pai que, como preso político, não podia tirar a carta de condução, levava, por vezes, "minha mãe, eu e o meu mano... todos na pasteleira do Paul a Torres, 7/8 km", ou quando, na "nossa casa, amanhava a nossa horta, jantava e jogava  o jogo da malha, desenhado na tijoleira, connosco".  



[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509-m0516-m0512]

Em um outro Relatório de um agente da PIDE, datado de 27 de Janeiro de 1957, é dado conta que Fernando Vicente trabalhava em Torres Vedras, nas oficinas da empresa de camionagem de João Henriques.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509-m0516-m0514]

Mas Fernando Vicente não interrompeu a militância comunista e, já muito doente, foi novamente preso em 18 de Setembro de 1963, levado para o Aljube e, em 20 de Fevereiro de 1964, transferido para Caxias, de onde foi libertado em 14 de Março.

[Fernando Vicente || ANTT || RGP/4225 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4225_m0063]

Quando da segunda prisão, Fernando Vicente foi barbaramente torturado, sujeito à tortura do sono e da estátua durante cerca de onze dias. Quando a mulher, Otília Alice Machado Vicente, a filha, então com nove anos, e um tio, já idoso, o foram visitar ao Aljube, «parecia um bicho todo inchado, lábios mordidos e a sangrar, desfigurado». Finda essa primeira visita, e quando os familiares se preparavam para sair, foram acusadas de ter apanhado um papel deitado pelas grades. Então, a mulher e a filha, em pânico, foram fechadas numa cela e revistadas de forma humilhante por uma agente de «saia travada, sapatos pretos de salto alto e cabelo ao alto, preto». O tio de Fernando Vicente também foi, temporariamente, encerrado numa cela e quando saiu «parecia um mendigo», com o «fato e casaco castanho completamente roto de cima abaixo!».

Fernando Vicente faleceu em 22 de Janeiro de 1965, quando ainda não tinha completado os 51 anos e dois dias depois de a mulher festejar o aniversário, tendo o funeral tido lugar no dia 24, no Cemitério de S. João, em Torres Vedras.

Segundo a filha de Fernando Vicente, num acto de enorme generosidade e solidariedade, o pai de Guilherme da Costa Carvalho «durante Anos dava uma mesada à minha Mãe para ajuda do sustento familiar». 

[Diário de Lisboa || 23/01/1965 || p. 13]

Um ano após a sua morte, realizou-se uma romagem ao cemitério, a qual foi «interrompido pela polícia de choque com cães polícias que irromperam no local empurrando dezenas de pessoas e pisando sepulturas sem qualquer respeito» [Manuel Fernandes / URAP]. 

Muitas outras evocações se seguiram, antes e depois de Abril de 1974. Em 20 de Janeiro deste mesmo ano, deu-se nova romagem à sua campa, tendo a polícia de choque comparecido com um vasto aparato policial [Venerando António Aspra de Matos, Blogue Vedrografias].

[Venerando António Aspra de Matos || Blogue Vedrografias]

Militante muito prestigiado, Fernando Vicente continua a merecer diversas homenagens por parte do Partido Comunista: em 2015, no cinquentenário do seu falecimento, foi organizada uma Exposição na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, onde constavam vários objectos, folhetos e manuscritos seus.

[José Patrício || Blogue a terra e agente]

[João Esteves]

domingo, 24 de novembro de 2019

[2197.] JOAQUIM BERNARDO RODRIGUES DE PASSOS [I] || MILITANTE COMUNISTA PRESO EM 1938, "ENLOUQUECEU" VÍTIMA DAS VIOLENTAS TORTURAS

* JOAQUIM BERNARDO RODRIGUES DE PASSOS *
[19/01/1917 - 30/03/1980]

Estudante de Mecânica no Instituto Superior Técnico, Joaquim Passos era um jovem quadro comunista com responsabilidades no Comité Regional de Lisboa e que, em 1937, por ser natural de São Brás de Alportel, chegou a ser enviado para o Algarve para reorganizar localmente o Partido Comunista. 

Preso em Fevereiro de 1938 pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, "enlouqueceu" em consequência das violentas torturas a que foi submetido, tendo o jornal Avante!, de Abril desse ano, denunciado essa situação num texto intitulado "Os presos enlouquecem!" [Avante!, II série, N.º 80, p. 2].

Maria João Raminhos Duarte, na excelente, rigorosa e imprescindível obra Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura [Edições Colibri, 2010], refere-se ao percurso político e vivencial de Joaquim Passos.  

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Filho da escultora Rosalina Dias de Passos [15/11/1880 - 21/08/1958] e do carbonário e republicano Virgílio Rodrigues de Passos [25/11/1882 - 26/07/1945], Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos nasceu em 19 de Janeiro de 1917, em São Brás de Alportel. Era, ainda, sobrinho do poeta Bernardo Passos [1876 - 1930], do escritor Boaventura Rodrigues de Passos [08/01/1885 - 02/01/1935] e da pintora Virgínia Dias de Passos [19/04/1881 - 18/12/1965]

Terá estudado artes plásticas na Sociedade de Belas Artes de Lisboa [Idalécio Soares, Vítimas da Ditadura no Algarve, p. 84] e frequentou o Instituto Superior Técnico, onde era o aluno N.º 715 [Revista Triplov], não tendo concluído o curso devido à sua prisão.

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Membro do Partido Comunista, usou o pseudónimo "Manuel Rocha” e, em 1937, quando já integrava o Comité Regional de Lisboa, foi enviado ao Algarve para iniciar à reorganização das estruturas locais. No âmbito do Comité Regional de Lisboa: "controlou as zonas 4 e 2 e os ferroviários de Santa Apolónia", "trabalhou ainda na organização comunista em Alverca e Bucelas" e "foi o controleiro da zona 5, até ser preso" [Maria João Raminhos Duarte, p. 153, nota 142].

Júlio Martins Negrão, «que em jovem frequentava as casas dos amigos Passos», referiu, em entrevista a Maria Estela Guedes, que o «Joaquim era comunista, pertencia à delegação regional do PCP. [...] Ele foi enviado ao Algarve para reorganizar aqui os núcleos do Partido. Carbonário era o pai, o Virgílio Passos farmacêutico!» ["Coisas da Arte, da Política e da Vida - Júlio Martins Negrão recorda o caso de Joaquim Rodrigues de Passos", entrevista de Maria Estela Guedes, InComunidade, Outubro de 2013].

[Maria João Raminhos Duarte || Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura || Edições Colibri || 2010]

Preso em 10 de Fevereiro de 1938, foi enviado, incomunicável, para uma esquadra, seguindo, depois, para o Aljube. 

Maria João Raminhos Duarte refere que "na prisão foi violentamente espancado e torturado até revelar sinais de demência" [p. 153].

Avante, de Abril de 1938, sob o título "Os presos enlouquecem!", denunciava que «Há mais de dois meses, a famigerada polícia de informações prendeu o estudante antifascista, do Instituto Superior Técnico, Joaquim Bernardo Rodrigues Passos. / A família pediu à polícia que o pusessem num quarto particular, para o que deu dinheiro. E estes bandidos diziam que ele estava muito bem, bem alimentado, num quarto com sol, etc. / Era tudo mentira. O pobre Rodrigues Passos tem estado sempre num calabouço imundo saindo só para ir à polícia para ser torturado. TANTAS TORTURAS LHE INFLIGIRAM, QUE ENLOUQUECEU! / O médico do Aljube, que é um carrasco como todos os que servem as prisões políticas, propôs à polícia para entregar o preso à família, para que esta o interne numa casa de saúde. Mas estes miseráveis não estão ainda contentes com a sua obra. Querem torturá-lo mais! [...]» [Avante!, N.º 80, Abril de 1938, p. 2].

Também Júlio Martins Negrão, na entrevista citada, reafirma que o «Joaquim foi preso e torturado por pertencer ao Partido Comunista Português! Ainda por cima pertencia à delegação regional, a polícia era muito mais selvagem com os activistas. Ele era estudante, andava no Instituto Superior Técnico a tirar o curso de Engenharia de Máquinas. Foi preso em Lisboa. A empregada, a Silvina, bem via no pátio aqueles homens a cirandar, os polícias…» / «Claro que era a PIDE! Essa rapariga, a Silvina, que era de cá, uma algarvia, quando percebeu que os pides iam a subir a escada ainda pegou numa quantidade de papéis e meteu-os no fogão. Prenderam-no a ele e ao Ângelo, o irmão mais velho, mas ao Ângelo soltaram-no logo. Agora ao Joaquim, não. Da prisão mandavam à mãe, a escultora Rosalina Passos, a roupa suja do filho para ela a lavar, ela dizia que pareciam papas de linhaça… É por isso que algumas esculturas da mãe são aquelas máscaras de agonia… Olhe, uma vez estávamos sentados na Sociedade Recreativa Primeiro de Janeiro a ler O Século Ilustrado, que trazia um título em grandes letras: «Os carrascos tremem na presença dos inocentes». O Joaquim virou-se para nós e disse: «Só eu vi tantos carrascos e nenhum tremeu na minha presença!”. Era o filho mais inteligente do senhor Virgílio» ["Júlio Martins Negrão recorda o caso de Joaquim Rodrigues de Passos", entrevista de Maria Estela GuedesInComunidade, Outubro de 2013].

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Segundo o seu Registo Geral de Presos, Joaquim Passos foi entregue à família em 4 de Agosto, «que se responsabilizou pelo seu tratamento» [ANTT, RGP/9385].

Maria João Raminhos Duarte refere que "quando saiu da prisão, à responsabilidade de seus pais, vinha completamente transtornado. Desenvolveu uma esquizofrenia que o levou a tratamento psiquiátrico na Suiça. Por ter crises de violência, foi-lhe feita uma lobotomia. Regressou a Faro, por onde deambulava, vivendo na casa de seu irmão Ângelo Passos. Esporadicamente pintava e esculpia. Expôs no Círculo Cultural de Faro. Algumas das suas obras encontram-se no Museu de Lagos e noutros museus do Algarve. Faleceu em Faro, a 30 de Março de 1980, após ter vivido os últimos anos em completa apatia" [Maria João Raminhos Duarte, Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura, p. 153, nota 142].

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos/9383 [Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos / PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379].

"Os presos enlouquecem", Avante!, Série-II, N.º 80, 4.ª Semana de Abril de 1938, p. 2.

Maria João Raminhos DuarteSilves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura, Edições Colibri, 2010.

Maria Estela Guedes, "Coisas da Arte, da Política e da Vida - Júlio Martins Negrão recorda o caso de Joaquim Rodrigues de Passos", InComunidade, Outubro de 2013.

[João Esteves]

sábado, 23 de novembro de 2019

[2196.] MANUEL PAULA VENTURA [I] || EXILADO, PRESO E DEPORTADO (1928 - 1935)

* MANUEL PAULA VENTURA *
[31/07/1885 - 03/08/1935]

Os dados biográficos que se seguem sobre Manuel Paula Ventura foram recolhidos no livro Vítimas da Ditadura no Algarve: três casos, três histórias subtraídas ao esquecimento [editora Sul, Sol e Sal, 2017, de Idalécio Soares, e no Cadastro Político que consta na Torre do Tombo [Cadastro Político 1350 da Secção Política e Social da PVDE].

[Manuel Paula Ventura || ANTT || ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-4-NT-8904]

Filho de Maria do Sacramento Ventura e do comerciante António Joaquim Ventura, Manuel Paula Ventura nasceu em 31 de Julho de 1885, em Olhão.

Conhecido advogado naquela terra algarvia, residindo na Avenida da República, estava filiado no Partido Democrático e fora eleito, no início de 1927, Presidente da sua Comissão Política Concelhia.

Republicano, o seu nome vai estar associado aos acontecimentos ocorridos em Moncarapacho em 17 de Fevereiro de 1928, quando uma violenta explosão matou Américo Vilar e António Calhabotas, dois anarcossindicalistas idos do Barreiro que se encontravam a preparar bombas num pardieiro, tendo o carro de Manuel Paula Ventura sido utilizado pelos envolvidos e servido para transportar e ocultar os corpos do local da tragédia.

Este caso "traduziu-se em prisões e operações de busca" e foi "causa de exílios" [Idalécio Soares, p  35], tendo a maioria dos envolvidos conseguido fugir para Espanha, incluído Manuel Paula Ventura. Chegado a Ayamonte, seguiu para Sevilha e, de Gibraltar, partiu para a Argentina, já que o irmão Cândido se encontrava a viver em Buenos Aires desde o início de 1927. Aqui, publicou artigos em "O Jornal Português".

[Idalécio Soares || Vítimas da Ditadura no Algarve: três casos, três histórias subtraídas ao esquecimento || Editora Sul, Sol e Sal || 2017]

Ao fim de alguns meses, instalou-se na Bélgica, em Anvers, à frente de uma firma de comissões e consignações e aí escreveu, em sua defesa, a "«declaração» (ou «argumentário») sobre a sua participação nos acontecimentos de Moncarapacho" [Idalécio Soares, p. 58].

Autorizado a regressar em 1929, um ano depois, em 19 de Julho de 1930, foi preso pela primeira vez e deportado, no dia seguinte, para os Açores, acusado de "prejudicar a acção da Ditadura Nacional, desenvolvendo ultimamente uma enorme actividade conspiratória na preparação de um movimento revolucionário no Algarve" [Processo  4658-A; Cadastro Político 1350].

Enviado para Cabo Verde em 1931, após a Revolta da Madeira, conseguiu fugir de barco para Espanha. Abrangido pela amnistia de 5 de Dezembro de 1932, voltou ao país, sendo novamente preso em 25 de Abril de 1934 por auxílio a dois exilados políticos não incluídos naquela [o Capitão Lapa e o Comandante Sebastião da Costa], tendo assegurado, em Dezembro de 1933, os meios para a sua vinda a Portugal por escassos dias.

Foi, então, proibida a sua residência em território nacional por dois anos por decisão do Conselho de Ministros de 11 de Julho de 1934, sendo Manuel Paula Ventura disso notificado em 18 do mesmo mês e "seguiu para a fronteira devidamente acompanhado" [Cadastro Político 1350] no dia 20. Inicialmente,  ficou em  Ayamonte e, depois, mudou-se para Huelva.

Obrigado, pelas autoridades portuguesas, a mudar-se para uma localidade mais afastada da fronteira, regressou a Huelva devido ao surgimento de graves problemas cardíacos. A esposa, Francisca Alves Ventura, requereu, então, autorização para regressar ao país, o que foi concedido em 1 de Agosto de 1935 pelo Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, desde que sob prisão. 

No entanto, Manuel Paula Ventura faleceria dois dias depois, em Huelva, disso dando conhecimento o jornal ABC de Madrid, de 4 de Agosto.  

[Idalécio Soares || Vítimas da Ditadura no Algarve: três casos, três histórias subtraídas ao esquecimento || Editora Sul, Sol e Sal || 2017]

Só em 1967, com o falecimento da mulher, o corpo seria trasladado para Portugal.

Fontes:
ANTT, Fotografia 2413[Manuel Paula Ventura / ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-4-NT-8904]

ANTT, Cadastro Político 1350 [Manuel Paula VenturaPT-TT-PIDE-E-001-CX13_m0906, m906a, m906b, m906c, m906d, m906e, m906f].

Idalécio SoaresVítimas da Ditadura no Algarve: três casos, três histórias subtraídas ao esquecimento, Editora Sul, Sol e Sal, 2017, pp. 15-80.

[João Esteves]