[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

[0429.] HERCULANA DE CARVALHO [II] ||

* HERCULANA DE CARVALHO *

Flores na campa de Alfredo Caldeira

[Campa de Alfredo Caldeira no Tarrafal || Fotografia tirada aquando da visita ao Tarrafal de Luís e Herculana de Carvalho (1949?) || Fundação Mário Soares]

[Fundação Mário Soares - Documentos Alfredo Caldeira]

[0428.] AMÉLIA ALMEIDA BRANDÃO DE CAL OU AMÉLIA ALMEIDA CAL BRANDÃO [II] || AFPP - DELEGAÇÃO DO PORTO

* AMÉLIA ALMEIDA BRANDÃO DE CAL *

[extractos da biografia escrita por Lúcia Serralheiro para o Dicionário no Feminino (Livros Horizonte, 2005)]

Amélia Almeida Brandão de Cal, ou Amélia Cal Brandão como ficou conhecida, foi sócia n.º 315 da Delegação do Porto da AFPP – Associação Feminina Portuguesa para a Paz. 

Casou, em 1905, com Silo José Cal Muiños, oriundo da Galiza, imigrante radicado no Porto e funcionário da empresa inglesa Casa Graham. 


Em 5 de Novembro de 1906 nasceu o primeiro filho, Carlos Cal Brandão, na freguesia de Ramalde, Porto. 


A 23 de Março de 1908 nasceu o segundo filho, Silo José Cal Brandão


Dois anos depois, em 25 de Março de 1910, nasceu Mário Cal Brandão que, em 1927, concluiu o 1.º ano de Direito em Coimbra, quando o mais velho terminava o curso de advogado. Entretanto o filho Silo, estudante de Medicina no Porto, viu-se obrigado a refugiar-se em Espanha, na Galiza, após a greve académica na Faculdade de Medicina do Porto, na sequência da qual a Polícia Política provocou a morte do estudante Branco


Carlos começou a vida profissional no Porto, mas como era também o director de um jornal de ideias republicanas foi preso pela PIDE. Na sequência dessa prisão, e porque no dia da sua libertação ocorreu uma revolta no Porto, foi juntamente com outros presos metido num barco e acabou por ser deportado para Timor em 1931, onde irá permanecer até depois da II Guerra. Regressou a Portugal em 1946. 


Amélia Cal Brandão foi sempre interessada por questões culturais, pertencia ao Cineclube e participou noutras actividades. Não faltava às manifestações de rua, como no 31 de Janeiro, no 5 de Outubro e na luta pelas eleições livres. 


Esteve nas manifestações do fim da II Guerra e, após a desistência do MUD às eleições de Novembro, tendo lido nos jornais o discurso de Clyde Alflalo, assistente social que em Lisboa, numa sessão de propaganda eleitoral do partido único do Governo, UN – União Nacional, agradecia a Salazar por não ter entrado na Guerra, decidiu responder, em carta aberta, a essa mulher. 


Nesse documento de 30 de Outubro de 1945, contrapõe às afirmações de Clyde Alflalo as enormes dificuldades económicas que Salazar impôs ao País e, sobretudo, às mulheres portuguesas, as quais, suportando as vicissitudes do mercado negro e dos racionamentos, tinham envelhecido precocemente. O texto expõe os motivos pelos quais as mulheres portuguesas nada tinham a agradecer a Salazar, pois o facto da não entrada de Portugal na guerra se ficou mais a dever à sorte e  à situação geográfica. Menciona ainda as injustiças políticas do Governo e as prisões da PIDE. 


Segundo testemunhas da época, esta carta teve, em 1945, uma circulação no Porto superior à que mais tarde foi escrita pelo Bispo D. António, depois da campanha eleitoral do General Humberto Delgado em 1958. A carta circulou primeiro em texto dactilografado à máquina e, depois, foi impressa num dos documentos do MUD, como se pode ver no Arquivo Mário Soares em Lisboa. 


Foi testemunha de defesa de Guilherme da Costa Carvalho, filho da sócia da AFPP Herculana de Carvalho, juntamente com Beatriz de Almeida, em Lisboa, no Tribunal da Boa Hora. 


Ermelinda Brandão, que foi por ela educada desde os dez anos, quando foi estudar para o Porto, recorda-a como grande educadora e mãe corajosa que se deslocou a todas as autoridades do país, no Porto e em Lisboa, requerendo condições humanas nas prisões. 


Embora tivesse ideias republicanas e fosse anticlerical, não impôs aos seus filhos rumos políticos ou religiosos, mas proporcionou-lhes uma educação e uma formação moral que lhes permitiu rasgarem eles o seu próprio caminho, que ela sempre respeitou, nunca os tendo induzido a quaisquer atitudes


O MDM, Movimento Democrático das Mulheres do Porto, lembrou-a em 1981 e 1982, juntamente com Irene Castro e Herculana de Carvalho, todas da mesma geração e sócias da Associação Portuguesa Feminina para a Paz, Delegação do Porto, organizando no Dia Internacional da Mulher romagens aos cemitérios onde estão sepultadas. 


Faleceu em Vila Nova de Gaia a 14 de Novembro de 1974.


[Lúcia Serralheiro]

[0427.] IRENE CASTRO [I]

* IRENE FERNANDES MORAIS CASTRO *
[05/09/1895-28/07/1975]

[extractos da biografia escrita por Lúcia Serralheiro para o Dicionário no Feminino (Livros Horizonte, 2005)]

Filha de Torquato Fernandes e de Maria Augusta Loureiro Dias, nasceu a 5 de Setembro de 1895 na freguesia da Sé, no Porto, e faleceu a 28 de Julho de 1975. 

Tal como a mãe e irmãs, exerceu a profissão de professora do Ensino Primário, cujo exame na Escola Normal do Porto concluiu em 5 de Junho de 1914, com 20 valores. 

Foi Directora da Escola da Freguesia da Sé no Porto. 

Em 1917, casou com Amílcar Gonçalves de Morais e Castro, nascido a 22 de Maio de 1896, filho de Manuel Joaquim Gonçalves de Castro e de Adelaide das Dores de Morais e Castro. Maçon e franco-atirador, escriturário de 3.ª classe dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, terminou o Curso de Direito depois de casado e passou a exercer a advocacia. Devido às suas ideias, esteve preso onze vezes na PIDE do Porto. 

Sócia fundadora da Delegação do Porto da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, foi,  de 1949 a 1952, a sua última presidente. 

Organizou, em articulação com a sede de Lisboa, entre outras actividades, as comemorações do XV Aniversário da AFPP no ano de 1950, que tiveram como ponto alto as conferências O Dilema da Paz e da Guerra e Pró Paz proferidas, respectivamente, por Maria Lamas e Teixeira de Pascoaes. As conferências tiveram lugar no Salão Nobre do Clube Fenianos Portuense, a primeira a 25 de Maio e a segunda a 1 de Junho. 

Mãe de três filhos e de uma filha, a todos apoiou nas suas lutas políticas, tendo pedido às autoridades melhores condições de vida para os presos políticos e reclamado das injustiças praticadas. 

O filho mais velho, Armando de Castro [18/7/1918-16/6/1999], conhecido professor e historiador de Economia, era casado com a sócia da AFPP Maria Virgínia Castro. 

O segundo filho, Raul de Castro [nascido a 25/08/1921], advogado antifascista, casou com a sócia da AFPP Maria Carolina Campos e andou fugido à PIDE. 

O terceiro filho, Amílcar, nasceu em 1927; e a filha mais nova, Irene, em 1933. 

Irene de Castro apoiou os filhos nas lutas académicas e quando estavam presos na PIDE. 

Acolheu na sua casa todos os que precisavam de ajuda durante os tempos das lutas antifascistas e da oposição ao Estado Novo. 

Foi uma mulher política, mas não por influência do seu marido, de quem sempre ocultou a sua militância no Partido Comunista. Fez parte do Partido Comunista por vontade própria e nem os filhos souberam. Exigiu que o partido a contactasse através de uma mulher para que ninguém de casa desconfiasse. 

Integrou todos os Movimentos Unitários até ao 25 de Abril de 1974. Esteve presente na sessão do Olímpia em 13 de Outubro de 1945, onde se organizou o MUD no Porto. Pertenceu ao MDM - Movimento Democrático de Mulheres - e nessa qualidade recebeu no Porto a russa Valentina Tereskova, a primeira mulher a ir ao espaço. 

Em 11 de Outubro de 1992 foi homenageada por um grupo de personalidades, entre elas antigas sócias das AFPP, como Branca de Lemos. Nesse dia, domingo, foi organizada uma romagem com colocação de flores ao Cemitério Prado do Repouso, onde Virgínia Moura relembrou o perfil de mãe, de mulher e de professora lutadora por uma educação progressista pela Paz e pelos direitos das mulheres. À tarde realizou-se uma sessão pública no Salão Nobre do Clube Fenianos do Porto, com apresentação de um vídeo feito especialmente com testemunhos de pessoas que com ela conviveram, música poesia e pintura. 

O filho Raul de Castro escreveu-lhe o seguinte epitáfio: à memória exemplar de quem sempre enfrentou a vida de forma a nem na morte deixar a imagem de vencida.  

O filho mais velho, Armando, disse dela no vídeo feito por ocasião da homenagem prestada em 1992: morreu de pé como sempre viveu, coerente consigo própria e, tal como Romain Rolland dizia, “esteve sempre em marcha e só parou na morte”. 

Como pedagoga, é referida pelo respeito que votava às crianças. Na sala de aula tinha uma caixa com lacinhos de organdi, que todas as suas alunas colocavam, enquanto estavam na escola, para que todas estivessem bonitas.

[Lúcia Serralheiro]

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

[0426.] ACÁCIA DE CARVALHO GONÇALVES DE RESENDE [I] || CNMP (1931 - 1945)

* CONSELHO NACIONAL DAS MULHERES PORTUGUESAS *


Aderiu, por intermédio de Maria Emília de Carvalho Gonçalves, ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1931), onde desempenhou, entre 1932 e 1945, funções nos corpos gerentes: Vogal da Direcção (1932-1934) e 2.ª (1944) e 3.ª Vogal (1943) do Conselho Fiscal. 

Foi ainda eleita Secretária das Secções de Educação (1937) e de Propaganda e Biblioteca (1938), integrou a Comissão de Assistência (1945) e, em Dezembro de 1934, participou na recepção a Adelaide Cabete aquando do seu regresso de África. 

Entretanto, terá casado, já que, a partir de 1943, é acrescentado o apelido Resende ao nome. 

Familiar de Ofélia de Carvalho Gonçalves, que militou no Conselho durante a década de 20, e de Maria Emília de Carvalho Gonçalves, republicana convicta que pertenceu ao núcleo de Tomar da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e à Maçonaria. 

[v. Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005]

[0425.] RICARDO MACHAQUEIRO [I]

O último abraço...

"- Abrace-me porque é o último abraço que me dá
durante o abraço
- Tenho muita pena de não acabar a tese de doutoramento
e, ao afastarmo-nos, sorriu. Nunca vi um sorriso com tanta dor entre parêntesis, nunca imaginei que fosse tão bonito."
António Lobo Antunes, "O último abraço que me dás", Visão,  12/12/2013


Ricardo Machaqueiro
[09/01/1958-04/11/2013]


domingo, 29 de dezembro de 2013

[0424.] Faces de Eva. Estudos sobre a mulher / Número 30 - 2013

Faces de Eva
15 anos (1999-2013) / 30 números


[0423.] CINCO OLHARES SOBRE A REPÚBLICA [I] || LIVRO

Das Conferências (2010)...  


... ao Livro (2013)


[Edições Colibri || 2013]

[0422.] MARIA LAMAS [I]



* MARIA DA CONCEIÇÃO VASSALO E SILVA DA CUNHA LAMAS *
[06/10/1893-06/12/1983]


Jornalista e escritora reconhecida, Maria Lamas conciliou a vida profissional com uma incansável batalha de décadas em prol dos direitos das mulheres portuguesas e dos cidadãos do seu país.

Empenhada, persistente e combativa, nomeadamente nos tempos adversos da ditadura salazarista, nunca abdicou da denúncia das injustiças e tornou-se num dos principais símbolos da oposição ao Estado Novo. 

Filha mais velha de Maria da Encarnação Vassalo e de Manuel Caetano da Silva, nasceu, em 6 de Outubro de 1893, em Torres Novas, e faleceu na capital a 6 de Dezembro de 1983, exactamente dois meses após ter completado 90 anos de idade. 

Estudou no Colégio das Teresianas de Jesus, Maria e José e em Março de 1911, somente com dezassete anos, casou com o republicano Teófilo José Ribeiro da Fonseca, Tenente da Cavalaria, responsável pela sua iniciação política. 

Depois de anos difíceis, devido à vida militar do marido, com passagem por Angola e por França, durante a I Guerra, divorciou-se em 1919, ficando com as filhas Maria Emília (1911) e Manuela (1913-1960) a cargo. Tinha então 25 anos. 

Em Abril de 1921 torna a casar, desta vez com o jornalista monárquico Alfredo da Cunha Lamas, e em Maio do ano seguinte nasceu Maria Cândida, sua terceira filha. Entretanto começara a trabalhar na Agência Americana de Notícias, dirigida pela jornalista Virgínia Quaresma e, a pouco e pouco, afirma-se na imprensa ao dirigir e colaborar em diversos suplementos infantis. 

Em 1930, um ano após ter entrado, por intermédio de Ferreira de Castro, para O Século e começado a dirigir Modas e Bordados, foi a responsável pelo evento “Mulheres Portuguesas - Exposição da Obra Feminina, antiga e moderna de carácter literário, artístico e científico”, tratando-se de um acontecimento cultural relevante pela diversidade do acervo artístico, literário e científico exposto, desde o Renascimento até aquela data, por envolver mulheres de todas as profissões e das diferentes regiões do país, misturando artesãs e intelectuais, e pela afluência do público. 

Em 7 de Fevereiro de 1934 foi, pela primeira vez, condecorada pelo Estado ao ser agraciada com o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada. 

A partir da segunda metade da década de 30, evidenciou-se como activista da Associação Feminina Portuguesa para a Paz e, principalmente, do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde desempenhou diversos cargos. 

Fez parte da Comissão que, em 10 de Fevereiro de 1940, entregou à Assembleia Nacional um requerimento pedindo que as competências da Tutoria da Infância sobre as raparigas fosse alargada dos 16 para os 21 anos, de forma a impedir o registo de toleradas antes desta idade, como estava sucedendo, e assinou, entre 1940 e 1945, textos na revista Alma Feminina, utilizando o nome de Armia. 

Foi eleita Presidente das Secções de Educação (1937) e de Literatura (1939) e integrou as Comissões de Literatura (1940-1941; 1943) e Arte (1943-1944), até assumir, em Julho de 1945, a presidência da Direcção. Nesta qualidade, promoveu campanhas de alfabetização – já em 1922 se tinha interessado pela instrução das operárias da Fábrica Simões, em Benfica - e lutou pelos direitos das mulheres mais desfavorecidas. 

Era a sua presidente quando, em 1947, o CNMP foi proibido pelas autoridades da ditadura, na sequência da organização, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, da exposição “Livros escritos por mulheres”. Forçada, por João Pereira da Rosa, a optar entre continuar na direcção da revista Modas e Bordados e o Conselho, não hesitou e manteve-se fiel a este último, ficando desempregada.

Dá então início ao empreendimento da importante obra Mulheres do Meu País

Continuou a desenvolver intensa actividade em prol do pacifismo e integrou, nos anos 50, o Conselho Mundial da Paz. 

As actividades na luta pela paz, com funções relevantes no Conselho Mundial da Paz, a sua projecção internacional e o combate político à Ditadura do Estado Novo, assinando as listas para a fundação do MUD (1945), manifestando o apoio à candidatura de Norton de Matos (1949) e integrando a Comissão Central do Movimento Nacional Democrático (1949), originaram sucessivas perseguições e prisões (1949, 1950-1951, 1953). 

Exilou-se em Paris entre 1962 e 1969, onde se tornou uma figura ímpar no apoio aos portugueses, emigrantes e políticos, que saíam do país. O Grand Hotel Saint-Michel, na Rua Cujas, 19, tornou-se local de passagem obrigatório para intelectuais e oposicionistas: são muitos os testemunhos sentidos e comoventes desses anos de convívio e, sobretudo, de solidariedade. 

Fiel aos ideais, viveu intensamente os acontecimentos subsequentes à Revolução de Abril de 1974. Foi dirigente do Comité Português para a Paz e Cooperação, directora honorária da revista Modas e Bordados (1974), presidente de honra do Movimento Democrático das Mulheres (1975) e, até à sua morte, directora da publicação Mulheres (1978), tendo-se ainda filiado no Partido Comunista Português. 

Entre as várias condecorações que recebeu, conta-se a da Ordem da Liberdade, com que foi agraciada pelo Presidente Ramalho Eanes, em 1982. 

Merecedora de frequentes evocações e homenagens, antes e depois de 1974, a riqueza e a diversidade do percurso de Maria Lamas pode ser esmiuçada através do seu espólio, que integra o Arquivo de Cultura Portuguesa da Biblioteca Nacional [Esp. E 28]. 

[João Esteves]

sábado, 28 de dezembro de 2013

[0421.] HERCULANA DE CARVALHO [I] || 1900 - 1952

* HERCULANA DE JESUS DA COSTA DIAS CARVALHO *
[23/12/1900 - 16/05/1952]

[Fotografia publicada por Lúcia Serralheiro no seu livro Mulheres em Grupo Contra a Corrente, Evolua Edições, 2011, p. 133]

* A mãe que visitou o filho, Guilherme da Costa Carvalho, e os outros presos políticos deportados no Campo de Concentração do Tarrafal *

[Extractos de um belíssimo e comovente texto biográfico de Lúcia Serralheiro inserido no Dicionário no Feminino (Lisboa, Livros Horizonte, 2005)]

Herculana de Jesus da Costa Dias Carvalho, sócia nº 6 da Delegação do Porto da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, nasceu no Porto a 23 de Dezembro de 1900 e faleceu em Lisboa a 16 de Maio de 1952. 

Em 1920, Herculana casou com Luís Alves de Carvalho, nascido no Porto a 15 de Dezembro de 1899, com quem teve um filho, Guilherme da Costa Carvalho (1921-1973), e uma filha, Luiza Herculana Alves de Carvalho, nascida a 15 de Julho de 1922. 


O marido tinha o Curso Comercial, foi contabilista da primeira cooperativa de táxis existente no Porto e, mais tarde, ligou-se à Banca. Foi corrector de fundos públicos da Bolsa do Porto durante quase cinquenta anos. 


Herculana era uma pessoa por temperamento recatada, que nunca saía de casa sem ser acompanhada, segundo refere a filha Luiza. Por altura do nascimento do seu primeiro neto, Luiza, estranhando a ausência da mãe, é surpreendida pela informação de que a mesma se tinha deslocado sozinha ao encontro do filho preso no comboio, por denúncia de uma mulher, em Abrantes pela GNR [19 de Outubro de 1948]. Não o tendo encontrado aí, rumou para Lisboa, localizando-o na prisão do Aljube. Aguarda aí alguns dias, mas não consegue obter autorização para o visitar. Esse acontecimento marca o início da sua saga pessoal de solidariedade para com o filho e todos os outros presos políticos e que só vem a terminar com a sua morte. 


A partir dessa data, D. Herculana, como era conhecida e reverenciada por todos, nunca irá deixar de estar ao lado do filho, que militava no Partido Comunista Português. Movimentava-se muitas vezes sozinha ou acompanhando o marido pelas prisões onde Guilherme ia estando preso. No dia da deportação deste para o Tarrafal, a 17 de Setembro de 1949, na hora da despedida no cais de Leixões, notando que alguém o olhava com o desprezo votado a pessoas criminosas, surpreendeu todos os amigos e outros antifascistas presentes com um discurso em voz alta, salientando a injustiça do governo que penalizava de modo brutal o seu filho que “era um bom e um homem honrado […] Lembrou que Salazar tinha afirmado em 1945 que os campos do Tarrafal já não existiam, mas que ali estava a prova evidente da existência desse sinistro campo, para onde agora seguia o seu querido filho. Disse que era preciso que o campo do Tarrafal acabasse e que seriam as mães portuguesas quem mais deveria lutar para que isso sucedesse, pois todas elas estão igualmente ameaçadas de verem seguir para lá os seus entes queridos” [Avante, VI série, N.º 114, 1.ª quinzena de Outubro de 1949, p. 1]. 


Nunca se tendo pensado como política, mas de acordo com a sua filha Luiza, “aderiu aos ideais do seu filho, pois foi sempre apologista do partilhar e de dar felicidade aos outros” [entrevista a Luiza Herculana Alves de Carvalho Vilares Lagoa, Lisboa, 4 de Agosto de 2002]. Assumiu uma prática quotidiana de solidariedade com todos os presos políticos e suas famílias, prestando-lhes auxílios materiais e humanos. 


Na primeira visita que fez ao seu filho no Tarrafal, por altura do seu aniversário, no Natal, como lhe tinha prometido, prestou homenagem a todos os presos políticos aí falecidos ao longo dos anos, tendo florido as suas campas. Esses gestos foram registados pelo marido, Luís Alves de Carvalho, que lhe fez uma foto individual junto de cada uma dessas sepulturas na ilha de São Tiago [no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, foi erigido um Ossário Monumento para a trasladação dos restos mortais dos 32 antifascistas falecidos no Campo de concentração, cuja construção foi custeada por uma subscrição pública nacional e, essencialmente pelo marido de D. Herculana que foi, juntamente com sua esposa, os autores da ideia]. 


Depois da sua morte, o marido, em resposta aos pêsames recebidos dos presos do Tarrafal, comenta: “O seu pensamento constante eram os presos do Tarrafal. Quando vos beijava e abraçava era como se o fizesse aos seus filhos queridos. Quando aí no Cemitério colocava flores nas campas dos vossos queridos mortos e orava a Deus por eles, era como se fossem da sua própria carne” [Carta de 24 de Junho de 1952 de Luís Alves de Carvalho ao preso do Tarrafal João Faria Borda. Arquivo de Luiza  da Costa Carvalho Lagoa]. 


Tomou ainda nota das moradas dos outros presos e prometeu-lhes regressar com notícias de todos os seus familiares. Para isso, teve de percorrer o país de Norte a Sul, a fim de localizar as respectivas famílias. De novo se encheram álbuns fotográficos com essas famílias, com destino a nova viagem ao Tarrafal. 


Josué Martins Romão, aí prisioneiro, recordou-a mais tarde num texto a que deu o título: Singela homenagem à mulher dos antifascistas presos no Tarrafal, do qual se transcreve o relato do seu encontro com D. Herculana: “Nos longos anos que passamos no Tarrafal, […] tivemos apenas uma visita. […] Descrever todos os obstáculos que esta mãe teve de enfrentar, desde a respectiva autorização para a visita, ao fretar um avião, com um mínimo de segurança, ao barquinho de cabotagem da ilha do Sal para a ilha de S. Tiago (onde nos encontrávamos) era por ventura, só por si, uma epopeia digna de registo aparte […] mal abraçou o filho e de imediato, um a um, todos os companheiros dignos da sua condição de presos antifascistas, esta mulher, como que a pedir-nos desculpa desta ousadia, propôs-nos isto: // - Amigos! A alegria, como deveis calcular, que eu sinto neste momento é imensa. Poderá, talvez, interpretar-se como egoísmo de Mãe estar aqui hoje presente. Mas ao vê-los a todos sinto-me como que envergonhada ao lembrar-me das vossas mães, das vossas companheiras, enfim de todos os vossos familiares que jamais poderão ter a sorte que eu tive, enquanto aqui permanecerem. Peço-vos do coração, que me forneçam uma lista com os vossos nomes e respectivas moradas de vossos familiares lá na terra”. 


Segundo Alice Maldonado [1925-2013], D. Herculana levava para o Tarrafal, e também para outras prisões, muitos remédios para os presos através do seu marido, Maldonado Freitas, médico antifascista, que lhos fornecia. 


D. Herculana Carvalho faleceu em Lisboa em 1952, no Hospital da CUF, vítima de doença cancerosa com cinquenta e um anos de idade. Pouco tempo antes de falecer, pôde ainda ver o seu filho Guilherme, na altura preso em Peniche, graças ao engenho do marido que ultrapassou os constrangimentos repressivos da PIDE que, argumentando a eventualidade de evasão do detido, pretendia nem sequer cumprir a lei que permitia nestes casos estas visitas. A sua morte foi sentida profundamente não só pelos familiares e amigos próximos, mas por todos os presos que a conheceram, em especial os tarrafalistas. 


Fernando Lopes Graça, que acompanhou entre dezenas de pessoas o seu funeral ao Porto, compôs uma Elegia em sua memória. Mulheres e homens que a conheceram, quiseram individualizar as suas homenagens através dos jornais a esta mulher tão solidária com todos. 


Maria Florinda da Palma Carlos, escreveu para o República, pouco depois da sua morte, evocando a sua generosidade: “tínhamos credos diferentes, ela sabia-o, mas o que era isso para o seu feitio generoso e compreensivo? Era assunto em que nem ao de leve se tocava. Eu era uma Mãe amargurada e que mais seria necessário para vir junto de mim?” [República, 7/6/1952].

Manuel Lavrado, no primeiro aniversário do falecimento, escreve também no jornal República: “é certo que no pensamento das pessoas da sua convivência não morreu – nem morrerá! a lembrança das suas desassombradas atitudes, de coragem, de abnegação, e de solidariedade humana. […] Foi uma democrata, talvez sem saber que o era…” [República, 16/5/1953]. 

Humberto Lopes, um amigo dos tempos de estudante de seu filho, recordou-a: “com esse supremo equilíbrio moral e intelectual buscou e encontrou outras certezas, outras auroras, outras razões de querer, de esperar e de lutar” [República, 16/10/1952]. 

Durante muitos anos foi recordada neste jornal, e sempre com a nota final de agradecimento da redacção ao seu marido, que entregava quantias generosas “destinadas aos protegidos de Republica em memória da sua sempre saudosa esposa, do seu querido pai e também dos seus saudosos amigos Silo Cal Brandão e Rocha Martins” [República, 16/5/1967]. 

Em 16 de Maio de 1964, os antifascistas da Marinha Grande desenharam e fizeram, para oferecer ao seu filho Guilherme, uma jarra de vidro, com uma reprodução da foto de D. Herculana, sobre a qual inscreveram a seguinte dedicatória Democratas da Marinha Grande oferecem a Guilherme da Costa Carvalho em memória da sua saudosa mãe. 

Um ano depois da sua morte, a 19 de Outubro de 1952, o corpo foi trasladado de um jazigo de amigos, para um construído especialmente para D. Herculana e que tem o seu nome, sobre uma escultura, que reproduz uma das pombas de Picasso. 

No dia da trasladação dos restos mortais, falaram na cerimónia, e segundo relato nos jornais, “os srs. João da Silva Campelo, prof. Doutor Rui Luís Gomes, eng.ª Virgínia de Moura, drs. Humberto Lopes e Lino Lima, Leopoldo Lino, D. Alice de Almeida e Maria do Carmo de Almeida, que exaltaram os predicados da malograda e saudosa senhora. Entre as pessoas que se encontravam no cemitério, distinguimos, ao acaso, os srs. Eduardo dos Santos Silva, António de Macedo, Mário e Carlos Cal Brandão e coronel Hélder Ribeiro” [República, 19/10/1952]. 


Luís de Carvalho, o marido, prestou-lhe ainda uma homenagem ao inaugurar no jardim de sua casa o busto de Herculana, em cuja coluna se lê uma das frases que costumava dizer em relação a Guilherme da Costa Carvalho - “se voltasses ao meu seio, meu filho, e eu pudesse defender-te, como quando te criei morria feliz” - e outra em relação ao seu marido – “dava tudo por ti, Luís”. 


Mais tarde, no XV aniversário da sua morte, Luís da Silva Carvalho editou, para circulação entre amigos, um conjunto de 42 pequenos poemas do seu filho Guilherme dedicados à memória de sua mãe e das suas avós, quando tinha 42 anos. O livro intitula-se 42 Hai-Kais, Relâmpagos do meu coração. Esses poemas foram escritos por Guilherme em papel de mortalha. A letra das palavras era tão minúscula que só foi possível decifrá-las à lupa e, segundo a própria irmã, também deverão ter sido escritas do mesmo modo. Os papéis saíram da prisão do Aljube onde se encontrava, e que nos poemas chama de Catóquio, palavras inventada como outras, prevenindo eventuais buscas da PIDE, muito escondidos nos enchumaços de um casaco que ia para a lavandaria. 

Guilherme da Costa Carvalho teve, na morte, igual destino ao de sua mãe. Faleceu com a mesma idade no Instituto de Oncologia em Lisboa, a 23 de Março de 1973. Tinha sido posto em liberdade pelo facto de estar já muito doente. 


[Lúcia Serralheiro]