[extractos da biografia escrita por Lúcia Serralheiro para o Dicionário no Feminino (Livros Horizonte, 2005)]
Amélia Almeida Brandão de Cal, ou Amélia Cal Brandão como ficou conhecida,
foi sócia n.º 315 da Delegação do Porto da AFPP – Associação Feminina Portuguesa para a Paz.
Casou, em 1905, com Silo José Cal Muiños, oriundo da Galiza, imigrante radicado no Porto e funcionário da empresa inglesa Casa Graham.
Em 5 de Novembro de 1906 nasceu o primeiro filho, Carlos Cal Brandão, na freguesia de Ramalde, Porto.
A 23 de Março de 1908 nasceu o segundo filho, Silo José Cal Brandão.
Dois anos depois, em 25 de Março de 1910, nasceu Mário Cal Brandão que, em 1927, concluiu o 1.º ano de Direito em Coimbra, quando o mais velho terminava o curso de advogado. Entretanto o filho Silo, estudante de Medicina no Porto, viu-se obrigado a refugiar-se em Espanha, na Galiza, após a greve académica na Faculdade de Medicina do Porto, na sequência da qual a Polícia Política provocou a morte do estudante Branco.
Carlos começou a vida profissional no Porto, mas como era também o director de um jornal de ideias republicanas foi preso pela PIDE. Na sequência dessa prisão, e porque no dia da sua libertação ocorreu uma revolta no Porto, foi juntamente com outros presos metido num barco e acabou por ser deportado para Timor em 1931, onde irá permanecer até depois da II Guerra. Regressou a Portugal em 1946.
Amélia Cal Brandão foi sempre interessada por questões culturais, pertencia ao Cineclube e participou noutras actividades. Não faltava às manifestações de rua, como no 31 de Janeiro, no 5 de Outubro e na luta pelas eleições livres.
Esteve nas manifestações do fim da II Guerra e, após a desistência do MUD às eleições de Novembro, tendo lido nos jornais o discurso de Clyde Alflalo, assistente social que em Lisboa, numa sessão de propaganda eleitoral do partido único do Governo, UN – União Nacional, agradecia a Salazar por não ter entrado na Guerra, decidiu responder, em carta aberta, a essa mulher.
Nesse documento de 30 de Outubro de 1945, contrapõe às afirmações de Clyde Alflalo as enormes dificuldades económicas que Salazar impôs ao País e, sobretudo, às mulheres portuguesas, as quais, suportando as vicissitudes do mercado negro e dos racionamentos, tinham envelhecido precocemente. O texto expõe os motivos pelos quais as mulheres portuguesas nada tinham a agradecer a Salazar, pois o facto da não entrada de Portugal na guerra se ficou mais a dever à sorte e à situação geográfica. Menciona ainda as injustiças políticas do Governo e as prisões da PIDE.
Segundo testemunhas da época, esta carta teve, em 1945, uma circulação no Porto superior à que mais tarde foi escrita pelo Bispo D. António, depois da campanha eleitoral do General Humberto Delgado em 1958. A carta circulou primeiro em texto dactilografado à máquina e, depois, foi impressa num dos documentos do MUD, como se pode ver no Arquivo Mário Soares em Lisboa.
Foi testemunha de defesa de Guilherme da Costa Carvalho, filho da sócia da AFPP Herculana de Carvalho, juntamente com Beatriz de Almeida, em Lisboa, no Tribunal da Boa Hora.
Ermelinda Brandão, que foi por ela educada desde os dez anos, quando foi estudar para o Porto, recorda-a como grande educadora e mãe corajosa que se deslocou a todas as autoridades do país, no Porto e em Lisboa, requerendo condições humanas nas prisões.
Embora tivesse ideias republicanas e fosse anticlerical, não impôs aos seus filhos rumos políticos ou religiosos, mas proporcionou-lhes uma educação e uma formação moral que lhes permitiu rasgarem eles o seu próprio caminho, que ela sempre respeitou, nunca os tendo induzido a quaisquer atitudes
O MDM, Movimento Democrático das Mulheres do Porto, lembrou-a em 1981 e 1982, juntamente com Irene Castro e Herculana de Carvalho, todas da mesma geração e sócias da Associação Portuguesa Feminina para a Paz, Delegação do Porto, organizando no Dia Internacional da Mulher romagens aos cemitérios onde estão sepultadas.
Faleceu em Vila Nova de Gaia a 14 de Novembro de 1974.
[Lúcia Serralheiro]
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