[23/12/1900 - 16/05/1952]
[Fotografia publicada por Lúcia Serralheiro no seu livro Mulheres em Grupo Contra a Corrente, Evolua Edições, 2011, p. 133]
* A mãe que visitou o filho, Guilherme da Costa Carvalho, e os outros presos políticos deportados no Campo de Concentração do Tarrafal *
[Extractos de um belíssimo e comovente texto biográfico de Lúcia Serralheiro inserido no Dicionário no Feminino (Lisboa, Livros Horizonte, 2005)]
Herculana de Jesus da Costa Dias
Carvalho, sócia nº 6 da Delegação do Porto da Associação Feminina Portuguesa
para a Paz, nasceu no Porto a 23 de Dezembro de 1900 e faleceu em Lisboa a 16 de
Maio de 1952.
Em 1920, Herculana casou com Luís Alves de Carvalho, nascido no Porto a 15 de Dezembro de 1899, com quem teve um filho, Guilherme da Costa Carvalho (1921-1973), e uma filha, Luiza Herculana Alves de Carvalho, nascida a 15 de Julho de 1922.
O marido tinha o Curso Comercial, foi contabilista da primeira cooperativa de táxis existente no Porto e, mais tarde, ligou-se à Banca. Foi corrector de fundos públicos da Bolsa do Porto durante quase cinquenta anos.
Herculana era uma pessoa por temperamento recatada, que nunca saía de casa sem ser acompanhada, segundo refere a filha Luiza. Por altura do nascimento do seu primeiro neto, Luiza, estranhando a ausência da mãe, é surpreendida pela informação de que a mesma se tinha deslocado sozinha ao encontro do filho preso no comboio, por denúncia de uma mulher, em Abrantes pela GNR [19 de Outubro de 1948]. Não o tendo encontrado aí, rumou para Lisboa, localizando-o na prisão do Aljube. Aguarda aí alguns dias, mas não consegue obter autorização para o visitar. Esse acontecimento marca o início da sua saga pessoal de solidariedade para com o filho e todos os outros presos políticos e que só vem a terminar com a sua morte.
A partir dessa data, D. Herculana, como era conhecida e reverenciada por todos, nunca irá deixar de estar ao lado do filho, que militava no Partido Comunista Português. Movimentava-se muitas vezes sozinha ou acompanhando o marido pelas prisões onde Guilherme ia estando preso. No dia da deportação deste para o Tarrafal, a 17 de Setembro de 1949, na hora da despedida no cais de Leixões, notando que alguém o olhava com o desprezo votado a pessoas criminosas, surpreendeu todos os amigos e outros antifascistas presentes com um discurso em voz alta, salientando a injustiça do governo que penalizava de modo brutal o seu filho que “era um bom e um homem honrado […] Lembrou que Salazar tinha afirmado em 1945 que os campos do Tarrafal já não existiam, mas que ali estava a prova evidente da existência desse sinistro campo, para onde agora seguia o seu querido filho. Disse que era preciso que o campo do Tarrafal acabasse e que seriam as mães portuguesas quem mais deveria lutar para que isso sucedesse, pois todas elas estão igualmente ameaçadas de verem seguir para lá os seus entes queridos” [Avante, VI série, N.º 114, 1.ª quinzena de Outubro de 1949, p. 1].
Nunca se tendo pensado como política, mas de acordo com a sua filha Luiza, “aderiu aos ideais do seu filho, pois foi sempre apologista do partilhar e de dar felicidade aos outros” [entrevista a Luiza Herculana Alves de Carvalho Vilares Lagoa, Lisboa, 4 de Agosto de 2002]. Assumiu uma prática quotidiana de solidariedade com todos os presos políticos e suas famílias, prestando-lhes auxílios materiais e humanos.
Na primeira visita que fez ao seu filho no Tarrafal, por altura do seu aniversário, no Natal, como lhe tinha prometido, prestou homenagem a todos os presos políticos aí falecidos ao longo dos anos, tendo florido as suas campas. Esses gestos foram registados pelo marido, Luís Alves de Carvalho, que lhe fez uma foto individual junto de cada uma dessas sepulturas na ilha de São Tiago [no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, foi erigido um Ossário Monumento para a trasladação dos restos mortais dos 32 antifascistas falecidos no Campo de concentração, cuja construção foi custeada por uma subscrição pública nacional e, essencialmente pelo marido de D. Herculana que foi, juntamente com sua esposa, os autores da ideia].
Depois da sua morte, o marido, em resposta aos pêsames recebidos dos presos do Tarrafal, comenta: “O seu pensamento constante eram os presos do Tarrafal. Quando vos beijava e abraçava era como se o fizesse aos seus filhos queridos. Quando aí no Cemitério colocava flores nas campas dos vossos queridos mortos e orava a Deus por eles, era como se fossem da sua própria carne” [Carta de 24 de Junho de 1952 de Luís Alves de Carvalho ao preso do Tarrafal João Faria Borda. Arquivo de Luiza da Costa Carvalho Lagoa].
Tomou ainda nota das moradas dos outros presos e prometeu-lhes regressar com notícias de todos os seus familiares. Para isso, teve de percorrer o país de Norte a Sul, a fim de localizar as respectivas famílias. De novo se encheram álbuns fotográficos com essas famílias, com destino a nova viagem ao Tarrafal.
Josué Martins Romão, aí prisioneiro, recordou-a mais tarde num texto a que deu o título: Singela homenagem à mulher dos antifascistas presos no Tarrafal, do qual se transcreve o relato do seu encontro com D. Herculana: “Nos longos anos que passamos no Tarrafal, […] tivemos apenas uma visita. […] Descrever todos os obstáculos que esta mãe teve de enfrentar, desde a respectiva autorização para a visita, ao fretar um avião, com um mínimo de segurança, ao barquinho de cabotagem da ilha do Sal para a ilha de S. Tiago (onde nos encontrávamos) era por ventura, só por si, uma epopeia digna de registo aparte […] mal abraçou o filho e de imediato, um a um, todos os companheiros dignos da sua condição de presos antifascistas, esta mulher, como que a pedir-nos desculpa desta ousadia, propôs-nos isto: // - Amigos! A alegria, como deveis calcular, que eu sinto neste momento é imensa. Poderá, talvez, interpretar-se como egoísmo de Mãe estar aqui hoje presente. Mas ao vê-los a todos sinto-me como que envergonhada ao lembrar-me das vossas mães, das vossas companheiras, enfim de todos os vossos familiares que jamais poderão ter a sorte que eu tive, enquanto aqui permanecerem. Peço-vos do coração, que me forneçam uma lista com os vossos nomes e respectivas moradas de vossos familiares lá na terra”.
Segundo Alice Maldonado [1925-2013], D. Herculana levava para o Tarrafal, e também para outras prisões, muitos remédios para os presos através do seu marido, Maldonado Freitas, médico antifascista, que lhos fornecia.
D. Herculana Carvalho faleceu em Lisboa em 1952, no Hospital da CUF, vítima de doença cancerosa com cinquenta e um anos de idade. Pouco tempo antes de falecer, pôde ainda ver o seu filho Guilherme, na altura preso em Peniche, graças ao engenho do marido que ultrapassou os constrangimentos repressivos da PIDE que, argumentando a eventualidade de evasão do detido, pretendia nem sequer cumprir a lei que permitia nestes casos estas visitas. A sua morte foi sentida profundamente não só pelos familiares e amigos próximos, mas por todos os presos que a conheceram, em especial os tarrafalistas.
Fernando Lopes Graça, que acompanhou entre dezenas de pessoas o seu funeral ao Porto, compôs uma Elegia em sua memória. Mulheres e homens que a conheceram, quiseram individualizar as suas homenagens através dos jornais a esta mulher tão solidária com todos.
Maria Florinda da Palma Carlos, escreveu para o República, pouco depois da sua morte, evocando a sua generosidade: “tínhamos credos diferentes, ela sabia-o, mas o que era isso para o seu feitio generoso e compreensivo? Era assunto em que nem ao de leve se tocava. Eu era uma Mãe amargurada e que mais seria necessário para vir junto de mim?” [República, 7/6/1952].
Manuel Lavrado, no primeiro aniversário do falecimento, escreve também no jornal República: “é certo que no pensamento das pessoas da sua convivência não morreu – nem morrerá! a lembrança das suas desassombradas atitudes, de coragem, de abnegação, e de solidariedade humana. […] Foi uma democrata, talvez sem saber que o era…” [República, 16/5/1953].
Humberto Lopes, um amigo dos tempos de estudante de seu filho, recordou-a: “com esse supremo equilíbrio moral e intelectual buscou e encontrou outras certezas, outras auroras, outras razões de querer, de esperar e de lutar” [República, 16/10/1952].
Durante muitos anos foi recordada neste jornal, e sempre com a nota final de agradecimento da redacção ao seu marido, que entregava quantias generosas “destinadas aos protegidos de Republica em memória da sua sempre saudosa esposa, do seu querido pai e também dos seus saudosos amigos Silo Cal Brandão e Rocha Martins” [República, 16/5/1967].
Em 16 de Maio de 1964, os antifascistas da Marinha Grande desenharam e fizeram, para oferecer ao seu filho Guilherme, uma jarra de vidro, com uma reprodução da foto de D. Herculana, sobre a qual inscreveram a seguinte dedicatória Democratas da Marinha Grande oferecem a Guilherme da Costa Carvalho em memória da sua saudosa mãe.
Um ano depois da sua morte, a 19 de Outubro de 1952, o corpo foi trasladado de um jazigo de amigos, para um construído especialmente para D. Herculana e que tem o seu nome, sobre uma escultura, que reproduz uma das pombas de Picasso.
No dia da trasladação dos restos mortais, falaram na cerimónia, e segundo relato nos jornais, “os srs. João da Silva Campelo, prof. Doutor Rui Luís Gomes, eng.ª Virgínia de Moura, drs. Humberto Lopes e Lino Lima, Leopoldo Lino, D. Alice de Almeida e Maria do Carmo de Almeida, que exaltaram os predicados da malograda e saudosa senhora. Entre as pessoas que se encontravam no cemitério, distinguimos, ao acaso, os srs. Eduardo dos Santos Silva, António de Macedo, Mário e Carlos Cal Brandão e coronel Hélder Ribeiro” [República, 19/10/1952].
Luís de Carvalho, o marido, prestou-lhe ainda uma homenagem ao inaugurar no jardim de sua casa o busto de Herculana, em cuja coluna se lê uma das frases que costumava dizer em relação a Guilherme da Costa Carvalho - “se voltasses ao meu seio, meu filho, e eu pudesse defender-te, como quando te criei morria feliz” - e outra em relação ao seu marido – “dava tudo por ti, Luís”.
Mais tarde, no XV aniversário da sua morte, Luís da Silva Carvalho editou, para circulação entre amigos, um conjunto de 42 pequenos poemas do seu filho Guilherme dedicados à memória de sua mãe e das suas avós, quando tinha 42 anos. O livro intitula-se 42 Hai-Kais, Relâmpagos do meu coração. Esses poemas foram escritos por Guilherme em papel de mortalha. A letra das palavras era tão minúscula que só foi possível decifrá-las à lupa e, segundo a própria irmã, também deverão ter sido escritas do mesmo modo. Os papéis saíram da prisão do Aljube onde se encontrava, e que nos poemas chama de Catóquio, palavras inventada como outras, prevenindo eventuais buscas da PIDE, muito escondidos nos enchumaços de um casaco que ia para a lavandaria.
Guilherme da Costa Carvalho teve, na morte, igual destino ao de sua mãe. Faleceu com a mesma idade no Instituto de Oncologia em Lisboa, a 23 de Março de 1973. Tinha sido posto em liberdade pelo facto de estar já muito doente.
Em 1920, Herculana casou com Luís Alves de Carvalho, nascido no Porto a 15 de Dezembro de 1899, com quem teve um filho, Guilherme da Costa Carvalho (1921-1973), e uma filha, Luiza Herculana Alves de Carvalho, nascida a 15 de Julho de 1922.
O marido tinha o Curso Comercial, foi contabilista da primeira cooperativa de táxis existente no Porto e, mais tarde, ligou-se à Banca. Foi corrector de fundos públicos da Bolsa do Porto durante quase cinquenta anos.
Herculana era uma pessoa por temperamento recatada, que nunca saía de casa sem ser acompanhada, segundo refere a filha Luiza. Por altura do nascimento do seu primeiro neto, Luiza, estranhando a ausência da mãe, é surpreendida pela informação de que a mesma se tinha deslocado sozinha ao encontro do filho preso no comboio, por denúncia de uma mulher, em Abrantes pela GNR [19 de Outubro de 1948]. Não o tendo encontrado aí, rumou para Lisboa, localizando-o na prisão do Aljube. Aguarda aí alguns dias, mas não consegue obter autorização para o visitar. Esse acontecimento marca o início da sua saga pessoal de solidariedade para com o filho e todos os outros presos políticos e que só vem a terminar com a sua morte.
A partir dessa data, D. Herculana, como era conhecida e reverenciada por todos, nunca irá deixar de estar ao lado do filho, que militava no Partido Comunista Português. Movimentava-se muitas vezes sozinha ou acompanhando o marido pelas prisões onde Guilherme ia estando preso. No dia da deportação deste para o Tarrafal, a 17 de Setembro de 1949, na hora da despedida no cais de Leixões, notando que alguém o olhava com o desprezo votado a pessoas criminosas, surpreendeu todos os amigos e outros antifascistas presentes com um discurso em voz alta, salientando a injustiça do governo que penalizava de modo brutal o seu filho que “era um bom e um homem honrado […] Lembrou que Salazar tinha afirmado em 1945 que os campos do Tarrafal já não existiam, mas que ali estava a prova evidente da existência desse sinistro campo, para onde agora seguia o seu querido filho. Disse que era preciso que o campo do Tarrafal acabasse e que seriam as mães portuguesas quem mais deveria lutar para que isso sucedesse, pois todas elas estão igualmente ameaçadas de verem seguir para lá os seus entes queridos” [Avante, VI série, N.º 114, 1.ª quinzena de Outubro de 1949, p. 1].
Nunca se tendo pensado como política, mas de acordo com a sua filha Luiza, “aderiu aos ideais do seu filho, pois foi sempre apologista do partilhar e de dar felicidade aos outros” [entrevista a Luiza Herculana Alves de Carvalho Vilares Lagoa, Lisboa, 4 de Agosto de 2002]. Assumiu uma prática quotidiana de solidariedade com todos os presos políticos e suas famílias, prestando-lhes auxílios materiais e humanos.
Na primeira visita que fez ao seu filho no Tarrafal, por altura do seu aniversário, no Natal, como lhe tinha prometido, prestou homenagem a todos os presos políticos aí falecidos ao longo dos anos, tendo florido as suas campas. Esses gestos foram registados pelo marido, Luís Alves de Carvalho, que lhe fez uma foto individual junto de cada uma dessas sepulturas na ilha de São Tiago [no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, foi erigido um Ossário Monumento para a trasladação dos restos mortais dos 32 antifascistas falecidos no Campo de concentração, cuja construção foi custeada por uma subscrição pública nacional e, essencialmente pelo marido de D. Herculana que foi, juntamente com sua esposa, os autores da ideia].
Depois da sua morte, o marido, em resposta aos pêsames recebidos dos presos do Tarrafal, comenta: “O seu pensamento constante eram os presos do Tarrafal. Quando vos beijava e abraçava era como se o fizesse aos seus filhos queridos. Quando aí no Cemitério colocava flores nas campas dos vossos queridos mortos e orava a Deus por eles, era como se fossem da sua própria carne” [Carta de 24 de Junho de 1952 de Luís Alves de Carvalho ao preso do Tarrafal João Faria Borda. Arquivo de Luiza da Costa Carvalho Lagoa].
Tomou ainda nota das moradas dos outros presos e prometeu-lhes regressar com notícias de todos os seus familiares. Para isso, teve de percorrer o país de Norte a Sul, a fim de localizar as respectivas famílias. De novo se encheram álbuns fotográficos com essas famílias, com destino a nova viagem ao Tarrafal.
Josué Martins Romão, aí prisioneiro, recordou-a mais tarde num texto a que deu o título: Singela homenagem à mulher dos antifascistas presos no Tarrafal, do qual se transcreve o relato do seu encontro com D. Herculana: “Nos longos anos que passamos no Tarrafal, […] tivemos apenas uma visita. […] Descrever todos os obstáculos que esta mãe teve de enfrentar, desde a respectiva autorização para a visita, ao fretar um avião, com um mínimo de segurança, ao barquinho de cabotagem da ilha do Sal para a ilha de S. Tiago (onde nos encontrávamos) era por ventura, só por si, uma epopeia digna de registo aparte […] mal abraçou o filho e de imediato, um a um, todos os companheiros dignos da sua condição de presos antifascistas, esta mulher, como que a pedir-nos desculpa desta ousadia, propôs-nos isto: // - Amigos! A alegria, como deveis calcular, que eu sinto neste momento é imensa. Poderá, talvez, interpretar-se como egoísmo de Mãe estar aqui hoje presente. Mas ao vê-los a todos sinto-me como que envergonhada ao lembrar-me das vossas mães, das vossas companheiras, enfim de todos os vossos familiares que jamais poderão ter a sorte que eu tive, enquanto aqui permanecerem. Peço-vos do coração, que me forneçam uma lista com os vossos nomes e respectivas moradas de vossos familiares lá na terra”.
Segundo Alice Maldonado [1925-2013], D. Herculana levava para o Tarrafal, e também para outras prisões, muitos remédios para os presos através do seu marido, Maldonado Freitas, médico antifascista, que lhos fornecia.
D. Herculana Carvalho faleceu em Lisboa em 1952, no Hospital da CUF, vítima de doença cancerosa com cinquenta e um anos de idade. Pouco tempo antes de falecer, pôde ainda ver o seu filho Guilherme, na altura preso em Peniche, graças ao engenho do marido que ultrapassou os constrangimentos repressivos da PIDE que, argumentando a eventualidade de evasão do detido, pretendia nem sequer cumprir a lei que permitia nestes casos estas visitas. A sua morte foi sentida profundamente não só pelos familiares e amigos próximos, mas por todos os presos que a conheceram, em especial os tarrafalistas.
Fernando Lopes Graça, que acompanhou entre dezenas de pessoas o seu funeral ao Porto, compôs uma Elegia em sua memória. Mulheres e homens que a conheceram, quiseram individualizar as suas homenagens através dos jornais a esta mulher tão solidária com todos.
Maria Florinda da Palma Carlos, escreveu para o República, pouco depois da sua morte, evocando a sua generosidade: “tínhamos credos diferentes, ela sabia-o, mas o que era isso para o seu feitio generoso e compreensivo? Era assunto em que nem ao de leve se tocava. Eu era uma Mãe amargurada e que mais seria necessário para vir junto de mim?” [República, 7/6/1952].
Manuel Lavrado, no primeiro aniversário do falecimento, escreve também no jornal República: “é certo que no pensamento das pessoas da sua convivência não morreu – nem morrerá! a lembrança das suas desassombradas atitudes, de coragem, de abnegação, e de solidariedade humana. […] Foi uma democrata, talvez sem saber que o era…” [República, 16/5/1953].
Humberto Lopes, um amigo dos tempos de estudante de seu filho, recordou-a: “com esse supremo equilíbrio moral e intelectual buscou e encontrou outras certezas, outras auroras, outras razões de querer, de esperar e de lutar” [República, 16/10/1952].
Durante muitos anos foi recordada neste jornal, e sempre com a nota final de agradecimento da redacção ao seu marido, que entregava quantias generosas “destinadas aos protegidos de Republica em memória da sua sempre saudosa esposa, do seu querido pai e também dos seus saudosos amigos Silo Cal Brandão e Rocha Martins” [República, 16/5/1967].
Em 16 de Maio de 1964, os antifascistas da Marinha Grande desenharam e fizeram, para oferecer ao seu filho Guilherme, uma jarra de vidro, com uma reprodução da foto de D. Herculana, sobre a qual inscreveram a seguinte dedicatória Democratas da Marinha Grande oferecem a Guilherme da Costa Carvalho em memória da sua saudosa mãe.
Um ano depois da sua morte, a 19 de Outubro de 1952, o corpo foi trasladado de um jazigo de amigos, para um construído especialmente para D. Herculana e que tem o seu nome, sobre uma escultura, que reproduz uma das pombas de Picasso.
No dia da trasladação dos restos mortais, falaram na cerimónia, e segundo relato nos jornais, “os srs. João da Silva Campelo, prof. Doutor Rui Luís Gomes, eng.ª Virgínia de Moura, drs. Humberto Lopes e Lino Lima, Leopoldo Lino, D. Alice de Almeida e Maria do Carmo de Almeida, que exaltaram os predicados da malograda e saudosa senhora. Entre as pessoas que se encontravam no cemitério, distinguimos, ao acaso, os srs. Eduardo dos Santos Silva, António de Macedo, Mário e Carlos Cal Brandão e coronel Hélder Ribeiro” [República, 19/10/1952].
Luís de Carvalho, o marido, prestou-lhe ainda uma homenagem ao inaugurar no jardim de sua casa o busto de Herculana, em cuja coluna se lê uma das frases que costumava dizer em relação a Guilherme da Costa Carvalho - “se voltasses ao meu seio, meu filho, e eu pudesse defender-te, como quando te criei morria feliz” - e outra em relação ao seu marido – “dava tudo por ti, Luís”.
Mais tarde, no XV aniversário da sua morte, Luís da Silva Carvalho editou, para circulação entre amigos, um conjunto de 42 pequenos poemas do seu filho Guilherme dedicados à memória de sua mãe e das suas avós, quando tinha 42 anos. O livro intitula-se 42 Hai-Kais, Relâmpagos do meu coração. Esses poemas foram escritos por Guilherme em papel de mortalha. A letra das palavras era tão minúscula que só foi possível decifrá-las à lupa e, segundo a própria irmã, também deverão ter sido escritas do mesmo modo. Os papéis saíram da prisão do Aljube onde se encontrava, e que nos poemas chama de Catóquio, palavras inventada como outras, prevenindo eventuais buscas da PIDE, muito escondidos nos enchumaços de um casaco que ia para a lavandaria.
Guilherme da Costa Carvalho teve, na morte, igual destino ao de sua mãe. Faleceu com a mesma idade no Instituto de Oncologia em Lisboa, a 23 de Março de 1973. Tinha sido posto em liberdade pelo facto de estar já muito doente.
[Lúcia Serralheiro]
Sem comentários:
Enviar um comentário