[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sexta-feira, 12 de abril de 2019

[2099.] JOSÉ ANTÓNIO CABRITA [I] || DEPORTADOS EM TIMOR

* JOSÉ ANTÓNIO CABRITA *

NA LONJURA DE TIMOR | LHA DOOK RAI TIMOR

Díli || Crocodilo Azul || 2016


Imperdível leitura para quem queira acompanhar as diferentes vagas de deportados, «aqueles que estão fora do seu porto por terem sido dele expulsos, do seu bom porto, entenda-se», e de degredados, aqueles «que estão em lugar que não agrada, mas que não podem deixar», para Timor, chegando a totalizar meio milhar de homens. 

Numa escrita apurada e envolvente da primeira à última nótula, suportada no rigor da interpretação e interpelação das fontes, José António Cabrita cruza com exactidão e exaustão documentos oficiais, imprensa, livros, registos memorialistas e narrativas que as famílias preservam, reconstruindo, “Na lonjura de Timor”, percursos e vivências de Homens que o tempo apagou ou foi esquecendo.

Primeiro, aqueles que, na segunda metade do século XIX, para lá foram remetidos enquanto presos civis, vadios e cadastrados: os catorze sobrevivos que constam da relação de Março de 1857, escriturada pelo Governador Luís Augusto de Almeida Macedo; e os onze deportados e cerca de trinta soldados «condenados em tribunal militar» e «compelidos a cumprir a pena de servir no ultramar», desembarcados em 18 de Novembro de 1859.

Depois, os indianos “Fondús”, «súbditos ingleses degredados em Timor», e “Ranes”, oriundos da «Índia Portuguesa» que, na segunda metade do século XIX e início do seguinte, deram continuidade à «vocação carcereira» da ilha, sem deixar cair no esquecimento dois companheiros e conselheiros de Gungunhana que, em 1933, viram autorizado o seu regresso a Moçambique, pondo fim a quase três décadas de deportação.

Por fim, o grupo de Homens que, por defenderem causas – sociais e políticas –, viram as suas vidas aí desterradas e reiniciadas: no tempo da Monarquia quando, em Setembro de 1896, o navio África desembarcou, em Díli, «catorze homens, tidos por anarquistas»; na sequência de acontecimentos da década de 20, durante a 1.ª República, com o navio Pero de Alenquer a largar, em Setembro de 1927, activistas das juventudes sindicalistas e outros acusados de pertencerem à “Legião Vermelha” e, como tal, estarem envolvidos no atentado contra o tenente-coronel João Maria Ferreira do Amaral, comandante da Polícia Cívica de Lisboa, ocorrido em 15 de Maio de 1925; ou por terem participado em revoltas reviralhistas contra a Ditadura Militar, nomeadamente no movimento revolucionário de 26 de Agosto de 1931, enchendo os navios Pedro Gomes e Gil Eanes que, embora largados de Lisboa em alturas diferentes e tendo seguido rotas distintas, aportaram no mesmo mês de Outubro de 1931; culminando no são-tomense Mário Lopes da Silva, o último deportado para Timor em forma de «residência fixada» e aí chegado em 23 de Julho de 1947. 

São muitos os nomes revisitados e revividos por José António Cabrita, sendo de realçar os de Antero Tavares de Carvalho, “perigoso” anarquista que integrou a leva de 1896, exerceu vários cargos da administração colonial em diversas possessões e chegou a Governador Interino de Angola, nomeado em Agosto de 1924; Joaquim António Pereira, o “Bela Kun”, que «acabaria por morrer à fome, em Dezembro de 1929, no presídio de Batugadé […] após um conflito com outro deportado» e o anarquista José da Silva Gordinho, de novo perseguido e preso aquando do regresso em 1946, ambos do grupo de 1927; e António Augusto Dias Antunes, envolvido no movimento revolucionário de 26 de Agosto de 1931. Militar mais graduado dos que estavam deportados, zelou por estes enquanto seu representante junto das autoridades coloniais de Timor e muito contribuiu para que o campo de concentração de Ataúro não degenerasse, antes do tempo, «num Tarrafal».

A narrativa de José António Cabrita prolonga-se para além de 5 de Dezembro de 1932, quando houve a amnistia para muitos dos que se encontravam em Timor, sendo oito os não abrangidos, entre os quais três que já tinham conseguido evadir-se [Alfredo António Chaves, Francisco Oliveira Pio e Manuel António Correia].

O foco passa, então, para o percurso, vivências e famílias de dois deportados com atitudes opostas durante a invasão japonesa de Timor na sequência da Segunda Guerra Mundial: Manuel Viegas Carracalão, anarquista e antigo dirigente das Juventudes Sindicalistas chegado em 1927, enquanto defensor da posição de neutralidade face ao conflito, atitude perfilhada pelo Governo Português; e Carlos Cal Brandão, maçon e oposicionista que aportara em 1931, enfileirando na resistência das forças aliadas à ocupação nipónica. E enquanto o primeiro vai deixando cair no esquecimento os ideais do seu passado, integrando-se nos meandros coloniais de Timor até 1974, Carlos Cal Brandão, que tinha sido evacuado para a Austrália em 1943 e seria impedido de regressar a Timor finda a Guerra, como desejava, manteve-se enquanto antifascista até 1973, ano em que faleceu, com várias detenções e prisões pela PIDE. 

Na lonjura de Timor” encerra com Mário Lopes da Silva, o último deportado aí chegado em Julho de 1947, depois de vivências atribuladas na Guiné, de onde fora decretado a sua expulsão em 1931, e em S. Tomé, «onde havia ousado afrontar o governador», o major Carlos de Sousa Gorgulho.

Sem nunca descurar a precisão de conceitos e os contextos sociais, políticos, institucionais e familiares de cada situação em análise, quando as fontes se revelam parcas no elucidar dos acontecimentos, José António Cabrita não hesita em sugerir hipóteses fundamentadas e colmatar vazios interpretativos.

Num livro recheado de vivências duramente marcadas pelos decisores políticos de cada época, envolvendo “presos civis, vadios e cadastrados”, “deportados sociais” e “deportados políticos”, muitos outros nomes preenchem as dez nótulas, magistralmente encadeadas umas nas outras: «Alguns não resistiram às duras condições de vida; outros ali ganharam impulso para outros destinos, havendo um que alcançaria, até, um dos mais altos lugares da administração colonial; outros, ainda, se ficaram pela ilha verde e vermelha de Timor, construindo família e forjando um património material e social de grande vulto; e houve quem, vencido o tempo da pena, voltasse às suas origens para continuar a lutar pelos seus ideais». 

O meu muito obrigado ao Autor por dar a conhecer e a ler este belíssimo e estimulante livro.




[José António Cabrita || Na lonjura de Timor || Crocodilo Azul || 2016]

[João Esteves]

2 comentários:

Unknown disse...

O autor é algarvio. Onde arranjar um livro?

João Esteves disse...

Não descobri nenhum local que tivesse disponível para venda o livro.Talvez entrando em contacto com o Autor.