[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sexta-feira, 23 de março de 2018

[1774.] ANA DE CASTRO OSÓRIO || 1872 - 1935

* ANA DE CASTRO OSÓRIO (18 de Junho de 1872 – 23 de Março de 1935) || O FALECIMENTO HÁ 83 ANOS *

[Álbum Republicano || 1908]

Falecida há 83 anos, em 23 de Março de 1935, Ana de Castro Osório deixou um importante legado que importa evocar, estudar e divulgar.

Ana de Castro Osório e o Feminismo em Portugal

I - Nota Prévia

1.º Ana de Castro Osório foi uma figura destacada e reconhecida no seu tempo, com intervenção pública entre finais do século XIX e 1935, ano da sua morte.

2.º Deixou marcas visíveis nos quatro regimes a que sobreviveu: Monarquia, República, Ditadura Militar, Estado Novo.

3.º Correspondeu-se com centenas de figuras públicas, num total de milhares de missivas: políticos, escritores, intelectuais, diplomatas, militares, governantes…

4.º Assegurou colaboração em dezenas de periódicos: de educação; femininos; feministas; republicanos; literários; nacionais; locais; regionais.

5.º Assinou textos e editoriais de primeira página e dirigiu secções.

6.º O seu funeral ilustra, por um lado, a importância do nome e a mescla de contactos que soube manter durante toda a vida adulta, tendo os jornais destacado muitas dezenas de nomes que assistiram às cerimónias fúnebres, entre os quais:

Aquilino Ribeiro // Carlos Lemos // Tovar de Lemos // Bernardino Machado (filho) // Hernâni Cidade // Joaquim Manso // João de Barros // António Sérgio // Diogo de Macedo // José Rodrigues Miguéis // Manuel Mendes // Luís Montalvôr // Fernando Pessoa (que faleceria no mesmo ano, poucos meses depois, em Novembro) // Fernanda de Castro // Emília de Sousa Costa // Teresa Leitão de Barros // Albertina Paraíso // Maria Veleda // Regina Quintanilha.

Estiveram ainda presentes, militares e representantes dos Ministros das Colónias e dos Negócios Estrangeiros, de colectividades e de instituições de ensino.

[Diário de Lisboa || 25 de Março de 1935]

7.º Esta mescla entre republicanos, monárquicos e autoridades militares da ditadura e governantes salazaristas resulta do seu próprio percurso, tendo sempre procurado: ser conhecida // ser reconhecida // triunfar no campo literário, educativo e pedagógico.

8.º O seu percurso foi longo, duradouro, intenso, polémico, contraditório:

a) Começou por estar associada à divulgação de poetas e escritores, setubalenses [António Maria Eusébio, o Calafate (1902)] e nacionais [Garrett (1899) e Bocage (1905)].

b) Passou para a literatura infantil, com a criação de uma Casa Editora Para as Crianças.


c) Aventurou-se na produção de livros escolares e de leitura para todos os anos do ensino primário (em Portugal e no Brasil).

d) Proclamou-se feminista.

e) Foi iniciada na Maçonaria, na Loja Humanidade do GOLU.


f) Interveio em defesa da proclamação da República.

g) Relançou o associativismo feminino, feminista, republicano, sufragista e nacionalista.

h) Defendeu a intervenção de Portugal na 1.ª Guerra e entregou-se, entre 1916 e 1933, à Cruzada das Mulheres Portuguesas.


i) Foi-se desiludindo com a República, por esta não reconhecer os seus “méritos”. Apenas desempenhou, em 1916, o cargo de Subinspectora do Trabalho, sendo, aliás, criticada pelas associações de classe.

j) Na década de 20, o nacionalismo e o conservadorismo triunfaram sob as restantes vertentes do seu pensamento.

k) Procurou, obsessivamente, pôr de pé o seu projeto de uma Aliança Luso-Brasileira.

l) Voltou-se, definitivamente, para a escrita, muito conservadora, centrada na defesa dos valores da Pátria, da Raça e das mulheres enquanto geradoras de filhos e suas educadoras.

m) Recusou ser condecorada pela República e aceitou sê-lo pelo regime saído do 28 de Maio de 1926.

9.º Apesar desta intensa vivência, falta um estudo abrangente do que foram dezenas de anos de intervenção literária, educativa, política e feminista.

10.º Não o há, talvez: pela intensidade da sua intervenção; pela aparente complexidade da sua evolução e posicionamentos; pelo vasto material que deixou e ainda por estudar; e, sobretudo, por não ser uma figura que não provoque a mesma empatia que outros nomes, até pelas contradições que encerra e opções tomadas.

II - Ana de Castro Osório Republicana

Ana de Castro Osório está indubitavelmente associada à República.

1.º É a única mulher a figurar na aguarela pintada por Alfredo Roque Gameiro em 1911 e no qual constam 161 dirigentes republicanos. Está retratada em primeiro plano.

[Roque Gameiro || 1911]

2.º Considerava a República como um regime e uma forma de governo mais favorável às pretensões das mulheres. 

3.º Esperava da República um outro reconhecimento que a Monarquia lhe negava, nomeadamente quanto às suas obras para o ensino.

4.º No entanto, considerava que a República poderia seguir os mesmos passos da Revolução Francesa e trair as aspirações femininas.

5.º Escolhida por António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lima para dirigir a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.

[Liga Republicana das Mulheres Portuguesas || Estandarte]

6.º Discursou, em Abril de 1909, no Congresso do Partido Republicano Português realizado em Setúbal.

[O Mundo || 24/04/1909]

7.º Participou na reunião do Directório Republicano de 30 de Janeiro de 1910.

8.º Uma vez implantada a República, assumiu-se cada vez mais como nacionalista, em detrimento das suas opções feministas.

9.º A Guerra ajudou a concretizar o sonho de liderar uma organização patriótica de implantação nacional – a Cruzada das Mulheres Portuguesas –, mas tal só seria possível com o papel desempenhado por Elzira Dantas Machado já que Ana de Castro Osório não era uma pessoa consensual. 

Aliás, Elzira Dantas Machado seria muito mais afetada e perseguida pelo Sidonismo do que Ana de Castro Osório, apesar do papel relevante desta no âmbito da CMP.

10.º Republicana, Ana de Castro Osório virou definitivamente as costas à República ainda no final dos anos 10 e a rutura consumou-se na década de 20, enveredando pelo mesmo caminho dos filhos, presos por associados aos movimentos nacionalistas de 1922.

11.º Em virtude desta deriva, foi acusada pelo velho republicano Carlos Magalhães Ferraz, em carta a si dirigida, de se ter tornado:
  • Adversária do parlamentarismo.
  • Defensora de um regime presidencialista.
  • Adepta de um movimento nacional, que estaria a ser preparado pelas novas gerações, embora não estivesse em causa o republica¬nismo da escritora: “apesar de pelo visto não sermos já correligionários na Democracia, somo-lo na República” [carta de 30 de Junho de 1922].


12.º Estava explicada a recusa em ser condecorada com a Ordem de Santiago, atribuída pelo governo da República em 1919, mas aceitaria, já durante o Estado Novo, sê-lo com a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial, “com que o Governo a agraciou, como justa recompensa pelos esforços, por ela desenvolvidos, em prol da silvicultura e do ressurgimento das indústrias caseiras, genuinamente nacionais, como a das rendas e a da tapeçaria”.

III - Ana de Castro Osório Feminista

1.º É o nome mais conhecido do feminismo português da 1.ª vaga, destacando-se, enquanto feminista na 1.ª década do século XX.

2.º Aspirou a fundar um Partido Feminista, tal como confessou a Bernardino Machado em carta datada de 1904.

3.º Publicou, em 1905, a obra Às mulheres Portuguesas, considerado por Regina Tavares da Silva “o manifesto do movimento feminista português”, ao abordar, “de forma muito clara e radical questões relacionadas, por um lado, com a situação da mulher, o seu estatuto legal e os condicionalismos culturais inerentes e, por outro lado, questões de índole mais teórica, sobre o feminismo, a igualdade dos sexos, o direito à educação e ao trabalho, o direito a salário igual”.


4.º Criou, em 1907, o Grupo Português de Estudos Feministas, juntamente com Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo e Maria Veleda, nome decalcado de uma organização francesa de mulheres.


5.º Redigiu a Tese “Feminismo”, apresentada no Congresso Nacional do Livre Pensamento realizado em Abril de 1908:

[O Mundo || 22/04/1908]

Reconhecimento da absoluta liberdade da mulher, com relação ao exercício de todos os direitos individuais, civis, políticos e profissionais.
As primeiras aspirações feministas podem, no momento atual, resumir-se ao seguinte:
I – Educação intelectual, moral e física da mulher.
II – Igualdade entre os dois sexos, perante o Código Civil.
III – Direitos políticos da mulher.
1.º - A mulher precisa, antes de tudo, ser convenientemente educada, para se poder desempenhar da sua nobre tarefa de educadora de todos os instantes e formadora das gerações futuras.
2.º - Às mulheres serão facultadas todas as profissões que as habilitem a lutar contra a prostituição e a miséria, sempre que lhes falte o apoio do seu natural companheiro e amigo – o homem – Como nem todas as mulheres casam todas devem saber trabalhar.
3.º - Não deve a mulher ser considerada menor, em caso algum, depois da maioridade legal para ambos os sexos, exceto no caso de interdição.
4.º - O divórcio, como está estabelecido na lei francesa, impõe-se, sendo a indissolubilidade do matrimónio um atentado gravíssimo à liberdade e à igualdade, tanto do homem como da mulher.

6.º Esteve, em Agosto de 1908, na origem e direcção da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.

7.º À medida que a luta pela mudança de regime se intensificou, o republicanismo sobrepôs-se ao feminismo.

8.º Após a implantação da República, tornou-se declaradamente sufragista, defendendo o voto restrito para uma minoria de mulheres.

[O Radical || 12/02/1911]

9.º Desligou-se da Liga Republicana, por esta ter radicalizado às suas posições com Maria Veleda a sua frente, e fundou, com Carolina Beatriz Ângelo, a Associação de Propaganda Feminista – Maio de 1911.

[Logótipo da APF]

10.º Defensora da entrada de Portugal na Guerra, o seu nacionalismo e patriotismo vingaram sobre as ideias feministas:
  • Criou, em 1914, a Comissão Feminina Pela Pátria.

  • Dedicou-se, entre 1916 e 1933, à Cruzada das Mulheres Portuguesas.


11.º Nunca integrou associações que não tivessem sido fundadas por si.

12.º Recusou aderir à Liga Portuguesa da Paz, de Alice Pestana, por não ser pacifista, nem acreditar nele.

13.º Não se associou ao CNMP, nem participou nos Congressos Feministas e de Educação de 1924 e 1928.

14.º O seu feminismo tornou-se cada vez mais conservador, defendendo nas suas obras literárias que o objetivo da mulher burguesa era fazer um bom casamento, apoiar o marido, ter filhos e educá-los, revelando-se contrária ao divórcio.  

IV - Ana de Castro Osório Pedagoga

Para além da intervenção republicana e feminista, Ana de Castro Osório procurou destacar-se enquanto pedagoga.

1.º Foi autora e divulgadora da literatura infantil, apontada como a sua iniciadora e principal impulsionadora, mediante a publicação regular, às suas custas, de fascículos de histórias para crianças, com base em contos tradicionais portugueses.

2.º Em Abril de 1897, lançou-se na publicação da Coleção Para as Crianças, empresa que tornaria nacionalmente conhecida e pô-la em contacto com crianças de todas as idades, homens de letras, jornalistas e políticos. Tinha sede na Praça de Bocage, 114-116, onde também funcionava parte dos Armazéns de Móveis do marido, Francisco Paulino de Oliveira. 

3.º Uma importante obra educativa para os mais novos, devido ao conteúdo didático, formativo e moralizante de inspiração portuguesa. 

4.º Foram publicados na totalidade 18 volumes (ou séries), compostos por histórias populares portuguesas, narrativas doutrinárias e educativas, contos originais, peças de teatro e poesia:
  • Fez recolha direta de contos tradicionais em diversas províncias, a partir da tradição oral e popular.
  • Recriou muitos outros.
  • Editou originais seus.
  • Traduziu contos dos irmãos Grimm, C. Perrault, H. C. Andersen, Rosália Hoch, A. Stein, Irieda Schuette e S. A. E. M. Mees, em colaboração com Afonso Hincher e Louise Ey.
  • Colaborou com importantes ilustradores e ilustradoras: Leal da Câmara, Raquel Roque Gameiro, Hebe Gonçalves, Laura de Almeida Nogueira, Alfredo Morais, Conceição Silva, Mily Possoz.
  • As suas tiragens atingiram na totalidade várias dezenas de milhares de exemplares.

5.º O êxito residiu:
  • Na utilização de uma linguagem simples, repleta de diálogos e muito ligada aos valores da natureza e da Pátria.
  • Na preocupação com o aspeto gráfico.
  • No esforço de Ana de Castro Osório para tornar os livrinhos de pequeno formato conhecidos em toda a parte, criando uma rede de assinantes, que assim os recebiam a preços mais económicos.

6.º Ana de Castro Osório considerava que a literatura infantil devia e podia funcionar como instrumento de educação das crianças e do povo, analfabeto ou pouco instruído.

7.º Refutava a ideia que esse género literário tivesse de ser banal e vazio de sentido, pois as crianças deviam ser tomadas a sério, e o gosto pela leitura e a formação da sensibilidade artística passava necessariamente pelas lendas, contos tradicionais e dizeres do povo, indispensáveis ao desenvolvimento da sua inteligência, alargamento da fantasia e do imaginário e ligação às raízes históricas do país e às memórias do seu povo; não infantilizava a criança e aliava a componente lúdica a aspectos didácticos, procurando criar uma leitura acessível.

8.º A ascendência que mantinha junto do público infantil estendeu-se também ao ensino, mediante livros didáticos: várias obras suas foram aprovadas oficialmente como livros de leitura para as 2ª, 3ª, 4ª e 5ª classes e para prémios escolares, alargando-se essa influência até ao Brasil.

9.º Havia a preocupação:
  • Em contribuir para a educação cívica e patriótica das crianças.
  • Incutir nelas os valores laicos.
  • Reforçar o nacionalismo e patriotismo, muito próprios do ideário republicano. 
  • Valoriza o amor pelas coisas portuguesas”, “realçando figuras históricas cujo ideário político ou social tinha algo a ver com as suas próprias opções”.

10.º Procurava ainda:
  • Combater todas as formas de superstição.
  • Realçar a razão e a ciência.
  • Enaltecer o amor à natureza e aos animais. 
  • Fazer triunfar a escola absolutamente laica e intransigentemente patriótica, pois só dela adviria a consolidação da República.
  • Por isso, saudou a nomeação, ainda que efémera, de Magalhães Lima para Ministro da Instrução, depois da revolução de 14/05/1915, acalentando a esperança que soubesse dar outro rumo à situação do ensino.

11.º Apesar de ser sobejamente conhecida, alguns dos seus livros foram recusados para prémios escolares durante o tempo da Monarquia, tentando mesmo contactar João Franco para desbloquear a situação.

12.º Foi acusada, entre outras coisas, de sofrer em demasia a influência das fontes francesas, prejudicando a sua forma literária, e evidenciar uma “tradução descurada e inadmissível”.

13.º Anos depois, aquando do concurso aberto em Abril de 1920, para livros destinados às escolas do ensino primário geral e ensino primário superior, na Memória Justificativa, dirigida à Comissão encarregada de os julgar, “acusou” que já há dez anos esperava da República um Concurso em que todos pudessem enviar os seus livros destinados à instrução infantil. 

14.º Para a escritora, não se “constrói uma sociedade, nem se reforma uma Pátria se as crianças não forem desde os primeiros anos dirigidas, instruídas e disciplinadas para um alto fim de grandeza e idealismo superior da Pátria, a que pertencem, e do grupo racial em que se filiam” (ACPC, Esp. N12). E denunciava o facto do novo regime continuar a dar às crianças manuais de leitura mal adaptados e mal preparados que vinham do tempo do regime deposto e sem corresponder “às modernas ideias e exigências pedagógicas”.

15.º Também nestas obras, Ana de Castro Osório recorria:

  • À evocação de aspetos significativos da História de Portugal, pondo esse tom pedagógico ao serviço de argumentos nacionalistas, como sucedeu com o livro De Como Portugal foi Chamada à Guerra. História para Crianças. 
  • Fomentava o desenvolvimento da imaginação.
  • O amor pela Natureza e pelos outros seres.
  • A necessidade do trabalho.
  • O amor e dedicação à Pátria. 
  • Os aspetos práticos, para as preparar para a vida corrente. 

16.º Existia, ainda, o cuidado de produzir textos que envolvessem a realidade brasileira e pudessem atrair leitores do lado de lá do Atlântico, nunca descurando a potencial importância do seu mercado. Muitos daqueles manuais sofreram adaptações, consoante se destinavam ao nosso país, ou ao Brasil, e foi devido à obstinação da autora que alguns deles foram adoptados em estados brasileiros, nomeadamente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

17.º Propagandista da educação, Ana de Castro Osório reclamou sempre para o povo instrução, como veículo para o retirar da miséria em que vivia e, logo a seguir à implantação da República, defendeu a criação, pelo novo governo, de missões que fossem por todo o país ensinar, entre outras coisas, o povo a ler, escrever e contar.

18.º Reivindicava para a mulher o papel de educadora das crianças e a criação de escolas para proporcionar a todos a primeira instrução, incentivando-a a exigir creches, jardins-escola e escolas-oficinas, pois era aí que se ministrava a melhor educação. 

19.º Enquanto defensora da igualdade dos sexos e da emancipação social e económica da mulher, escreveu sobre o seu papel na sociedade e a urgente necessidade de o modificar e dignificar, realçando sempre a componente educativa como a fundamental.

20.º O papel feminino não se reduzia ao de mãe e de esposa e para a mulher poder romper com as tradicionais dependências e tornar-se economicamente independente necessitava de uma educação e instrução adequadas e do acesso a todos os estudos em igualdade de circunstâncias com os rapazes. Além disso, a sua educação devia ser cuidada e merecer atenção privilegiada, devido à função da mulher como principal educadora e formadora das crianças.

21.º Por todo este labor, nunca compreendeu, nem aceitou, que o primeiro governo da República não a tivesse convidado para desempenhar qualquer papel na ação educativa do país, pela qual tanto tinha lutado desde sempre.

V - Ana de Castro Osório Escritora

O ideário mais intrinsecamente conservador revela-se na sua produção literária, a mais genuína das produções porque não filtrada por interesses políticos momentâneos e datados, onde acaba por defender explicitamente opiniões contrárias às que defendeu enquanto feminista e educadora.

[Ana de Castro Osório || 12/06/1928 || ANTT]

1.º Assim, nas suas novelas, contos, romances, e mesmo livros didáticos, é feita a defesa da mulher enquanto veículo da regeneração da Nação e de preservação da Identidade Nacional.

2.º Nessas obras faz uma abordagem muito conservadora da Mulher, da sua educação, do trabalho e da independência económica, separando, num espírito de classe muito acentuado:
  • Senhoras / Mulheres.
  • Casadas / Solteiras.
  • Mães da burguesia / E as outras.
  • Burguesas / Operárias e Camponesas.
3.º O que importa é que, em nome da Pátria e da sua regeneração:
  • A mãe burguesa se case e saiba dedicar-se à família.
  • Apoiar e amparar o marido.
  • Educar nos valores pátrios os filhos, tornando-os melhores cidadãos.
  • Contribuir para a pureza da raça. 
  • Impedir a miscigenação da população.

4.º Depois de ter defendido publicamente a importância da independência económica das mulheres e o direito ao divórcio, o legado que deixa na sua literatura é que o casamento era um fim em si da mulher burguesa e a instituição por excelência na protecção e defesa dos seus direitos materiais, sendo ainda essencial cumprir com a maternidade.

5.º Daí ser algo contraditório que continue a ser um símbolo das feministas e do feminismo português.

[Ana de Castro Osório por Raquel Bastos, sua nora || 1933]

6.º O que sobressai é uma escritora:
  • Nacionalista.
  • Defensora da Pátria.
  • Preocupada com a Regeneração da Nação.
  • Enquadrando de forma muito espartilhada nessas preocupações o papel da mulher burguesa portuguesa.
Em síntese:

Faltam ainda muitas respostas para os percursos que Ana de Castro Osório tomou e que só os Arquivos Particulares e a sua correspondência podem ajudar a esclarecer.

No caso de Ana de Castro Osório, provavelmente mais importante do que os seus escritos, será a correspondência particular a que permitirá uma releitura do seu percurso.


[CIG || 2014]

NOTA IMPORTANTE:
Ana Barradas, no seu artigo "Ana de Castro Osório: O feminismo anti-operário e a greve das conserveiras de Setúbal", evoca o papel da escritora perante o operariado feminino setubalense, bem patente nas opções tomadas aquando das greves de Março de 1911 e que está omisso no texto acima, constituindo uma lacuna a corrigir quanto ao seu pensamento.

De facto, se Ana de Castro Osório é indissociável de Setúbal, pois ali forjou a sua identidade e se fez escritora e cidadã, os últimos momentos lá vividos ficaram marcados pelo movimento grevista que, em Março, afectou a cidade e envolveu, entre outros, o estabelecimento da irmã de Paulino de Oliveira, Maria da Conceição de Oliveira e Costa, culminando com 2 mortos pela GNR. 

Martins dos Santos, do jornal anarcossindicalista Germinal, questionou os fundamentos do feminismo de Ana de Castro Osório, que criticara as grevistas, considerou as pretensões das conserveiras extemporâneas e injustas, defendeu os fabricantes e chegou a ir trabalhar para um dos edifícios, atitudes que a definiram, como marca indelével até hoje, quanto à sua posição de classe  e que ficaram registadas em As operárias das fábricas de Setúbal e a Greve. Resposta de Ana de Castro Osório ao “Germinal”.

Agradeço a Ana Barradas o envio do seu artigo e, assim, a possibilidade de colmatar uma faceta extremamente relevante do feminismo burguês de Ana de Castro Osório.

[João Esteves]

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