[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 19 de junho de 2018

[1836.] CAROLINA LOFF DA FONSECA [I] || 1911 - 1999

* CAROLINA LOFF DA FONSECA (1911 - 1999) || IMPORTANTE DIRIGENTE COMUNISTA NA DÉCADA DE 1930 || EXPULSA DO PARTIDO COMUNISTA POR ENVOLVIMENTO EMOCIONAL COM O INSPECTOR DA PVDE JÚLIO DE ALMEIDA *

O percurso político de Carolina Loff é um dos mais polémicos e intrigantes, já que destacada militante e dirigente comunista na década de 30, com passagens pela União Soviética e missões da Internacional Comunista na Espanha Republicana durante a Guerra Civil, envolveu-se emocionalmente, depois de ter sido presa pela segunda vez, em 1940, com o inspector da PVDE responsável pelo seu processo. 

Apesar de expulsa do Partido Comunista, está por apurar o seu real envolvimento com os serviços de espionagem soviética, já que se revelara um quadro ao serviço da Internacional Comunista com tarefas atribuídas em Espanha e Portugal e que continuou, depois disso, a entrar e sair da URSS com enorme facilidade. 

[Carolina Loff || 01/06/1940 || ANTT || PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de Presos, liv. 63, registo n e 12405 || PT/TT/PlDE/E/010/63/12405 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Filha de Ida Loff Fonseca, "jovem destemida e moderna, de uma família abastada" [Anabela Natário, "Carolina Loff", Portuguesas com História - Século XX, Temas e Debates, 2008] nasceu em Cabo Verde (Praia, Santiago) em 12 de Novembro de 1911 e faleceu em 6 de Março de 1999, com 87 anos. 

O pai, Carlos Eugénio de Vasconcelos [1883 - 1928], seria natural da Madeira e os bisavós, "um ucraniano de apelido Loff e a belga Lídia Léger", emigraram para Cabo Verde em meados do século XIX, dando "início a um futuro próspero" [A. Natário].

Aos 15 anos partiu, com a mãe, para Lisboa e estudou no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, a funcionar no Largo do Carmo, onde concluiu o Curso Geral dos Liceus. 

Prima dos activistas comunistas Álvaro [1910 - 1975] e Dalila Duque da Fonseca [15/01/1911 - 1992], era, tal como aqueles, originária de Cabo Verde e dirigente da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas nos primórdios da década de 30, depois de ter aderido por intermédio de José Grácio Ribeiro, estudante de Direito mais tarde afastado e que enfileirou na União Nacional. 

Integrou a primeira célula feminina comunista, organizada por Wilma Freund, cedo se notabilizou pela dedicada militância e enquanto autora de parte dos artigos da imprensa da FJCP. 

[Carlos Luís Correia Matoso || 12/09/1931 || ANTT || ca-PT-TT-PVDE-Polícias-Anteriores-3-NT-8903 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Presa pela primeira vez em 6 de Setembro de 1932, quando estava grávida do seu companheiro Carlos Matoso e andava a colar propaganda. 

Passou pela Cadeia das Mónicas e, embora detida e sob vigilância da Polícia e Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), o parto ocorreu na Maternidade Bensaúde, onde a filha Helena nasceu em 1933. 

O companheiro Carlos Luís Correia Matoso [n. 15/07/1908], dirigente do Partido Comunista, não terá chegado a conhecer a filha Helena: julgado à revelia em 20 de Outubro de 1934 e condenado a 10 anos de degredo, foi preso em 11 de maio de 1938, passou sucessivamente por diversas esquadras, Cadeia do Aljube, Forte de Caxias e de Peniche, até ser enviado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde entrou em 20 de Junho de 1939. Solto em 20 de Dezembro de 1945, regressou em 10 de Janeiro de 1946 e emigrou para o Brasil, onde se suicidou “passado pouco tempo, em condições misteriosas” [Edmundo Pedro, Memórias. Um Combate pela Liberdade, I Volume, Âncora Editores, 2007]. 

Em Março de 1935, Carolina Loff partiu para a União Soviética com a bebé, a convite de Francisco Paula de Oliveira, frequentou a Escola Leninista, da Internacional Comunista, com o pseudónimo Ana Marta, e quando Bento Gonçalves e Álvaro Cunhal foram a Moscovo, nesse mesmo ano, reencontraram-na a trabalhar “como intérprete e tradutora nas edições em língua estrangeira” [José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolucionário (1913-1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999], destinadas sobretudo ao Brasil. 

[Carolina Loff || 01/06/1940 || ANTT || PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de Presos, liv. 63, registo n 12405 || PT/TT/PlDE/E/010/63/12405 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Aí, lidou com alguns dos nomes importantes da Internacional Comunista que, em 1937, a enviaram para Espanha com a finalidade de montar uma emissora clandestina do Comintern para Portugal (mais conhecida por rádio do PCP) que passasse por funcionar em Lisboa e denunciasse o apoio do governo aos revoltosos espanhóis, o que sucedeu: a emissão “era feita a partir do próprio edifício da sede do PCE em Valência e transmitida pela Telefónica para Madrid”, fazendo quase tudo sozinha – “era a locutora e redigia grande parte do material que era transmitido”. Além disso, “lidava directamente com os mais altos responsáveis do PCE” e intervém "junto da comunidade portuguesa exilada em Espanha, informando sobre o seu comportamento político quer o PCE, quer os serviços de informação associados ao secretariado de Togliatti /«Alfredo»” [JPP, vol. 1], usando um passaporte belga em nome de Berthe Mouchet. 

Nesse ano de 1937, o seu nome surgiu como possibilidade para substituir Armando Magalhães em Paris, o quadro mais influente naquela cidade e em rota de colisão com as orientações de Francisco de Paula Oliveira, então o principal dirigente do PCP, numa tentativa de solucionar conflitos internos que se arrastavam sem solução a contento deste. 

Em 1938, fez parte da direcção da União Antifascista dos Portugueses Resistentes em Espanha, sediada em Madrid, trabalhou no Comité da Frente Popular em Barcelona e manteve-se naquele país até ao fim da Guerra Civil, tendo sido presa e torturada pelos franquistas, afirmando-se então como jornalista belga. 

As autoridades espanholas entregaram-na na fronteira portuguesa em Outubro de 1939, “acompanha-da por um personagem misterioso [Nikolas Gargoff], suposto delegado da IC, e que vai ter um papel igualmente obscuro no processo da «reorganização»” [JPP, vol. 1] do Partido Comunista Português em 1940-1941.

Ao não ser, estranhamente, detida, regressou à luta política dentro do núcleo dirigente daquele. 

Até ser presa em Maio de 1940, viveu clandestina, usou o nome de Maria Luísa, manteve estreita colaboração com Álvaro Cunhal no Secretariado, contribuiu para a redacção de documentos políticos e de textos sobre a política internacional do movimento comunista, bem como interveio na sua distribuição. 

Devido ao comportamento na prisão, chegando a ser acareada com Álvaro Cunhal e Francisco Miguel, e ao facto de se ter ligado ao subinspector da PIDE Júlio de Almeida, com quem viveu cerca de dez anos e que, depois, partiu para Angola, viria a ser expulsa do Partido na década de 40, estando por apurar o real envolvimento com os serviços de espionagem soviética, já que se revelara um quadro ao serviço da Internacional Comunista com tarefas atribuídas em Espanha e Portugal e que continuou sempre a entrar e sair da URSS com enorme facilidade. 

[Carolina Loff || 01/061940 || ANTT || PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de Presos, liv. 63, registo n 12405 || PT/TT/PlDE/E/010/63/12405 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

O seu nome, a par do de Helena [Vieira] Faria, constou como exemplo nefasto nas primeiras edições do importante manual político de conduta em caso de detenção pela polícia política Se Fores Preso, Camarada..., bem como no Lutemos contra os espiões e provocadores – Breve história de alguns casos de provocação no PCP,  da autoria do Secretariado do CC do PCP e saído em 1952. 

Usou ainda os pseudónimos “Berta”, “Marta da Costa” e “Sylvie”. 

Edmundo Pedro manteve relações de amizade com Carolina Loff, que lhe apresentou a filha, então já sexagenária e mãe de um casal de gémeos, criada e educada na União Soviética, sendo uma dos muitos estrangeiros, incluindo filhos de portugueses, que passaram pela escola internacional de Ivanovo. 

O percurso intrigante e enigmático de Carolina Loff saiu reforçado por se ter recusado sempre, apesar da sua longevidade, a esclarecer episódios dessa vivência, originando, entre outras, as obra de ficção O Enigma de Zulmira, de Vasco Graça Moura, e Cartas Vermelhas, de Ana Cristina Silva. 

Segundo Anabela Natário, "Carolina afastou-se da política activa, mas nunca deixou de contribuir para as causas antifascistas, inclusive para o Partido Comunista".

Feminae - Dicionário Contemporâneo [Lisboa, CIG, 2013] incluiu uma nota biográfica de Carolina Loff da Fonseca.

NOTA: Atenção ao uso indevido das imagens sem a devida autorização do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos / 12405 [Carolina Loff Fonseca / PT-TT-PIDE-E-010-63-12405_m0001].

[João Esteves]

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