[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sexta-feira, 29 de junho de 2018

[1837.] JAIME DA FONSECA E SOUSA [I] || A MORTE NO TARRAFAL (1902 - 1940)

* JAIME DA FONSECA E SOUSA (1902 - 1940) || A CRUELDADE IMPUNE OU A MORTE DELIBERADA NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DO TARRAFAL *

Jaime da Fonseca e Sousa foi um dos muitos presos políticos a quem foi aplicada a máxima de "Quem vem para o Tarrafal vem para morrer!", sendo por isso conhecido pelo "Campo da Morte Lenta". 

[Jaime da Fonseca e Sousa || ANTT || RGP/74]

Com graves problemas hepáticos, tendo já sido operado de urgência ao fígado quando deportado em Angra do Heroísmo, mesmo assim foi enviado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde morreu ao fim de quase quatro anos. 

A crueldade das autoridades policiais e militares do fascismo português sobressai nos tormentos deliberadamente infligidos a Jaime da Fonseca e Sousa, apesar das diferentes diligências e súplicas da sua mãe, levando-os ao seu falecimento precoce.

Filho de Felisbela de Jesus Rodrigues e de Artur da Fonseca Sousa, Jaime da Fonseca e Sousa nasceu em 1902, em Tondela.

Impressor da Casa da Moeda, a viver no Ginjal - Cacilhas, seria o filiado 130 da Célula 19 do Comité de Zona Nº 1 do Partido Comunista, organismo a que também pertencia Abel Augusto Gomes de Abreu e António Franco Trindade, ambos colegas de trabalho.

No âmbito do trabalho partidário, desenvolvido em conjunto com aqueles dois, Álvaro Augusto Ferreira, Eleutério Lopes Grosso (caixeiro numa taberna da Calçada da Bica), Jaime Tiago e Manuel Francisco da Silva ("O Manuel Pedreiro" que faleceu em 24 de Agosto de 1941, quando detido na Fortaleza de Angra do Heroísmo) [RGP/138], guardava em sua casa "todo o material de que dispunha o Comité Central das Brigadas de Choque (Comité Revolucionário)", nomeadamente "material para fabrico de bombas e [...] bombas já feitas", "dinamite, rastilho, espoletas e balas de espingarda", "bombas de maçaneta" e "antimónio" [ANTT, Cadastro Político 5406].

Na sequência das detenções feitas em 24 de Abril de 1932, na Serra de Monsanto, quando muitos dos seus camaradas assistiam à demonstração e preparação de lançamento de bombas, Jaime da Fonseca e Sousa foi preso na tarde no dia a seguir, no seu local de trabalho.

Considerado "um elemento desembaraçado que procedeu consciente e perfeitamente integrado na política revolucionária do Partido comunista" [Processo 452/SPS], foi determinado, em 10 de Agosto, que lhe "seja fixada residência obrigatória em Cabo Verde ou Timor, sendo-lhe aplicado o decreto Nº 20314" [ANTT, Cadastro 5406].

Preso, durante 19 meses, na Penitenciária de Lisboa, passou para Peniche onde, em 19 de Novembro de 1933, embarcou para Angra do Heroísmo, a fim de ficar detido na Fortaleza de São João Baptista.

Julgado, em 24 de Agosto de 1934, pela Secção dos Açores do Tribunal Militar Especial, "acusado de, com outros co-réus, no ano de 1932, por diversas vezes, ter tomado parte no fabrico, transporte, detenção e uso, para experiência, de bombas explosivas, em Lisboa e arredores" e deter "numeroso material explosivo e bombas, que guardava em sua casa", foi condenado a doze anos de prisão no degredo e multa de vinte mil escudos, ficando à disposição do Governo [Processo 16/933, do TME].

Jaime Sousa interpôs recurso, mas o mesmo Tribunal, reunido em 30 de Agosto de 1934, manteve a sentença.

Em Janeiro de 1935, quando se encontrava internado no Hospital Militar de Angra do Heroísmo, requereu ao Ministério do Interior a sua transferência para um hospital de Lisboa, a fim de ser operado. Embora aquele tenha deferido o requerimento, o Ministério da Guerra não terá autorizado a sua deslocação para um hospital do continente. 

[Jaime da Fonseca e Sousa || ANTT || RGP/74]

Quatro meses depois, em 20 de Maio de 1935, quando ainda se encontrava no Hospital Militar de Angra, Jaime da Fonseca e Sousa foi operado de urgência ao fígado.

Nas anotações que constam do seu Registo Geral de Presos, e noutra documentação após o seu falecimento, é dado a entender que o preso não seguiu para Lisboa por a operação já ter sido feita em Angra do Heroísmo: no entanto, o pedido e autorização do ministro do Interior, bem como a solicitação ao Ministério da Guerra para promover o seu regresso ao Continente, datam de Janeiro de 1935, enquanto a intervenção cirúrgica só aconteceu em Maio!

Durante o ano de 1935, foi mantida regular troca de informações entre o Ministério do Interior, o da Guerra e a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, sendo que, em 24 de Junho, em Ofício Confidencial, o Ministério da Guerra informava que o preso, internado no Hospital Militar de Angra, estava em em condições de fazer qualquer viagem.

Em 15 de Julho de 1935, Jaime Sousa solicitou ao Ministro do Interior "que lhe seja dada por expiada a pena a que foi condenado pelo Tribunal Militar Especial, alegando, entre outros motivos, o da falta de saúde e o de ter dado a sua adesão à União Nacional, por declaração que foi enviada oficialmente pelo Comando Militar dos Açores ao Ministério do Interior" [Cadastro 5406].

Tal pretensão foi negada, em 14 de Agosto de 1935, ela PVDE e, em 23 de Outubro de 1936, Jaime da Fonseca e Sousa integrou a primeira leva de presos políticos que seguiu para o Campo de Concentração do Tarrafal.

[Jaime da Fonseca e Sousa || ANTT || RGP/74]

Em 28 de Julho de 1938, sua mãe enviou uma carta dactilografada ao ministro do Interior a solicitar a libertação do filho, assinando-a como Felisbela Rodrigues de Sousa.. Nela, invocava os 15 anos de trabalho na Casa da Moeda, "sempre com exemplar comportamento", atribuía a culpa de deter explosivos a um colega de trabalho, descrevia o seu estado de saúde, tendo sentido "os primeiros ataques de fígado no campo de concentração de Angra do Heroísmo" e, por fim, referia, que "está filiado na União Nacional, adesão que meu filho fez gostosamente quando para tal foi falado".

Nesta carta de súplica para que "restitua a uma pobre velha a alegria que há tanto perdeu", a mãe refere-se  a Angra do Heroísmo como um campo de concentração, o mesmo fazendo para "o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde", para onde o filho foi enviado e onde "vive no desesperante receio de uma biliosa, de que já teve sintomas, ou, o que é pior, da perniciosa" [Cadastro 5406, Carta ao ministro do Interior, datada de 28 de Julho de 1938].


Jaime da Fonseca e Sousa faleceu no Campo de Concentração do Tarrafal em 7 de Julho de 1940, quando teria 37 ou 38 anos de idade. 

Fontes:
ANTT, Cadastro Político 5406 [Jaime da Fonseca Sousa / PT-TT-PIDE-E-001-CX10_m0303, m0303a, m0303b, m0303c, m0303d, m0303e, m0303f, m0303g, m0303h, m0303i, m0303j, m0303k].
ANTT, Registo Geral de Presos / 74 [Jaime da Fonseca e Sousa / PT-TT-PIDE-E-10-1-74_c0162].

[João Esteves]

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