* MANUEL GUILHERME DE ALMEIDA *
[10/09/1898 - 11/11/1992]
Manuel Guilherme de Almeida (1898 - 1992): Pequena biografia de um natural de Janeiro de Cima
Edição da Câmara Municipal do Fundão || Maio de 2022
Alfaiate, inventor, professor de corte, sindicalista, preso político, deportado, mestre, comendador, pai, avô e bisavô, Manuel Guilherme de Almeida foi homenageado em Janeiro de Cima, sua terra natal, em 29 de Maio de 2022, tendo a Câmara Municipal do Fundão publicado esta importante biografia da autoria de Guilherme de Almeida, seu filho mais novo.
Nome incontornável da alfaiataria portuguesa, Manuel Guilherme de Almeida foi, desde muito jovem, um defensor da sua classe e o seu activismo associativo e político, neste caso no âmbito do Partido Comunista Português e do Socorro Vermelho Internacional, levaram a que fosse preso quatro vezes durante a 1.ª República (1920, 1922), “por ser conhecido agitador da classe operária", e cinco durante o fascismo (1931, 1935, 1943, 1956, 1963), conhecendo, ainda, a deportação em 1931 e 1936.
Entre 14 de Abril de 1920 e 13 de Outubro de 1964, totalizou 93 meses de privação da liberdade, passando por numerosas esquadras, nomeadamente a 1.ª, Campo de Concentração de Ataúro (Timor), Aljube, Forte de S. Julião da Barra, Forte de Caxias, Fortaleza Militar de Peniche e Fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo. Juntamente com a sua mulher, Alice Marques Louro de Almeida (1907 - 1983), prestou inestimável apoio aos presos políticos e suas famílias, fosse ele humano, material ou jurídico, numa permanente e arriscada solidariedade reconhecida por todos os que dela usufruíram.
Filho de José Guilherme (1873 - 1959), assalariado rural, e de Maria do Carmo de Almeida (1873 - 1939), Manuel Guilherme de Almeida, o primogénito de sete irmãos, nasceu em 10 de Setembro de 1898, na aldeia de Janeiro de Cima, terra natal de seus pais e avós.
A partir de 1908, passou a residir em Lisboa, onde os pais já viviam e labutavam, aí concluindo a 3.ª e 4.ª classes. Em finais de 1911, com 13 anos, começou a trabalhar como aprendiz de alfaiate, após responder a um anúncio publicado no Diário de Notícias, iniciando uma invulgar, reconhecida e prestigiada carreira nesse ramo: oficial (1918), contramestre (1923) e, por fim, mestre. Leccionou aulas de corte na Associação Fraternal dos Operários Alfaiates de Lisboa, de que era sócio desde 1913, e aprofundou um novo método de corte, "de sua autoria, inovador e eficaz" [p. 21].
Encerrada aquela pelo Estado Novo em Setembro de 1933 e extinta a escola de corte, fundou, em 4 de Março de 1934, com António Mendes Baptista, a Academia de Corte Geométrico, desenvolvendo o seu método de corte, que denominou sistema Maguidal (acrónimo de Manuel Guilherme d'Almeida). A partir de Março de 1939, aquela instituição passou a denominar-se Academia de Corte Sistema Maguidal: criou e leccionou cursos de alfaiataria, cursos de camiseiro e cursos por correspondência para alunos de fora de Lisboa, lançando, nesse mesmo ano, a revista trimestral Vestir, que duraria até 1985. Em 1943, passou a produzir um Álbum semestral de figurinos, denominado Moda Actual e que perdurou sete anos.
Nunca descurando a sua classe e as dificuldades que enfrentava na velhice, esteve, em 1944, entre os fundadores da Casa de Repouso dos Alfaiates de Portugal, destinada aos idosos que ficavam sem meios de subsistência. Ainda na década de 1940, em 1948, publicou o livro Método de Corte Sistema Maguidal, obra pioneira e a mais completa da alfaiataria portuguesa, reeditada em 1962. Palestras, conferências, exposições e congressos, a par dos Cursos que ministrava, preenchiam a vida profissional, tendo a Academia formado mais de 3500 alfaiates durante mais de meio século. Em 10 de Junho de 1983, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem de Mérito Industrial.
A par do invulgar percurso profissional, Manuel Guilherme de Almeida manteve, desde jovem, actividade associativa e política, acarretando-lhe riscos, prisões, deportações e sobressaltos, a que a família não escapou.
Republicano "convicto até à medula" [p. 35], militou, desde 1919, nas Juventudes Comunistas, foi preso três vezes em 1920, "por ordem superior", "por ser conhecido agitador das classes operárias", "por andar a colar prospectos incitando o povo à greve" e "por fazer parte do grupo de grevistas da Classe dos Alfaiates" e, em 1921, estava entre os fundadores do Partido Comunista Português. Em 10 de Março de 1922, por estar envolvido em novas greves, voltou a ser preso "por ordem superior" e enviado, com outros trabalhadores, para o Forte de São Julião da Barra.
Em 1923, casou com Alice Marques Louro, aprendiz de costureira, que se revelou uma mulher de "coragem invulgar", "suporte das opções políticas de Manuel Guilherme de Almeida", "apoio da família", "personalização do auxílio" a tantos antifascistas, "visita amiga dos que estavam presos", "amparo moral, e por vezes material, dos que estavam doentes" [p. 19]. Do enlace nasceram três filhos: Fernando Louro de Almeida (1924-2013), formado em Escultura pela ESBAL; Arnaldo Louro de Almeida (1926-2008), formado em Pintura pela ESBAL; e Guilherme Alexandre Louro de Almeida (n. 1950), formado em Física pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Nesse mesmo ano, integrou a Comissão Administrativa da Comuna Salvador Segui (Anjos - Lisboa); em Abril de 1924, foi eleito delegado da Comuna Karl Marx, de Arroios, à Conferência Regional Comunista a realizar em Junho; e, em Dezembro de 1925, tornou-se Secretário dos Encarcerados Socorro Vermelho Internacional, cuja missão era acompanhar a situação dos detidos pela polícia política, apoiando-os e denunciando os maus-tratos e torturas.
Com o triunfo da Ditadura Militar em 28 de Maio de 1926, recomeçaram as prisões e aconteceram as deportações. Preso em 26 de Agosto de 1931, acusado de estar envolvido no movimento revolucionário desse dia, seria deportado para Timor em 2 de Setembro, indo a bordo do vapor Pedro Gomes com mais 377 presos políticos.
Calhou-lhe ficar no ilhéu de Ataúro, um campo de concentração natural onde o clima era implacável, devido à humidade, calor sufocante e abundância de mosquitos, e vivia, tal como os restantes deportados, em condições desumanas. Depois, passou para Díli e, abrangido pela amnistia de 5 de Dezembro de 1932, regressou a Portugal no navio Moçambique, tendo desembarcado em 9 de Junho de 1933.
A par do retomar da profissão, coube-lhe, em 1934, reestruturar o Socorro Vermelho Internacional, ficando este de prestar apoio jurídico e material aos presos e suas famílias, para além de contactos com o estrangeiro. Alice Louro de Almeida visitava os presos, transmitia notícias e dava o apoio possível.
No âmbito das suas funções no Secretariado do SVI, foi preso em 20 de Março de 1935, levado para uma esquadra, de onde seguiu para o Aljube no dia 30. Transferido para uma esquadra em 11 de Junho, regressou ao Aljube em 29 de Julho. Em 7 de Agosto foi, mais uma vez, enviado para uma esquadra, a 1.ª, aí permanecendo até 3 de Setembro, quando voltou ao Aljube, seguindo para Peniche no dia 11. Regressou à 1.ª Esquadra em 25 de Outubro, para ser julgado no dia seguinte pelo TME e condenado a 600 dias de prisão correccional.
Levado para a Fortaleza Militar de Peniche em 22 de Novembro, aí permaneceu até 14 de Outubro de 1936, sendo deportado três dias depois para Angra do Heroísmo, seguindo no cargueiro Loanda, o qual também transportava os presos que iriam inaugurar o Campo de Concentração do Tarrafal.
Manuel Guilherme de Almeida permaneceu na Fortaleza de S. João Baptista até finais de 1938: indultado em 23 de Dezembro, regressou a Lisboa na primeira semana de Janeiro de 1939, viajando no paquete Carvalho Araújo e apresentando-se na PVDE no dia 6.
Mais uma vez, retomou a vida profissional e a sua Academia Maguidal, situada na Rua da Palma - 219, era, simultaneamente, residência da família, escola de corte, loja de utensílios de alfaiate, redacção da revista Vestir e por lá passavam muitos oposicionistas, "funcionando como uma central de acolhimento aos antifascistas, às suas famílias e aos perseguidos pela polícia política" [p. 17]. Porto seguro e solidário, onde Alice Louro de Almeida teve papel de destaque, a Maguidal acolhia os que eram perseguidos pela PIDE, como Maria Machado; albergava os que andavam em trabalho político na capital; apoiava os presos recém-libertados, que se encontravam em condições difíceis; proporcionava alimentos, roupa e, até, cuidados médicos.
Ali se refugiaram, para além de Maria Machado, António Ramos Rosa, o casal Diamantina Vicente e José Vitoriano, Ilda Aleixo, José Tengarrinha, Manuel Lourenço Neto, (António Maria) Vitoriano Rosa, entre muitos outros.
Em 21 de Outubro de 1943, foi preso por seis dias, "para averiguações", e levado para Caxias. Em 1945, interveio no Movimento de Unidade Democrática (MUD) e, em 14 de Abril de 1956, na sequência de ter dado abrigo à militante comunista Maria Machado, voltou a ser detido, bem como a família mais próxima, acusado de "actividades contra a Segurança do Estado". Apenas o filho mais novo, o autor desta biografia, não o foi por ter, apenas, cinco anos e meio de idade.
De Caxias só seria libertado, juntamente com a mulher, em 27 de Agosto de 1956. Dois anos depois, estava com as candidaturas presidenciais de Arlindo Vicente e Humberto Delgado.
A última prisão aconteceu em 22 de Abril de 1963: julgado em 29 de Março de 1964, foi condenado em 18 meses, repartidos entre Caxias e Peniche, e libertado em 13 de Outubro de 1964.
Tal como é evidenciado nesta evocação biográfica, a vida familiar, profissional e política de Manuel Guilherme de Almeida são indissociáveis e conjugam-se numa só. Faleceu em 11 de Novembro de 1992, com 94 anos e uma vida plenamente preenchida.
[Fotografia da capa: Manuel Guilherme de Almeida em 1967.]
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