* CRISTINA TORRES DOS SANTOS *
[21/03/1891 - 01/04/1975]
[Cristina Torres dos Santos || c. 1911]
Professora do ensino técnico na Figueira da Foz e em Braga, Cristina Torres é ainda muito pouco (re)conhecida enquanto defensora dos direitos das mulheres, republicana e resistente à Ditadura Militar e Estado Novo, sofrendo, por isso, várias perseguições que culminaram na sua aposentação. Teve um percurso invulgar, até pelas origens modestas, pautando-se, ao longo de toda a vida, por uma sólida coerência e postura cívica.
Filha de Ricardo Torres dos Santos, alfaiate, e de Delfina da Cruz Marques, nasceu na Figueira da Foz em 21 de março de 1891.
Em 1914, casou com o jornalista Albano Correia Duque de Vilhena e Nápoles [1894-1963].
Começou a frequentar muito nova as sociedades operárias, recreativas, educativas, republicanas e maçónicas e, com 19 anos, festejou nas ruas a implantação da República, tendo militado no Partido Republicano Português, tal como o marido.
Trabalhou como costureira e estudou, à noite, na Escola Industrial da Figueira.
Em 1911, fundou a Fraternidade Feminina, Associação de Instrução e Beneficência responsável pelo funcionamento de uma escola nocturna para raparigas e, no ano seguinte, com 21 anos, partiu para Coimbra, onde continuou a labutar como modista enquanto estudava no Liceu e, posteriormente, na Faculdade de Letras [anos lectivos de 1916/1917 a 1918/1919], onde concluiu, em Novembro de 1920, o curso de Histórico-Geográficas.
Leccionou, entre 1915 e 1922, em Escolas Móveis de Coimbra e Montemor-o-Velho e, entre janeiro de 1922 e julho de 1924, exerceu como professora provisória a docência na Escola Comercial da Figueira da Foz. Neste último ano, e devido a diligências dos seus alunos, foi nomeada professora efectiva da Escola Industrial de Bernardino Machado.
Na sequência do trabalho desenvolvido como educadora e pedagoga, expôs Teses em vários Congressos [Coimbra, Abril de 1918 - Porto, 1927 - Lisboa, Outubro de 1931]; associou-se ao projecto de fundação na Figueira da Foz de uma Delegacia da Universidade Livre de Coimbra [1929], responsável pelo funcionamento de cursos nocturnos de educação básica; e foi nomeada Delegada Voluntária de Vigilância para a Tutoria da Infância da respectiva Câmara Municipal [26/02/1932].
Manteve simultaneamente intensa actividade de propagandista, promoveu conferências, discursou em sessões e pronunciou-se, na imprensa regional da Figueira e de Coimbra, sobre questões feministas, educativas e políticas, para além de publicar esporadicamente poemas e contos para crianças. Utilizou os pseudónimos de Maria República, nos artigos de carácter político, e Nô-quim, nos textos dirigidos aos mais novos.
Mulher simples, obreira de uma persistente actividade pedagógica dirigida aos desfavorecidos, ao operariado e às mulheres, Cristina Torres acabou por ser vítima da corajosa oposição ao salazarismo, tendo sofrido "prisões e martírios", e foi transferida compulsivamente, em dezembro de 1932, para a Escola Industrial e Comercial de Bartolomeu dos Mártires, em Braga, onde permaneceu dezassete anos. Datam desse período os dois livrinhos [Contos e Fábulas] que escreveu, dedicados “Às raparigas e rapazes que passaram pelas minhas aulas e a quem devo as melhores horas da minha vida”, e os seus artigos para a Seara Nova, então dirigida por Câmara Reys.
Acabou por ser afastada do ensino em 1949, na sequência da participação na Campanha de Norton de Matos [23/03/1867-03/01/1955] à Presidência da República, e obrigada a aposentar-se.
De regresso à Figueira da Foz, subsistiu através de explicações, continuou a resistência ao Estado Novo – pertenceu à Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, em 1973 – e saudou com emoção e alegria a data de 25 de Abril de 1974.
Apesar dos seus 83 anos, integrou a manifestação de apoio ao M.F.A. que, no dia 27 de Abril de 1974, se realizou na Figueira. Tinha a felicidade de, pela segunda vez na vida, festejar na rua a mudança de regime político: 64 anos depois de se empenhar no triunfo da República, era a vez de assistir ao início da Democracia, pela qual tanto tinha lutado e sacrificado.
Segundo Joaquim Sousa, autor de um importante livro dedicado a Cristina Torres, em 10 de Agosto integrou, enquanto convidada, a mesa do primeiro comício do Partido Comunista realizado na cidade.
Em 24 de Agosto, participou e interveio no comício do Partido Socialista, partido a que aderiu pouco tempo depois e “foi eleita, por unanimidade e aclamação, Presidente Honorária da Seção” [Joaquim Sousa].
Faleceu em 1 de Abril de 1975, estando representados no seu funeral o Partido Socialista, o Partido Comunista, o MDP/CDE e o Partido Popular Democrático.
O perfil de educadora, cujo legado perdurou em muitos dos seus alunos, e a postura cívica e política tornaram-na numa referência local e motivaram a atribuição do nome Cristina Torres à Escola Secundária Nº 3 da Figueira da Foz.
Ofereceu o seu espólio, bem como o do marido, ao Museu e à Biblioteca da sua terra. Constituído por manuscritos, correspondência, artigos publicados, discursos, panfletos, informações acerca da intervenção política e enquanto professora e educadora, documentos biográficos, homenagens e fotografias, serviu de base à exposição que a Câmara Municipal lhes dedicou em 1992 e da qual resultou um minucioso catálogo.
O Dicionário de Educadores Portugueses [dir. de António Nóvoa), Asa, 2003] contém a sua biografia, assim como o Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX) [Livros Horizonte, 2005].
[João Esteves]
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