[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 26 de novembro de 2019

[2198.] FERNANDO VICENTE [I] || 17 ANOS NO TARRAFAL (1936 - 1953)

* FERNANDO VICENTE *
[24/04/1914 - 22/01/1965]

Quando Fernando Vicente faleceu com apenas 50 anos de idade, tinha passado 18 anos preso, 17 deles no Tarrafal por ter sido um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936, e vivido 12 anos de luta semiclandestina enquanto militante do Partido Comunista.

[Fernando Vicente || ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509]

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0360]

Filho de Maria do Carmo e de Albino Vicente, Fernando Vicente nasceu no lugar de Paul, Torres Vedras, em 24 de Abril de 1914.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0088]

Segundo artilheiro da Armada, com o número 5480, Fernando Vicente foi um dos reorganizadores da Organização Revolucionária da Armada [ORA] no início de 1936, depois das prisões dos principais dirigentes comunistas no ano anterior, participou em reuniões preparatórias da sublevação dos marinheiros e foi considerado um dos sete praças e marinheiros que dirigiram a revolta em 8 de Setembro de 1936, com intervenção directa no contra-torpedeiro Dão, a cuja tripulação não pertencia.

Preso pelo Comando Geral da Armada, Fernando Vicente foi entregue à Secção Política e Social da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em 11 de Setembro de 1936, seguiu para uma esquadra incomunicável e, em 18 do mesmo mês, entrou na Cadeia Penitenciária de Lisboa, onde prestou declarações datadas de 23. 









[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0353-361]

Segundo aquelas, entrou para a Organização no início do ano e integrou o seu Secretariado, juntamente com Armindo de Almeida (1.º artilheiro - Bartolomeu Dias), João Faria Borda (2.º artilheiro - Bartolomeu Dias), João Henrique Casanova (dispenseiro - Gil Eanes) e Tomás Batista Marreiros (1.º fogueiro - Dão). A ligação ao Partido Comunista era feita «por intermédio dum delegado que estava permanentemente em contacto com qualquer dos membros do Secretariado» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0353].

O Secretariado era responsável pela publicação do órgão "O Marinheiro Vermelho", que teria uma tiragem de cerca de 500 exemplares, cabendo aquele dar as informações relativas a assuntos da Armada, enquanto os artigos doutrinários eram da responsabilidade do Partido Comunista. Os exemplares chegavam-lhe através de Armindo de Almeida e de João Faria Borda, dividindo-os, depois, pelos delegados José António Filipe (1.º artilheiro do aviso Pedro Nunes), Francisco Serafim Rebelo (1.º artilheiro do aviso Afonso de Albuquerque) e Manuel (cozinheiro do torpedeiro Mondego). 

No dia sete de Setembro, foi avisado por João Faria Borda que haveria uma reunião às dezanove horas, «para resolverem a questão havida na Armada, pelo facto de terem sido expulsas algumas praças do aviso "Afonso de Albuquerque"» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0355], tendo também participado naquela Armindo de AlmeidaJoão Henrique CasanovaJosé António Filipe, Tomás Batista Marreiros e o cozinheiro Manuel, proprietário da casa, situada na Rua Heróis de Quionga 6 - 3.º, para além do delegado do Partido Comunista e, talvez, um dos ex-marinheiros do Afonso de Albuquerque.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0085]

Decidiu-se, então, fazer uma revolta a bordo dos navios Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão, «os quais deviam sair a barra, e seguidamente dirigir-se a Peniche a fim de soltar os presos ex-marinheiros que se encontravam na Fortaleza dessa terra e tomar seguidamente o rumo que julgassem por mais conveniente, chegando-se até a falar vagamente na Madeira» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0356]. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0087]

Às duas horas da manhã do dia 8 de Setembro, o gasolina do Afonso de Albuquerque recolheu no Cais do Sodré os ex-marinheiros e marinheiros envolvidos, dando início à revolta, tendo Fernando Vicente sido largado no contra-torpedeiro Dão. De manhã, perante o fracasso do movimento, dirigiu-se num gasolina a Cacilhas a fim de ser tratado no posto dos Bombeiros Voluntários ao braço partido, sendo detido, à saída, pela Guarda Nacional Republicana e levado preso para o Forte de Almada.  

 [...]
[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0164]

Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 13 de Outubro de 1936, Fernando Vicente foi considerado, juntamente com João Faria Borda, Joaquim Gomes Casquinha, José Jacinto de Almeida e Tomás Batista Marreiros, um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros e condenado a seis anos de prisão maior celular, seguidos de dez anos de degredo ou, na alternativa, na pena de vinte anos de degredo em possessão de 2.ª classe.


[Fotografia tirada no Tarrafal por Luís Alves  de Carvalho || 1949 || Na primeira fila, o terceiro a contar da esquerda, com as mãos no joelho, é Fernando Vicente]

Seis dias depois, Fernando Vicente embarcou no cargueiro Luanda a caminho do Tarrafal, de onde só sairá em 28 de Junho de 1953, com uma mala carregada de livros, mas para dar entrada no Forte de Peniche. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0451]

Do Tarrafal, seguiu para o Forte de Peniche, onde entrou às 11 horas da manhã do dia 6 de Julho de 1953. Muito respeitado, segundo informações de 28 de Dezembro de 1956 de Luís Fernando de Mesquita Patacho, Chefe de Brigada da PIDE, os companheiros tratavam-no pela alcunha de "paizinho".

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0450]

Em Peniche, Fernando Vicente reencontrou João Faria Borda e Joaquim Casquinha, tendo os três sido libertados na véspera do Natal de 1953, para grande alegria de todos os outros camaradas de prisão, como Agostinho Saboga, António Dias Lourenço, Carlos Pinhão e Joaquim Campino, entre muitos outros. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0462]

Preso aos 22 anos e libertado quando tinha 39, cumpridos mais de 17 anos de encarceramento, Fernando Vicente regressou a Paul, onde retomou a militância clandestina no Partido Comunista, apesar de vigiado pela PIDE, e constrói uma família. 

A filha guarda, passados estes anos todos, uma imagem muito feliz deste pai que, como preso político, não podia tirar a carta de condução, levava, por vezes, "minha mãe, eu e o meu mano... todos na pasteleira do Paul a Torres, 7/8 km", ou quando, na "nossa casa, amanhava a nossa horta, jantava e jogava  o jogo da malha, desenhado na tijoleira, connosco".  



[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509-m0516-m0512]

Em um outro Relatório de um agente da PIDE, datado de 27 de Janeiro de 1957, é dado conta que Fernando Vicente trabalhava em Torres Vedras, nas oficinas da empresa de camionagem de João Henriques.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509-m0516-m0514]

Mas Fernando Vicente não interrompeu a militância comunista e, já muito doente, foi novamente preso em 18 de Setembro de 1963, levado para o Aljube e, em 20 de Fevereiro de 1964, transferido para Caxias, de onde foi libertado em 14 de Março.

[Fernando Vicente || ANTT || RGP/4225 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4225_m0063]

Quando da segunda prisão, Fernando Vicente foi barbaramente torturado, sujeito à tortura do sono e da estátua durante cerca de onze dias. Quando a mulher, Otília Alice Machado Vicente, a filha, então com nove anos, e um tio, já idoso, o foram visitar ao Aljube, «parecia um bicho todo inchado, lábios mordidos e a sangrar, desfigurado». Finda essa primeira visita, e quando os familiares se preparavam para sair, foram acusadas de ter apanhado um papel deitado pelas grades. Então, a mulher e a filha, em pânico, foram fechadas numa cela e revistadas de forma humilhante por uma agente de «saia travada, sapatos pretos de salto alto e cabelo ao alto, preto». O tio de Fernando Vicente também foi, temporariamente, encerrado numa cela e quando saiu «parecia um mendigo», com o «fato e casaco castanho completamente roto de cima abaixo!».

Fernando Vicente faleceu em 22 de Janeiro de 1965, quando ainda não tinha completado os 51 anos e dois dias depois de a mulher festejar o aniversário, tendo o funeral tido lugar no dia 24, no Cemitério de S. João, em Torres Vedras.

Segundo a filha de Fernando Vicente, num acto de enorme generosidade e solidariedade, o pai de Guilherme da Costa Carvalho «durante Anos dava uma mesada à minha Mãe para ajuda do sustento familiar». 

[Diário de Lisboa || 23/01/1965 || p. 13]

Um ano após a sua morte, realizou-se uma romagem ao cemitério, a qual foi «interrompido pela polícia de choque com cães polícias que irromperam no local empurrando dezenas de pessoas e pisando sepulturas sem qualquer respeito» [Manuel Fernandes / URAP]. 

Muitas outras evocações se seguiram, antes e depois de Abril de 1974. Em 20 de Janeiro deste mesmo ano, deu-se nova romagem à sua campa, tendo a polícia de choque comparecido com um vasto aparato policial [Venerando António Aspra de Matos, Blogue Vedrografias].

[Venerando António Aspra de Matos || Blogue Vedrografias]

Militante muito prestigiado, Fernando Vicente continua a merecer diversas homenagens por parte do Partido Comunista: em 2015, no cinquentenário do seu falecimento, foi organizada uma Exposição na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, onde constavam vários objectos, folhetos e manuscritos seus.

[José Patrício || Blogue a terra e agente]

[João Esteves]

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