[03/02/1911]
- Comissão de Propaganda Feminista -
«Reclamações
A
Comissão de propaganda feminista da «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas»
foi no dia 3 recebida pelo sr. Dr. Teófilo Braga, digno presidente do Governo
Provisório, apresentando-lhe a representação que a seguir publicamos. // O
ilustre homem de ciência, depois de ouvir ler a representação, cumprimentou as
senhoras presentes pelo trabalho apresentado, dizendo-lhes que de todo o seu
coração advogaria uma causa tão justa e que tão claramente corresponde à
evolução da sociedade moderna. O sr. Dr. Teófilo Braga disse, numa verdadeira e
interessante conferência sobre o feminismo, palavras de tanta lucidez e tanta
verdade, que bom seria fossem escutadas por aqueles que sem ciência nem
consciência falam levianamente de coisas que nem sabem explicar e muito menos
compreender.
Representação
Ao
Ex.mo Sr. Dr. Teófilo Braga e mais membros do Governo Provisório da
República // Cidadãos: // A «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas», tendo
muitos e variados assuntos a tratar dentro do seu vasto plano de orientação e
auxílio moral da mulher, delegou, na comissão que assina a presente, o especial
encargo da propaganda feminista e do estudo e reclamações a fazer sobre as leis
existentes e as que o Governo venha a promulgar sob o ponto de vista de
interesse feminino. // Cumprindo pois o mandato que nos foi
concedido, nós vimos ainda uma vez mais reclamar para o nosso sexo o sufrágio
nas condições modestíssimas em que julgamos de nosso dever fazê-lo, para não
pôr o Governo Provisório na contingência desagradável de recusar o que
constitui uma das mais nobres afirmações do Partido Republicano – a igualdade
de direitos da mulher. // Nós desejamos que a República nascente, para a qual trabalhámos
com o entusiasmo da nossa propaganda, e que já tem legislado tão larga e
nobremente, não cometa o erro imperdoável que a grande revolução francesa
cometeu, negando à mulher todos os direitos políticos, tendo-se aliás servido
dela para a sua propaganda na oposição. // Nós não vimos reclamar, porque isso
seria pedir por agora um impossível social, o sufrágio universal, como à luz da razão e da ciência seria justo, mas
vimos reclamar o que temos feito desde o princípio: o direito de voto para as
mulheres que pela sua posição especial devem poder exercê-lo; isto é – as que
contribuam para a colectividade com o dinheiro das suas contribuições directas,
as que exerçam uma profissão científica ou literária, as que sendo
independentes moral e economicamente não podem, por uma imposição do
preconceito e da rotina, continuar na República a viver no regimen vexante dos
tutelados, fora da sociedade como os cretinos. // O voto como o pedimos é
apenas o estabelecimento dum princípio de justiça, o qual, honrando o Governo
da República, auxiliará a nossa propaganda, pois que a mulher tratará de
trabalhar e se elevar para obter o direito que hoje apenas a uma minoria
pequena aproveitará. // Vimos também reclamar para as mulheres o direito de
serem votadas e nomeadas para todas as comissões pedagógicas de higiene e
assistência, como para as juntas paroquiais e municipais, onde por certo farão
bons serviços, por isso que a mulher é, talvez mais do que o homem, amante do
seu torrão, agarrada à sua pequenina pátria – quer dizer à sua localidade – que
desejará ver aumentada e melhorada. Assim, aproveitando a tendência
regionalista da mulher, a República poderá encontrar no seu trabalho um bom
auxílio para a renovação pátria. // A terra portuguesa, tão baixo caída pela criminosa
incúria da monarquia, necessita para se erguer à altura que lhe compete do
concurso de todos os cidadãos, e a mulher é um factor que não pode nem deve
desprezar neste momento único de renovação social. Por isso, cidadãos, nós
vimos requerer parta a mulher o direito de trabalhar pelo ressurgimento duma
Pátria que também julga pertencer-lhe. // Em todos os países civilizados a
mulher é hoje ouvida e chamada, especialmente nas questões pedagógicas,
desempenhando cargos nos altos conselhos da instrução. Em Portugal, onde há
mulheres da competência de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, as reformas do
ensino serão feitas sem que se chame a dar a sua opinião esta senhora, ou
qualquer outra que do assunto tenha largo conhecimento? // Terminando por
agora, não podemos deixar de vir reclamar contra o limite de idade, que é
sempre vexante e injusto, e para a mulher muito mais ainda porque no nosso país
onde a sua educação é tão descurada, só tarde ela pensa em adquirir uma posição
que a torne independente, e que a incúria das famílias lhe não deu em moça. //
Assim, nós pedimos que seja abolido o limite de idade para a admissão nas
Escolas Normais, nas Juntas do Crédito Público e outras, como já conseguimos
que fosse abolido para as estudantes de enfermagem, por pedido directamente
feito pelas signatárias D.ra Carolina Beatriz Ângelo e Ana de Castro
Osório ao actual enfermeiro-môr do hospital de S. José, o sr. Dr. Augusto de
Vasconcelos. // Finalizando, não podemos deixar de cumprimentar o sr. Ministro
do Interior pelo seu decreto que garante às professoras dois meses de descanso,
com vencimento, no último período de gravidez e no primeiro depois do parto. //
É uma medida de salvação pública que desejaríamos ver estender-se com força de
lei a todos os empregos exercidos pelas mulheres, principalmente nos trabalhos
violentos da indústria, sendo os patrões obrigados ao mesmo que o Governo se
obriga hoje para as professoras, e amanhã fará a todas as suas empregadas. // A
maternidade é a dolorosa e difícil contribuição de sangue que a mulher paga à
sociedade; portanto é justo que a República, que olha carinhosamente pelos seus
soldados, não despreze as mães, que mais ainda necessitam de protecção e
amparo. // Não podemos terminar sem muito especialmente saudar, na nova legislação
portuguesa, em que a mulher começa a ser considerada um indivíduo consciente e
autónomo, a obra grandiosa do sr. Dr. Afonso Costa. // Saúde e fraternidade //
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1911
(a.a.) D.ra Carolina Beatriz Ângelo
Joana de Almeida Nogueira
Virgínia da Fonseca
Rita Dantas Machado
Laura Monteiro Torres
Adelaide da Cunha Barradas
Constança Dias
Ana
de Castro Osório.»
[O Radical, 12/2/1911]
[“Expediente da Liga -
Comissão de propaganda feminista - Representação da Liga Republicana das
Mulheres Portuguesas entregue ao Ministro das Finanças, sr. José Relvas”, A
Mulher e a Criança, n.º 22, Março de 1911, p. 9, col. 2 e p. 10, col. 1].
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