[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 5 de abril de 2011

[0368.] MARIA VELEDA [XIX] || MEMÓRIAS [III]

* MARIA VELEDA *

MEMÓRIAS NA BMRR || 05 DE ABRIL DE 2011


Um sentido obrigado à Natividade Monteiro e a Maria José Guerreiro da Franca, bisneta de Maria Veleda, pela excelente edição das Memórias de Maria Veleda e pela comovente e familiar sessão realizada hoje na Biblioteca Museu República e Resistência, que contou também com a presença das netas Maria Leonor e Maria Ester, contribuindo, assim, para perpetuar a memória desta invulgar republicana.

* MARIA VELEDA *

Contemporânea de Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório, Angelina Vidal, Carolina Beatriz Ângelo e Beatriz Pinheiro de Lemos, Maria Veleda interveio activamente no processo de transição da Monarquia para a República, notabilizando-se nos acontecimentos sociais, políticos e educativos. E embora não seja tão conhecida como aquelas companheiras, não deixando obra publicada para além de alguns contos e uma colectânea de discursos, datada de 1909, manteve regular colaboração na imprensa e editou, no jornal República, em 1950, as suas Memórias, quando já tinha quase 80 anos.

Estas, constituem um dos raros documentos de uma protagonista feminina desse período e são elucidativas dos obstáculos que as mulheres tinham de enfrentar quando procuravam a sua independência, mesmo na área do ensino, tradicionalmente considerada mais acessível. Reflectem ainda a esperança e o desencanto que o regime republicano transportou consigo.

Nascida em Faro, em 1871, só na viragem do século é que começou a ganhar notoriedade: começou por exercer a profissão de professora no Algarve, Alentejo e, finalmente, em Lisboa; ambicionou ser escritora e acabou a lutar pela implantação da República; promoveu a emancipação feminina; liderou o movimento reivindicativo dos docentes do ensino livre; e foi pioneira das campanhas de protecção às crianças de rua.

É com a partida para Lisboa, em 1905, que começou a desvincular-se da produção literária e a sua vida mudou de rumo, ao empregar-se como professora regente no Centro Escolar Republicano Afonso Costa. De dia, ensinava as crianças e, à noite, convivia com os principais dirigentes republicanos que frequentavam a casa, iniciando aí a sua formação política.

Começou por assistir a conferências e sessões de propaganda e, cedo, passou a oradora e a redigir artigos de opinião sobre questões feministas e educativas, onde defendeu a emancipação política e económica da mulher e combateu a educação congreganista.

Ainda durante a Monarquia, procurou implementar, juntamente com Ana de Castro Osório, Escolas Maternais, e esteve na origem da criação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Foi no âmbito desta organização que promoveu a criação, em 1909, da Obra Maternal, organismo que visava proteger e educar as crianças de rua sem família, abandonadas ou vítimas de maus tratos. Dependia das contribuições dos respectivos subscritores e conseguiu recolher apenas nove crianças. Aliás, esta dedicação às crianças contribuiu para a sua nomeação para Delegada da Tutoria Central de Infância de Lisboa, onde exerceu funções entre 1912 e 1941.

Maria Veleda preocupou-se, igualmente, com a situação do sexo feminino, tendo criado, em 1911, o Grupo das Treze, como forma de combater as superstições e, em 1914, promoveu a Escola Solidariedade Feminina, orientada por uma educação moderna e sem recorrer a castigos corporais. O projecto não vingou, devido ao reduzido número de inscrições.

Com a implantação da República, lutou pela sua consolidação, denunciando os oportunistas e adesivos; participou em campanhas de esclarecimento; combateu a ditadura de Pimenta de Castro; e apoiou convictamente a intervenção de Portugal na Guerra.

Desiludida com o rumo da Liga Republicana, ainda fundou, em 1915, a Associação Feminina de Propaganda Democrática, organização assumidamente política e que visava apoiar a acção de Afonso Costa. Mas as divergências e cisões entre os políticos republicanos; a instabilidade governativa; as revoltas e revoluções constantes; a resignação de Manuel de Arriaga; o consulado sidonista; e a noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, fizeram com que abandonasse prematuramente as actividades de carácter político, ainda que nunca tivesse abdicado dos seus ideais.

Faleceu em 1955, com 84 anos de idade.

[João Esteves]

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