* MARIA ALDA BARBOSA NOGUEIRA *
[19/03/1923-05/03/1998]
[1975]
Filha de uma costureira de alfaiate e de um serralheiro mecânico, Maria Alda Barbosa Nogueira nasceu em 19 de Março de 1923 em Alcântara, “então um bairro cheio de fábricas, de trabalhadores e muitos dos seus filhos eram meus colegas de escola” [entrevista a Helena Neves].
Andou na Escola da Tapada, em Alcântara, e frequentou o Liceu D. Filipa de Lencastre, onde militou no Socorro Vermelho Internacional, recolhendo géneros e roupas para os espanhóis e foi Presidente da Associação Escolar durante vários anos.
No Filipa de Lencastre foi aluna de Manuela Palma Carlos, “uma mulher admirável que me despertou para as ciências humanas, para a literatura”, de Irene Alice de Oliveira, “professora de História que me alargou a visão de história, do mundo”, de Alice Graça, “professora de Física, uma mulher republicana que tinha pertencido à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, uma mulher interessantíssima, muito avançada para a época” e de Maria José Estanco, “em Desenho”, mulheres que a influenciaram muito [Helena Neves].
Também no Liceu, tornou-se amiga e camarada inseparável de Cecília Simões [Areosa Feio] e de Maria Helena Alves Tavares Magro: “A Helena era quase como irmã, era a minha grande amiga, e acompanhou-me sempre. Ela foi para a clandestinidade primeiro que eu, mas estive a tomar a última refeição com ela. Sim, foi a minha melhor amiga cuja morte na clandestinidade eu senti muito” [Helena Neves].
Aos 17 anos entrou para a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, licenciou-se em Ciências Físico-Químicas em 1946 e exerceu a docência liceal durante três anos.
Durante a Faculdade, integrou a Associação Feminina Portuguesa para a Paz, cuja sede funcionava próximo da Faculdade de Ciências. Na AFPP “conheci mulheres fantásticas, combativas, inteligentes, a Maria Valentina Trigo de Sousa, a Maria Helena Pulido Valente, a Glafina Lemos, assistente da faculdade, a Maria Letícia, a Francine Benoit, que dirigia o orfeão da Associação, a Manuela Porto” [Helena Neves].
Aí,
“Aprendi imenso. Tínhamos muita correspondência a nível internacional, recebíamos filmes das embaixadas que fazíamos passar nos cinemas, para arranjar fundos para o socorro dos refugiados da guerra, aos perseguidos pelo fascismo, no estrangeiro e entre nós. Enviámos mesmo algum socorro para o Tarrafal. Simultaneamente a esta atividade funcionavam cursos de alfabetização, cursos de primeiros socorros. Pela própria composição da Associação, pelas mulheres que a animavam, mas também pelas notícias que nos vinham dos países envolvidos no conflito, onde as mulheres ocupavam todos os postos de trabalho, começou a gerar-se a ideia de que os direitos da mulher estavam entrelaçados com a defesa da democracia, com a própria luta contra o fascismo”.
Em 1945, integrou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde colaborou ativamente com Maria Lamas.
“O Conselho estava organizado só aqui em Lisboa e a Maria, tal como muitas de nós, considerava que era necessário alargá-lo a todo o país. Como eu dava aulas mas tinha uma vida bastante disponível, fui destacada para ir ao Algarve e lá consegui organizar várias delegações do Conselho, em Faro, Olhão, Silves, Montachique. Depois fui o Porto… Enfim, enraizámo-nos de facto. Tínhamos delegações na Figueira da Foz, em Coimbra, no Porto, na Marinha, nas Caldas. Tínhamos várias atividades. Entre elas, os cursos de alfabetização. Recordo-me que em Olhão foi distribuída uma tarjeta pelas fábricas informando que no Conselho se ensinava a ler e a escrever e o largo onde eu morava e funcionava o Conselho, ficou pejado de mulheres, umas 200 ou 300, querendo vir às aulas. Foi um trabalho esgotante este, mas maravilhoso. Aprendi muito com a Maria e também ela aprendeu connosco – foi belo!” [Helena Neves].
Aderiu ao Partido Comunista em 1942.
Em 1949, quando se lhe deparava a possibilidade de uma carreira de investigadora científica, passou à clandestinidade. Trabalhou na redação do jornal Avante!, pertenceu ao Comité Local de Lisboa, em 1957, no V Congresso do Partido Comunista, foi eleita membro suplente do Comité Central e, entre 1957 e 1959, integrou a Direção da Organização Regional de Lisboa.
Em 1958, destacou-se na candidatura presidencial de Arlindo Vicente.
Presa a 15 de Outubro de 1959, recusou-se a responder a qualquer pergunta e permaneceu detida 10 anos consecutivos: “Na prisão retiraram-me os melhores anos da minha vida. Entrei com 35 anos, saí com 45 anos” [Helena Neves].
Durante a prisão,
“Estive com várias amigas durante muitos anos – a Sofia Ferreira, Ivone Dias Lourenço, Maria da Piedade, Aida Paulo, Matilde Bento, Maria Luísa Costa Dias e tantas outras. Passámos por várias situações. Houve salas com beliches (10 ou 12 pessoas) e outras menores. Dividíamos o dia em duas partes. De manhã levantávamo-nos e tínhamos de correr para tomar o banho quente (com o tempo contado e só uma por casa de banho). A inspeção e a contagem eram às 8H. Recebíamos um jornal diário – o Século – e líamos em coletivo. À volta da mesa fazíamos os nossos trabalhos. Fiz então as camisolas todas do meu filho, saias para a minha mãe, pegas para a cozinha, essas coisas… A Ivone fazia bonecas, caixas e outras coisas interessantes. Elas foram-me ensinando. A visita era às 10H, em geral de meia hora. Depois trocávamos as notícias… que não eram muitas pois a vigilância era muito grande. Almoçávamos. Repousávamos. E retomávamos o trabalho” [Helena Neves].
“Passavam pelas prisões pessoas analfabetas e outras com cursos. E umas ensinavam às outras. Tínhamos cursos de matemática, ciências, português, línguas e história. Depois tínhamos o recreio. Inicialmente davam-nos apenas 15 minutos, mas lutámos e chegámos a ter 1 hora. Uma hora num terraço por cima da cela, uma cela sem telhado.!...” [Helena Neves].
Só foi libertada em Dezembro de 1969:
“O tempo tem uma contagem conforme se vive mais ou menos os acontecimentos. Ao fim de cinco anos de cadeia deixamos de ter a noção dos dias. O tempo deixa de contar. A sensação de sair liberta sozinha foi horrível. Eles tinham dito que eu saía e eu disse ao meu irmão para estar lá à minha espera. Anteciparam 24 horas e sai só, com duas malas grandes, num mundo que tinha mudado tanto. À porta da António Maria Cardoso foi horrível, não podia com as malas. Meti-me no elétrico até à Rua do Ouro. Aí, meti-me num táxi e disse ao homem para me levar a Alcântara, ao Largo do Calvário. Eram destruidores, malvados até ao fim. Quando saí tinha dificuldade em andar. Lembro-me de ir na rua com o meu filho e parecia-me ter um tapete rolante que me levava a cair. Fez-me muita impressão ver as pessoas juntas num elétrico, num autocarro. Sentia as pessoas com um ar muito triste. O primeiro filme que fui ver o “Romeu e Julieta”. Quando veio o intervalo e vi todas as pessoas juntas, fiquei agoniada e vomitei o jantar todo e tive de me vir embora.” [Helena Neves]
Libertada, voltou à militância, encontrando-se na Bélgica com o estatuto de refugiada política aquando do 25 de Abril de 1974.
Após a revolução, foi eleita pelo círculo de Lisboa para Assembleia Constituinte (1975-1976) e para a Assembleia da República, onde permaneceu até 1986.
Na Assembleia Constituinte, integrou a Comissão de Sistematização.
Na Assembleia da República, participou nas comissões de Negócios Estrangeiros e de Emigração. Segundo Teresa Fonseca refere no Dicionário no Feminino,
“interveio frequentes vezes a favor dos trabalhadores portugueses emigrantes, reivindicando a promoção do ensino da língua portuguesa no estrangeiro, requerendo medidas de proteção aos emigrantes de visita a Portugal e pugnando pela aprovação de um projeto de lei sobre comissões consulares dos emigrantes, suscetíveis de contribuir para a solução dos múltiplos problemas com que estes se debatiam, nomeadamente no respeitante à obtenção e à renovação das cartas de trabalho. Emitiu pareceres sobre os relatórios de várias missões parlamentares ao estrangeiro, no âmbito dos trabalhos da União Parlamentar. Interveio em diversos debates sobre a paz, o desanuviamento militar e o desarmamento nuclear, denunciando os grandes interesses económicos envolvidos no fabrico de armas. Protestou contra a violação dos direitos do homem em diversos países, como a Nicarágua, El Salvador, a África do Sul e ainda em Timor Leste. Participou ativamente nos debates em torno dos orçamentos gerais do Estado”.
Presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina de 1983 a 1985.
A par da sua militância, colaborou no Movimento Democrático de Mulheres e integrou a Comissão da Condição Feminina, sendo uma defensora intransigente, desde os tempos da juventude, dos direitos das crianças e das mulheres.
Em 1987, recebeu a Distinção de Honra do Movimento Democrático de Mulheres, tendo então Helena Neves escrito um importante texto sobre Alda Nogueira, transcrito pelo filho António Vilarigues no blogue O Castendo.
Em 1988, foi condecorada com a Ordem da Liberdade.
A investigação também foi uma grande paixão de Alda Nogueira e sempre pensou que um dia voltaria a ela: “Pensei que era uma suspensão na minha carreira, apenas isso. E lia imensas obras da minha especialidade que pedia aos camaradas que me arranjassem. Entretanto, uni-me ao homem que amava, tive um filho. Mas sempre aguardando o momento em que eu retomaria a carreira. Senti sempre e sinto a nostalgia de não seguir a vida da investigação científica”.
Faleceu em 5 de Março de 1998, em Lisboa, a escassos dias de completar 75 anos de idade.
Publicou dois livros para crianças: Viagem numa gota de água (1977), escrito na prisão, em Caxias, em Dezembro de 1962, ilustrado por Miguel; e Viagem numa flor (1978), ilustrado por Ana Maria Cunhal.
[João Esteves]
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