[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 8 de março de 2011

[0347.] As Mulheres e a República

08.03.2010

Quando há 100 anos triunfou a República, já se esboçara o empenho feminista, cívico e político de escritoras, médicas, professoras, educadoras, jornalistas e domésticas que se interrogavam sobre a menorização em que viviam as portuguesas, expressa no Código Civil e na taxa de analfabetismo (85%, em 1900). Da reflexão e discussão sobre a sua condição na sociedade, influenciadas pelas repercussões das lutas em ebulição pelo mundo, passou-se ao recurso à imprensa e, entre 1906 e 1916, à fundação de agremiações feministas de cariz pacifista, maçónico, republicano, sufragista, apolítico ou nacionalista.

Após a Revolução, entre 1910 e 1918, destacaram-se as reivindicações aos poderes políticos. E embora a consciencialização, intervenção e mobilização das mulheres se revelassem inicialmente autónomas, independentes e diversificadas, a conjuntura política vivida no dealbar do século foi determinante para que o republicanismo tivesse influência na afirmação e enquadramento do feminismo português.

Antes e durante a República, fez-se a denúncia das condições legais, sociais, políticas, económicas, educativas e morais em que se encontravam as mulheres, merecedoras dos mesmos direitos e deveres reconhecidos aos homens; reivindicou-se a Lei do Divórcio, a revisão do Código Civil, o sufrágio feminino restrito, a enfermagem e ensino laicos, a independência económica, a igualdade salarial, o direito à instrução e educação femininas, a abolição da prostituição, o combate à mendicidade infantil, a protecção da maternidade, uma só moral para ambos os sexos; e internacionalizou-se o combate, com a adesão às federações internacionais femininas.

Há cem anos, a discussão feminista foi uma realidade; várias líderes coexistiram, não obstante divergências e incompatibilidades; a mobilização abarcou centenas de activistas burguesas e urbanas; e estas debateram, actuaram, opinaram, polemizaram, discursaram, politizaram-se, expuseram-se, arriscaram, foram incompreendidas, sofreram injúrias, mas marcaram presença nos momentos decisivos ou em pequenos eventos. Estiveram na rua em nome da República, pela República e para celebrar a República, sem renunciarem à obtenção de direitos e Portugal teve uma mulher a votar, a primeira a exercer esse direito em toda a Europa do Sul: a médica Carolina Beatriz Ângelo, perante a omissão da lei eleitoral, por saber ler e escrever, ser chefe da família, pois era viúva, e ter uma filha menor a cargo, recorreu para os tribunais, conseguiu recensear-se e votar, a 28 de Maio de 1911, nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte.

Sem omitir que houve muitas outras mulheres e lutas, como as do operariado feminino, que nunca entroncaram nas reivindicações feministas e continuam esquecidas, e as que morreram ou ficaram feridas no próprio dia 5 de Outubro na Avenida, na Rotunda, nas Ruas do Ouro, do Grilo ou da Maria Pia, vítimas de granadas, armas de fogo ou bombas, sem que nada tivessem a ver com os acontecimentos e sem que a História recorde os seus nomes, evocá-las é prestar-lhes um tardio tributo e pressentir aspirações, vitórias e reveses de cada uma e de todas em tempos adversos à afirmação feminina, numa caminhada actual e sempre inacabada pela igualdade.

Frequentemente contornados ou subvalorizados, os direitos tão duramente reivindicados e conseguidos através de constantes lutas nestes cem anos não podem ser dados como adquiridos ou irreversíveis, como a realidade tem demonstrado ao evidenciar o desfasamento entre o espírito das leis e as vivências quotidianas e quando se registam constantes retrocessos em nome da adequação a novos tempos... mas velhas práticas.

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