[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sábado, 15 de dezembro de 2018

[1972.] JOSÉ BORREGO [I] || A REVOLTA DE 3 DE FEVEREIRO DE 1927, NO PORTO

* JOSÉ BORREGO *
[27/03/1918 - ]



No N.º 40 da revista História, de Fevereiro de 1982, o arquitecto José Borrego descreve o ambiente e episódios da Revolta contra a Ditadura Militar que eclodiu no Porto em 3 de Fevereiro de 1927.

Tinha, então, quase 9 anos, mas o que presenciou, tanto individualmente, como no seio da família ou entre amigos e colegas do Liceu Alexandre Herculano, ficou-lhe para sempre na Memória e fortaleceu o seu trajecto político posterior de resistente antifascista. 


Nesse escrito, insuficientemente conhecido, José Borrego remete-nos para esse longínquo dia 3 de Fevereiro de 1927, quando se encontrava no Liceu, para onde entrara em Outubro de 1926 e cujo Reitor era o republicano Rodrigues Fontinha, e as aulas foram abruptamente interrompidas em virtude de haver "uma revolução".

O pai, José Maria Borrego Júnior, "muito alto, quase dois metros, magro, de fato cinzento quase preto, com o chapéu de abas ligeiramente reviradas para cima, o bigode alourado e sobrancelhas bastas que lhe acentuavam o ar assustador", foi buscá-lo ao estabelecimento escolar, bem como a dois outros irmãos mais velhos, dizendo-lhe que "Desta vez é a sério, ou eles ou nós! Mas deixa lá, tu não percebes isto. É preciso restaurar a República!».

Entrincheirado em casa, localizada na Rua de Santos Pousada, descreve o evoluir do conflito entre os revoltosos e as tropas afectas à Ditadura e os temores por que a família passa, claramente contra o regime saído do 28 de Maio de 1926.

[...]

Dava-se o apoio possível aos revoltosos:


 Ao mesmo tempo que José Borrego descreve a evolução do conflito a favor das forças da Ditadura, evoca os ensinamentos políticos que ele e os irmãos sempre receberam do pai: 

«Todos nós, desde muito novos, ouvíamos o nosso pai fazer uma constante exaltação da ideia republicana e democrática, avançando constantemente uma definição socialista que para sempre nos marcara.»

«Falava-nos dos seus tempos de militante e propagandista do Partido Democrático de Afonso Costa e de como se vira envolvido em violentas lutas contra monárquicos e os reaccionários, quando jovem escrivão de direito na vila beiroa de Figueira de Castelo Rodrigo, depois já em Castelo Branco - num e noutro sítio, proprietário, director, redactor e repórter de jornais progressistas e até mesmo proprietário de tipografias várias vezes "empastelada" pelos reaccionários, que o ameaçavam e atacaram várias vezes à paulada, a soco e a tiro.»

«Descrevia-nos, com pormenores cheios de minúcia, a revolução russa de 1917, falava-nos dos anarquistas ibéricos e dos russos e prenunciava-nos um mundo em que um dia as pessoas teriam todas iguais direitos e deveres, em liberdade e a caminho da abundância e da cultura.»

«Marcara-nos bem com a ideia de que todo o homem tem o direito a uma casa, à alimentação, à saúde e à instrução.»

«Criara-nos o asco às polícias políticas, desde a Inquisição - de que nos contara os horrores -, de Pina Manique, das "Secretas" da monarquia e das ditaduras "republicanas", e fizera-nos ver em que quadro de tirania se estava já a viver e no que se criaria se a revolta fosse perdida.»

«Cultivava em nós o sentido profundo da independência nacional e o da função pública como uma dádiva ao País.»

«E fazia com que não nos esquecêssemos, para o resto das nossas vidas, de que os principais líderes democráticos tinham morrido pobres como sempre tinham sido ou depois de esgotarem as suas fortunas ao serviço do País.»

Esses cinco dias vividos por José Borrego, «que parecia demorarem anos», constituíram uma lição «que nos deixaria marcas que não mais se apagariam».

Fracassada a Revolta de Fevereiro de 1927, triunfou a repressão, as torturas, os fuzilamentos:




Três ou quatro anos depois, José Borrego andava a vender selos do Socorro Vermelho e viria a pertencer ao Partido Comunista Português. 

[José Maria Soares Borrego || Fotografia de 14/04/1947 || ANTT || RGP/17439]

Na década seguinte, em Julho de 1946, integraria a Comissão Central do MUD - Juvenil, sendo preso em 1947, ao mesmo tempo que era um dos apoiantes masculinos da Delegação do Porto da Associação Feminina Portuguesa para a Paz. 

[João Esteves]

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