[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 4 de dezembro de 2022

[3083.] CONGRESSO NACIONAL DO LIVRE PENSAMENTO || ABRIL DE 1908 - 21/04/1908

 CONGRESSO NACIONAL DO LIVRE-PENSAMENTO *

O Mundo || 22/04/1908

[21/04/1908]

Sofia Quintino secretaria a sessão nocturna e discute-se a tese “Feminismo”, da autoria de Ana de Castro Osório: Damásio Ribeiro sugere emendas ao texto; José Salazar propõe o direito do voto municipal para a mulher; Fernão Botto Machado expende ideias gerais sobre feminismo, prestando homenagem a Maria Veleda; Lucinda Tavares, num discurso que a assembleia aplaude muito, aborda a questão da prostituição da mulher e louva a orientação de Ana de Castro Osório; Lara Martins aprecia a situação da criada de servir e da mulher trabalhadora em geral; Fernando Ferreira e João de Deus secundam esta intervenção; Maria Veleda define a sua orientação como propagandista e apresenta propostas, que envia para a mesa, nomeadamente «que se envidem todos os esforços dos bons feministas no sentido de conseguirmos que se organize um partido feminista português» [“Ordem da noite - Feminismo”,
O Mundo
, 22/4/1908].

[O Mundo || 22/04/1908]

«Ordem da noite - Feminismo

Tese que é exposta nos seguintes termos:
Reconhecimento da absoluta liberdade da mulher, com relação ao exercício de todos os direitos individuais, civis, políticos e profissionais, embora os livre pensadores reconheçam que, na sociedade actual, o trabalho salariado, especialmente promíscuo, é frequentemente incompatível com a dignidade da mulher e com a missão natural no lar.
As primeiras aspirações feministas podem talvez, no momento actual, resumir-se ao seguinte:
I – Educação intelectual, moral e física da mulher;
II – Igualdade entre os dois sexos, perante o Código Civil;
III – Direitos políticos da mulher;
A mulher, segundo a opinião de um notável pensador, é a educadora de todos os instantes. A ela compete preparar as gerações futuras para um ideal de igualdade, de fraternidade e de amor. Considerada a mulher sob o ponto de vista educativo, a sua missão é tão grandiosa e tão complexa, que de forma alguma se pode harmonizar com a sua deprimente situação actual.
Portanto, como aspirações de futuro, o Congresso consigna:
1.º - A mulher precisa, antes de tudo, ser convenientemente educada, para se poder desempenhar da sua nobre tarefa.
a) A Federação do Livre Pensamento  promoverá a criação de cursos nocturnos, gratuitos, para mulheres, regidos por mulheres reconhecidamente livre pensadoras;
b) Nesses cursos serão admitidas mulheres de todas as condições sociais, sem limite de idade;
c) Fará a propaganda entre as operárias, com o fim de as convencer de que é preciso que se instruam e se eduquem, se quiserem ser livres;
d) Criará bibliotecas feministas, destinadas a desenvolver o interesse das mulheres pelas artes, ciências e indústrias;
e) Criará, outrossim, cursos de ginástica sueca para o sexo feminino;
f) Realizará conferências educativas, públicas, em todas as escolas laicas onde existem cursos femininos, sobre história das religiões, astronomia, educação  cívica, etc., que apercebem as mulheres de armas naturais para combater os dois grandes inimigos da sociabilidade universal: - Deus e o Jesuíta.
2.º - Às mulheres serão facultadas todas as profissões que as habilitem a lutar contra a prostituição e a miséria, sempre que lhes falte o apoio do seu natural companheiro e amigo – o homem – Como nem todas as mulheres casam todas devem saber trabalhar.
a) Para advogar causas femininas, admitir-se-ão advogados do sexo feminino. Há segredos que a mulher, por pudor, não revela a um homem, e que, naturalmente e sem esforço, desvenda a outra mulher. De resto, a missão de advogado é de compatibilidade absoluta com a bondade, a doçura, a indulgência feminina.
3.º - Não deve a mulher ser considerada menor, em caso algum, depois da maioridade legal para ambos os sexos, excepto no caso de interdição. 
a) A mãe terá, portanto, sobre os filhos, direitos perfeitamente iguais aos do pai;
b) Em caso algum, salvo quando o procedimento da mãe se torne indecoroso, o pai poderá separá-la dos filhos, desde que ela se oponha a essa separação;
c) Quando a mulher conceber fora da lei, que se estabeleça liberdade absoluta de investigação da paternidade, de maneira que não seja ela a única responsável pela existência do filho, e se imponha ao pai o dever de contribuir para a sua criação e educação; 
d) À mulher será concedido o direito de voto, não se compreendendo porque motivo podem usar desse direito todos os homens, embora ignorantes, e ele seja recusado a mulheres de reconhecida capacidade intelectual e moral. Nalguns pontos dos Estados Unidos da América, onde a mulher é eleitora, os costumes têm notavelmente melhorado. A mulher deve ser eleitora e elegível. 
e) As mulheres poderão dispor livremente dos seus bens próprios, adquiridos, doados ou herdados, sem precisarem de autorização dos maridos;
f) Da mesma forma, disporão das suas férias as operárias, não podendo os maridos receber-lhas, senão com declaração prévia das interessadas.
4.º - O divórcio, como está estabelecido na lei francesa, impõe-se, sendo a indissolubilidade do matrimónio um atentado gravíssimo à liberdade e à liberdade, tanto do homem como da mulher.  
O sr. Alfredo Ventura dos Santos, delegado do Grémio Excursionista Civil do Monte, propôs que fossem enviados, por intermédio da Associação do Registo Civil, a todas as excursões civis, uma delegada do livre pensamento para realizar conferências nas povoações rurais, e que se adquira uma verba para se editar o folheto Às mulheres, apresentado no Centro Sabadel e Centro Fraternal de Cultura de Barcelona, para ser distribuído gratuitamente pelas fábricas e oficinas onde abunda o feminismo.
A proposta é também assinada pelos srs. Moraes Cabral e João de Deus.
O sr. Manuel José Dias, apreciando a tese, presta homenagem à sr.ª D. Ana de Castro Osório, que fez o relatório, um dos mais lúcidos e bem redigidos. Saúda o congresso e as senhoras que vê tão numerosamente representadas.
O sr. Gastão Rodrigues usando da palavra propõe que o congresso exija do estado:
1.º O cumprimento restrito das leis respeitantes à vigilância do trabalho das mulheres da indústria;
2.º Regularização por lei do trabalho das costureiras, vítimas dum trabalho extenuante e explorador nos ateliers de costura;
3.º Regularização por lei para que durante o período de gestação e gravidez a mulher não possa exercer trabalhos manuais pela razão da gravíssima influência que desempenha sobre a robustez física da mulher e da criança.
O sr. Damásio Ribeiro numa brilhante dissertação justifica largamente as seguintes emendas que propõe à tese:
1.º Ao preâmbulo para ser assim concebido: Reconhecimento da absoluta liberdade da mulher, com relação ao exercício de todos os direitos individuais civis, políticos e profissionais, embora os livres pensadores reconheçam que a infeliz educação da sociedade actual, suscita tão lamentável quanto inevitável incompatibilidade entre o trabalho feminino salariado e principalmente promíscuo com a sua dignidade de mulher, com a sua missão no lar e com a sua independência económica na sociedade;
2.º  Ao artigo 2.º: Às mulheres serão facultadas as profissões que as habilitem a prover à sua subsistência com a maior independência individual, não obstante o apoio possível do seu natural companheiro e amigo – o homem – limitando-se pelo trabalho do perigo da miséria, origem trivial da mendicidade ou da prostituição, ou mesmo quando casada para melhorar economicamente a situação da família, quando o trabalho seja compatível com a sua situação conjugal e com a educação que ministrar a seus filhos;
3.º ao § 3.º - Atingida a maioridade legal, igual para ambos os sexos, a mulher adquire e deve manter, excepto no caso de interdição, a sua absoluta independência individual;
Aditamento ao § 5.º - O estado não reconhecerá a prostituição nem os elementos para a sua prática.
O sr. José Salazar propõe o direito do voto municipal para a mulher.
Usa da palavra o sr. Botto Machado, que expende ideias gerais sobre feminismo, prestando homenagem à sr.ª D. Maria Veleda, que debutou na propaganda da instrução e do feminismo levada por ele orador que com a distinta professora sustentou uma interessante polémica.
Em seguida a sr.ª D. Lucinda Tavares, num discurso que a assembleia aplaude muito, aborda a questão da prostituição da mulher e louva a orientação da sr.ª D. Ana de Castro Osório, na sua tese a esse respeito.
O sr. Lara Martins aprecia a situação da criada de servir e da mulher trabalhadora em geral, e os srs. Fernando Ferreira e João de Deus falam na mesma ordem de ideias.
Em seguida a sr.ª D. Maria Veleda, recebida  com demonstrações de simpatia da assembleia, define brilhantemente a sua orientação como propagandista e fez a leitura das propostas que envia para a mesa. Essas propostas são do teor seguinte:
Que o Congresso do Livre Pensamento se manifeste, como julgar conveniente, no sentido de conseguir-se que as horas de trabalho sejam diminuídas e abolidas as sessões; que a junta federal se ocupe muito particularmente deste assunto, e a sua comissão de propaganda tome a peito não só o conseguimento desta aspiração como a propaganda a que se referem as alíneas c) e f).
Em adição às palavras: às mulheres serão facultadas todas as profissões, deverão intercalar-se estas: que estejam de harmonia com a sua organização física.
§ único. – Que o congresso discuta as conveniências de uma manifestação pública, colectiva, por parte das mulheres portuguesas, em favor do sufrágio feminino, dirigindo-se em cortejo sério e ordenado ao parlamento, onde apresentaria a reclamação desse direito. 
1.º Que se envidem todos os esforços dos bons feministas no sentido de conseguirmos que se organize um partido feminista português, tendo [...].»

 [O Mundo || 22/04/1908]

[João Esteves]

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