* SOFIA DE OLIVEIRA FERREIRA *
[01/05/1922 - 22/04/2010]
[01/05/1922 - 22/04/2010]
[1955 - Clandestinidade]
* A mulher que totalizou mais tempo de prisão por motivos políticos: 12 anos e 3 meses *
Filha de trabalhadores rurais com muitas dificuldades económicas, nasceu em Alhandra a 1 de maio de 1922, ainda que no registo conste dia 10, e com dois anos foi viver para Vila Franca de Xira.
Sem condições para ir à escola e estudar, começou a labutar na agricultura ainda garota, fazendo, com dez anos, todo o tipo de trabalho como “as mudas, as sachas, a apanha de favas, andar com as éguas a gradar” e ganhando “um pouco menos que a minha mãe, cerca de três escudos” [João Céu e Silva, Álvaro Cunhal e as mulheres que tomaram partido, Porto, Edições ASA, 2006].
Aos doze foi viver para casa dos padrinhos, em Lisboa, onde ajudava nos trabalhos domésticos: “Havia pessoas idosas e também cuidava delas, existia um quintal com criação e eu cuidava também da criação. Foi aí que aprendi a ler, com uma vizinha que me ensinou as primeiras noções, num livro do João de Deus, e a fazer contas. Na casa havia livros que me interessavam, As Pupilas do Senhor Reitor, por exemplo, que gostava muito de ler. Comecei a escrever para a minha família, para os meus pais e para as minhas irmãs que tinham ficado em Vila Franca. Depois, a minha irmã mais nova, a Mercedes, foi ter comigo e fez a 4.ª classe porque eles pagaram!” [palavras de Sofia Ferreira a João Céu e Silva].
Em 1945, na sequência do crescimento da luta política na zona de Vila Franca de Xira e por influência das irmãs Georgette [n. 25/07/1925] e Mercedes de Oliveira Ferreira [n. 09/12/1928], tornou-se militante do Partido Comunista Português, entrando, por intermédio de António Dias Lourenço [25/03/1915-07/08/2010], na clandestinidade em 1946. Tinha então 24 anos e, embora fosse mais velha do que aquelas duas, foi a última a entrar na luta política, sendo que o irmão não manteve intervenção política ativa, o que se revelou importante por permitir dar apoio, com a mulher, aos pais já idosos, circulando as informações com muita dificuldade e morosidade, “apesar do esforço da direção do partido para obter informações dos familiares” [entrevista a Antónia Balsinha de 30/09/2000, p. 223].
Durante as suas duas prisões, recusou sempre prestar quaisquer declarações sobre as atividades partidárias, apesar da violência policial, incluindo a tortura, aquando da primeira detenção.
Esteve, durante pouco mais de dois anos, numa casa clandestina no concelho da Figueira da Foz onde era impresso O Militante: “Era uma localidade muito pobre. Havia uma vizinha que nos ia buscar água porque a casa não tinha eletricidade, nem água, trabalhávamos à luz dos candeeiros. A casa ficava isolada dentro duma quinta e não existia nenhuma casa perto” [palavras ditas a João Céu e Silva].
Em finais de 1948, ocupou com Álvaro Cunhal [1913-2005] uma casa do Secretariado instalada no Luso (Mealhada), usando o pseudónimo “Elvira” e passando os dois por um “casal”. A 25 de março de 1949 era presa pela primeira vez, juntamente com aquele e Militão Bessa Ribeiro [13/08/1896-02/01/1950] que, andando fugido à PIDE que estava no seu encalço, procurou ali refúgio: a detenção, “de uma violência impressionante”, tendo inclusivamente sido apontada uma arma à cabeça de Álvaro Cunhal, deu-se de surpresa durante a noite, quando todos dormiam, com a PIDE bem armada e o local cercado.
Levada para a sede da PIDE do Porto, aí encontrou Luísa Rodrigues [1903-1961], companheira de Militão Ribeiro detida a 10 de fevereiro de 1949 em Macinhata do Vouga, Sever do Vouga, e que se encontrava em estado grave, sobretudo do ponto de vista psíquico, procurando, dentro do possível, aliviar o seu sofrimento psicológico.
Na subdiretoria do Porto, onde permaneceu seis meses “completamente isolada e proibida de fazer o que quer que fosse” [João Pina e Rui Daniel Galiza, “Sofia Ferreira – A prisioneira política portuguesa com mais tempo de detenção”, Por Teu Livre Pensamento – Histórias de 25 Ex-Presos Políticos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, pp. 68-69 e 179-182], Sofia Ferreira seria sujeita a persistentes interrogatórios, que incluíram agressões físicas e ameaças várias.
Foi transferida para Caxias a 15 de setembro, posta à disposição do Tribunal Criminal de Lisboa a 21 do mesmo mês e libertada no dia 31 de outubro, por ordem do 3.º Juízo Criminal de Lisboa, mediante o pagamento de caução. Aquando do julgamento, com Álvaro Cunhal, no Tribunal da Boa Hora a 2 e 9 de maio de 1950, foi defendida pelo advogado Manuel João da Palma Carlos [24/06/1915-01/11/2001]. Sofia Ferreira foi então condenada em dezoito meses, pena agravada para vinte meses e um ano de medidas de segurança e privada de direitos políticos durante três anos, por pertencer ao Partido Comunista, só saindo da cadeia a 4 de fevereiro de 1953.
Regressou à atividade política e em julho desse mesmo ano partiu para o Porto, onde esteve dois anos a desenvolver trabalhos técnicos.
Em 1957, passou a atuar em Lisboa e em setembro, no V Congresso realizado numa casa em S. João do Estoril, foi eleita membro suplente do Comité Central.
Tornou a ser presa, desta vez em Lisboa, no bairro das Amoreiras, a 28 de maio de 1959, quando se dirigia para um encontro político com o companheiro António Santo, também ele detido: embora fossem companheiros e pertencessem ao mesmo organismo partidário, por uma questão de segurança não habitavam a mesma casa clandestina.
Recolheu ao Forte de Caxias e recusou, mais uma vez, prestar quaisquer declarações à PIDE. Na sequência do julgamento realizado em maio de 1960, foi condenada a cinco anos e meio de prisão, mais três anos de medidas de segurança, só sendo libertada a 5 de agosto de 1968, o que a tornou a presa política com mais tempo de cativeiro: 12 anos e três meses. Nem mesmo quando a mãe, Joaquina de Oliveira Ferreira, faleceu em março de 1965 lhe foi concedida autorização para ir ao velório.
Os anos de cativeiro em Caxias foram particularmente difíceis: “A alimentação nesse tempo era insuficiente e mal confecionada. A assistência, praticamente não existia. Havia proibições e limitações constantes de entradas de jornais e livros e, até, de trabalhos manuais. Ao mesmo tempo assistia-se a constantes provocações dos carcereiros, castigos, tanto nas celas como nos segredos e espancamentos. Tinha-se conhecimento e presenciava-se as saídas e entradas de companheiros, mulheres e homens, para interrogatórios, de onde regressavam em estado lamentável, gritando, gemendo e arrastando os pés pelos corredores em consequência das torturas” [testemunho prestado a Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência, Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 48-57].
Depois de nove anos e três meses detida, exatamente o mesmo período do do companheiro, este em Peniche, casou, em novembro, com António Santo.
Após uma passagem de ano e meio pela União Soviética, onde viveu a lua-de-mel, procurou recuperar a saúde abalada e desempenhou tarefas políticas, voltou à militância, continuando a não viver na mesma casa do marido por questões de segurança: integrou, com Cecília Areosa Feio [05/12/1921-08/02/1980], Maria da Piedade Morgadinho, Maria José Ribeiro e Maria Luísa Palhinha da Costa Dias [15/10/1916-10/05/1975], a delegação portuguesa ao Congresso Mundial das Mulheres em Helsínquia, realizado entre 14 e 17 de junho de 1969, onde se abordou as condições de vida das trabalhadoras, as iniciativas em defesa da paz e campanhas de solidariedade realizadas no país, e em 1970 regressou a Portugal.
Em Abril de 1974, residia, com Maria Lourenço Calção Cabecinha [n. 1937], numa casa clandestina na Damaia de Baixo.
Usou os pseudónimos “Soares” e “Elvira”.
Manteve-se no Comité Central até 1988 e faleceu a 22 de abril de 2010, com 87 anos de idade.
Rose Nery Nobre de Melo integrou-a no pioneiro trabalho sobre as Mulheres portuguesas na resistência, intercalando a “Biografia Prisional” com o relato de Sofia Ferreira.
Antónia Balsinha incluiu o seu nome no estudo pioneiro que fez sobre o papel das mulheres de Alhandra na resistência ao fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado a 30 de setembro de 2000 [As Mulheres de Alhandra na Resistência. Anos quarenta, século XX].
Rui Daniel Galiza e João Pina encerraram a obra Por teu livre pensamento com o seu depoimento.
João Céu e Silva ouviu-a pormenorizadamente no âmbito do livro Álvaro Cunhal e as mulheres que tomaram partido.
Feminae - Dicionário Contemporâneo, editado em 2013, inseriu a sua biografia.
Sem condições para ir à escola e estudar, começou a labutar na agricultura ainda garota, fazendo, com dez anos, todo o tipo de trabalho como “as mudas, as sachas, a apanha de favas, andar com as éguas a gradar” e ganhando “um pouco menos que a minha mãe, cerca de três escudos” [João Céu e Silva, Álvaro Cunhal e as mulheres que tomaram partido, Porto, Edições ASA, 2006].
Aos doze foi viver para casa dos padrinhos, em Lisboa, onde ajudava nos trabalhos domésticos: “Havia pessoas idosas e também cuidava delas, existia um quintal com criação e eu cuidava também da criação. Foi aí que aprendi a ler, com uma vizinha que me ensinou as primeiras noções, num livro do João de Deus, e a fazer contas. Na casa havia livros que me interessavam, As Pupilas do Senhor Reitor, por exemplo, que gostava muito de ler. Comecei a escrever para a minha família, para os meus pais e para as minhas irmãs que tinham ficado em Vila Franca. Depois, a minha irmã mais nova, a Mercedes, foi ter comigo e fez a 4.ª classe porque eles pagaram!” [palavras de Sofia Ferreira a João Céu e Silva].
Em 1945, na sequência do crescimento da luta política na zona de Vila Franca de Xira e por influência das irmãs Georgette [n. 25/07/1925] e Mercedes de Oliveira Ferreira [n. 09/12/1928], tornou-se militante do Partido Comunista Português, entrando, por intermédio de António Dias Lourenço [25/03/1915-07/08/2010], na clandestinidade em 1946. Tinha então 24 anos e, embora fosse mais velha do que aquelas duas, foi a última a entrar na luta política, sendo que o irmão não manteve intervenção política ativa, o que se revelou importante por permitir dar apoio, com a mulher, aos pais já idosos, circulando as informações com muita dificuldade e morosidade, “apesar do esforço da direção do partido para obter informações dos familiares” [entrevista a Antónia Balsinha de 30/09/2000, p. 223].
Durante as suas duas prisões, recusou sempre prestar quaisquer declarações sobre as atividades partidárias, apesar da violência policial, incluindo a tortura, aquando da primeira detenção.
Esteve, durante pouco mais de dois anos, numa casa clandestina no concelho da Figueira da Foz onde era impresso O Militante: “Era uma localidade muito pobre. Havia uma vizinha que nos ia buscar água porque a casa não tinha eletricidade, nem água, trabalhávamos à luz dos candeeiros. A casa ficava isolada dentro duma quinta e não existia nenhuma casa perto” [palavras ditas a João Céu e Silva].
Em finais de 1948, ocupou com Álvaro Cunhal [1913-2005] uma casa do Secretariado instalada no Luso (Mealhada), usando o pseudónimo “Elvira” e passando os dois por um “casal”. A 25 de março de 1949 era presa pela primeira vez, juntamente com aquele e Militão Bessa Ribeiro [13/08/1896-02/01/1950] que, andando fugido à PIDE que estava no seu encalço, procurou ali refúgio: a detenção, “de uma violência impressionante”, tendo inclusivamente sido apontada uma arma à cabeça de Álvaro Cunhal, deu-se de surpresa durante a noite, quando todos dormiam, com a PIDE bem armada e o local cercado.
Levada para a sede da PIDE do Porto, aí encontrou Luísa Rodrigues [1903-1961], companheira de Militão Ribeiro detida a 10 de fevereiro de 1949 em Macinhata do Vouga, Sever do Vouga, e que se encontrava em estado grave, sobretudo do ponto de vista psíquico, procurando, dentro do possível, aliviar o seu sofrimento psicológico.
Na subdiretoria do Porto, onde permaneceu seis meses “completamente isolada e proibida de fazer o que quer que fosse” [João Pina e Rui Daniel Galiza, “Sofia Ferreira – A prisioneira política portuguesa com mais tempo de detenção”, Por Teu Livre Pensamento – Histórias de 25 Ex-Presos Políticos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, pp. 68-69 e 179-182], Sofia Ferreira seria sujeita a persistentes interrogatórios, que incluíram agressões físicas e ameaças várias.
Foi transferida para Caxias a 15 de setembro, posta à disposição do Tribunal Criminal de Lisboa a 21 do mesmo mês e libertada no dia 31 de outubro, por ordem do 3.º Juízo Criminal de Lisboa, mediante o pagamento de caução. Aquando do julgamento, com Álvaro Cunhal, no Tribunal da Boa Hora a 2 e 9 de maio de 1950, foi defendida pelo advogado Manuel João da Palma Carlos [24/06/1915-01/11/2001]. Sofia Ferreira foi então condenada em dezoito meses, pena agravada para vinte meses e um ano de medidas de segurança e privada de direitos políticos durante três anos, por pertencer ao Partido Comunista, só saindo da cadeia a 4 de fevereiro de 1953.
Regressou à atividade política e em julho desse mesmo ano partiu para o Porto, onde esteve dois anos a desenvolver trabalhos técnicos.
Em 1957, passou a atuar em Lisboa e em setembro, no V Congresso realizado numa casa em S. João do Estoril, foi eleita membro suplente do Comité Central.
Tornou a ser presa, desta vez em Lisboa, no bairro das Amoreiras, a 28 de maio de 1959, quando se dirigia para um encontro político com o companheiro António Santo, também ele detido: embora fossem companheiros e pertencessem ao mesmo organismo partidário, por uma questão de segurança não habitavam a mesma casa clandestina.
Recolheu ao Forte de Caxias e recusou, mais uma vez, prestar quaisquer declarações à PIDE. Na sequência do julgamento realizado em maio de 1960, foi condenada a cinco anos e meio de prisão, mais três anos de medidas de segurança, só sendo libertada a 5 de agosto de 1968, o que a tornou a presa política com mais tempo de cativeiro: 12 anos e três meses. Nem mesmo quando a mãe, Joaquina de Oliveira Ferreira, faleceu em março de 1965 lhe foi concedida autorização para ir ao velório.
Os anos de cativeiro em Caxias foram particularmente difíceis: “A alimentação nesse tempo era insuficiente e mal confecionada. A assistência, praticamente não existia. Havia proibições e limitações constantes de entradas de jornais e livros e, até, de trabalhos manuais. Ao mesmo tempo assistia-se a constantes provocações dos carcereiros, castigos, tanto nas celas como nos segredos e espancamentos. Tinha-se conhecimento e presenciava-se as saídas e entradas de companheiros, mulheres e homens, para interrogatórios, de onde regressavam em estado lamentável, gritando, gemendo e arrastando os pés pelos corredores em consequência das torturas” [testemunho prestado a Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência, Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 48-57].
Depois de nove anos e três meses detida, exatamente o mesmo período do do companheiro, este em Peniche, casou, em novembro, com António Santo.
Após uma passagem de ano e meio pela União Soviética, onde viveu a lua-de-mel, procurou recuperar a saúde abalada e desempenhou tarefas políticas, voltou à militância, continuando a não viver na mesma casa do marido por questões de segurança: integrou, com Cecília Areosa Feio [05/12/1921-08/02/1980], Maria da Piedade Morgadinho, Maria José Ribeiro e Maria Luísa Palhinha da Costa Dias [15/10/1916-10/05/1975], a delegação portuguesa ao Congresso Mundial das Mulheres em Helsínquia, realizado entre 14 e 17 de junho de 1969, onde se abordou as condições de vida das trabalhadoras, as iniciativas em defesa da paz e campanhas de solidariedade realizadas no país, e em 1970 regressou a Portugal.
Em Abril de 1974, residia, com Maria Lourenço Calção Cabecinha [n. 1937], numa casa clandestina na Damaia de Baixo.
Usou os pseudónimos “Soares” e “Elvira”.
Manteve-se no Comité Central até 1988 e faleceu a 22 de abril de 2010, com 87 anos de idade.
Rose Nery Nobre de Melo integrou-a no pioneiro trabalho sobre as Mulheres portuguesas na resistência, intercalando a “Biografia Prisional” com o relato de Sofia Ferreira.
Antónia Balsinha incluiu o seu nome no estudo pioneiro que fez sobre o papel das mulheres de Alhandra na resistência ao fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado a 30 de setembro de 2000 [As Mulheres de Alhandra na Resistência. Anos quarenta, século XX].
Rui Daniel Galiza e João Pina encerraram a obra Por teu livre pensamento com o seu depoimento.
João Céu e Silva ouviu-a pormenorizadamente no âmbito do livro Álvaro Cunhal e as mulheres que tomaram partido.
Feminae - Dicionário Contemporâneo, editado em 2013, inseriu a sua biografia.
[João Esteves]
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