* VIRGÍNIA QUARESMA *
"Feminismo e feministas..."
Alma Feminina || N.º 9 || 08/08/1907
Virgínia Quaresma escreve sobre “Feminismo e Feministas...” no N.º 9 da revista Alma Feminina, de 8 de Agosto de 1907, onde considera que «duas correntes intensas e desencontradas representam no nosso meio social as reivindicações feministas»:
«Feminismo e Feministas...
Duas correntes intensas e desencontradas representam no nosso meio social as reivindicações feministas.
Numa predomina o exagero, a falta de senso levada ao ridículo, correria vertiginosa de todos os que, deslumbrados por uma utopia, desejam alcançar um fim, sem medir nem os meios de o fazer nem as consequências funestas que dele podem advir.
Este feminismo pouco criterioso mas, que, por vezes, se impões à nossa simpatia por ser um brado generoso de espíritos muito liberais, não pode de forma nenhuma interessar-nos nem ter jus aos nossos aplausos mulher que simplesmente pelas áridas paixões da política, ataca entidades pessoais, que vai gesticular e combater na tribuna os representantes dos regimes governamentais – essa mulher, para nós, despiu-se totalmente de todos os encantos femininos, para se converter num dragão de saias.
As mulheres portuguesas podem desde já ,mesmo no estado atrasado e deprimente em que se encontra a nossa sociedade, começar a interferir nos movimentos políticos sem que se revistam de atitudes exaltadas e ridículas.
Em França o espírito enciclopédico que preparou o país para a revolução foi agitado, principalmente pelo elemento feminino. Em todos os períodos de esplendor, assinalados na história pelo espírito francês, a acção da mulher pode, sem grandes dificuldades, ser revelada.
Os salões literários presididos pelos mais ilustrados e graciosos vultos femininos da França de então tiveram um poderio inconsiderável na sociedade daquele tempo.
[...]
A mulher tem, é certo, direito de interferir em todos os problemas sociais, tanto de ordem política como moral, porque a sua existência e a dos entes que lhe são queridos está indissoluvelmente ligada a eles e desinteressar-se do que a cerca é sair, por uma apatia condenável duma parte capital e integrante do que constitui a sua própria vida física e psíquica, mental e afectiva.
Mas como deverá exercer essa influência? Eis em que consiste o problema. Pelo sentimento, pela bondade, pela propaganda do ideal do amor, da Solidariedade e da Paz irá a pouco e pouco, por uma evolução lenta mas eficaz, transformando as sociedades e levantando e aperfeiçoando o espírito dos povos.
A política dever-lhe-á um dia muito, porque a educação moral das sociedades lhe deverá tudo, mas a história que assinalará a sua acção e os seus impulsos não será a de D. Quixote de la Mancha nem a dos Três Mosqueteiros de Dumas.
Eis a diferença.
Esboçada e fugitivamente comentada uma das correntes feministas que predominam no nosso país, falta-nos tratar da outra, retrograda, receosa, lembrando a indecisão duma criança que começa a ensaiar os primeiros passos e que tem o espírito aterrorizado com a ideia do esforço.
Há dias que um dos nossos melhores e mais lidos jornais diários, nos punha, ante os olhos a imagem dum espectáculo assim com um artigo feminista que publicava.
Enaltecia o movimento feminista impulsionado pela mulher portuguesa, mostrava-se apóstolo fervoroso da educação da mulher mas só - a sua conclusão restringia-se a isto - porque a mulher deverá ser a educadora dos filhos.
Como facilmente se infere uns pecam por excesso outros por defeito.
A educação da mulher não poderá ser ministrada simplesmente com o intuito de a tornar uma educadora dos filhos.
Isto já é alguma coisa mas não é tudo.
Pois todas as mulheres têm como destino o casamento ou o serem mães? por certo que não. As estatísticas, principalmente em Portugal, demonstram-nos que o número de mulheres viúva e solteiras se eleva ao das casadas.
E neste caso quais serão as medidas sensatas tomadas pelas sociedades modernas para que a mulher providencie sobre as suas condições de vida e da família se a tiver?
O feminismo não terá apontadas estas circunstâncias, um importantíssimo aspecto económico?
De certo que o tem e nele trataremos analiticamente no próximo número deste jornal.
Agora como nota final adicionaremos uma caso passado connosco numa Escola Superior do nosso país
Discutia um grupo de rapazes com grande calor e com a lógica costumada em tais casos, o assunto da mulher estudar e pretender seguir carreiras científicas como o homem.
Julgámo-nos indirectamente alvejadas mas conservámo-nos impassíveis. Um nosso condiscípulo estranhou o facto da nossa indiferença e pediu-nos uma discussão imediata.
- Não discuto essa opinião, disse tranquilamente, porque a aceito.
A estranheza pela nossa atitude redobrou de intensidade.
- Sim, aceito-a, repeti. Quanto mais tentador não seria, para mim, agora, pelo menos, ir para minha casa e, com o espírito sossegado sem o sobressalto das lições, das dissertações e dos exames que me esperam ler Bourguet, Alphonse Daudet, Flaubert, Balzac, etc. mas ...se eu o fizer, encarregam-se os meus colegas de acudir um dia aos meus meios de subsistência e de minha família?
Todos se calaram e neste emudecimento sentimos comprovada a ideia de que o aspecto económico é o ponto capital em que deve assentar o problema feminista que interessa verdadeiramente as sociedades modernas.
O utilitarismo sobrelevou-se nos meios sociais de hoje, às noções do belo e do agradável. Abandonemos, portanto, um pouco o domínio da filosofia e levemos a nossa causa para o lado, por todos compreendido e aceite, da prática da vida – e o feminismo terá encontrado, enfim, uma arma invencível e criteriosa para todos os espíritos.»
[Alma Feminina, n.º 9, 08/08/1907]
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