* LIGA REPUBLICANA DAS MULHERES PORTUGUESAS *
REPRESENTAÇÃO ENTREGUEA TEÓFILO BRAGA, PRESIDENTE DO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA, EM 03/02/1911
Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo e Maria Laura Monteiro Torres, em nome da Comissão de Propaganda Feminista da LRMP, entregaram, em 3 de Fevereiro de 1911, uma representação a Teófilo Braga, Presidente do Governo Provisório, onde se reclamava o direito de voto para a mulher economicamente independente. É assinada por toda a comissão de propaganda feminista e sufragista e Teófilo Braga «comprometeu-se a apresentá-la na primeira reunião de ministros, pois que as reivindicações que nela se fazem são de justiça e estão em harmonia com as suas ideias» [“Propaganda feminista e sufragista”, O Mundo, 04/02/1911].
«Feminismo
Reclamações
A Comissão de propaganda feminista da «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» foi no dia 3 recebida pelo sr. Dr. Teófilo Braga, digno presidente do Governo Provisório, apresentando-lhe a representação que a seguir publicamos.
O ilustre homem de ciência, depois de ouvir ler a representação, cumprimentou as senhoras presentes pelo trabalho apresentado, dizendo-lhes que de todo o seu coração advogaria uma causa tão justa e que tão claramente corresponde à evolução da sociedade moderna. O sr. Dr. Teófilo Braga disse, numa verdadeira e interessante conferência sobre o feminismo, palavras de tanta lucidez e tanta verdade, que bom seria fossem escutadas por aqueles que sem ciência nem consciência falam levianamente de coisas que nem sabem explicar e muito menos compreender.
Representação
Ao Ex.mo Sr. Dr. Teófilo Braga e mais membros do Governo Provisório da República
Cidadãos:
A «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas», tendo muitos e variados assuntos a tratar dentro do seu vasto plano de orientação e auxílio moral da mulher, delegou, na comissão que assina a presente, o especial encargo da propaganda feminista e do estudo e reclamações a fazer sobre as leis existentes e as que o Governo venha a promulgar sob o ponto de vista de interesse feminino.
Cumprindo pois o mandato que nos foi concedido, nós vimos ainda uma vez mais reclamar para o nosso sexo o sufrágio nas condições modestíssimas em que julgamos de nosso dever fazê-lo, para não pôr o Governo Provisório na contingência desagradável de recusar o que constitui uma das mais nobres afirmações do Partido Republicano – a igualdade de direitos da mulher.
Nós desejamos que a República nascente, para a qual trabalhámos com o entusiasmo da nossa propaganda, e que já tem legislado tão larga e nobremente, não cometa o erro imperdoável que a grande revolução francesa cometeu, negando à mulher todos os direitos políticos, tendo-se aliás servido dela para a sua propaganda na oposição.
Nós não vimos reclamar, porque isso seria pedir por agora um impossível social, o sufrágio universal, como à luz da razão e da ciência seria justo, mas vimos reclamar o que temos feito desde o princípio: o direito de voto para as mulheres que pela sua posição especial devem poder exercê-lo; isto é – as que contribuam para a colectividade com o dinheiro das suas contribuições directas, as que exerçam uma profissão científica ou literária, as que sendo independentes moral e economicamente não podem, por uma imposição do preconceito e da rotina, continuar na República a viver no regímen vexante dos tutelados, fora da sociedade como os cretinos.
O voto como o pedimos é apenas o estabelecimento dum princípio de justiça, o qual, honrando o Governo da República, auxiliará a nossa propaganda, pois que a mulher tratará de trabalhar e se elevar para obter o direito que hoje apenas a uma minoria pequena aproveitará.
Vimos também reclamar para as mulheres o direito de serem votadas e nomeadas para todas as comissões pedagógicas de higiene e assistência, como para as juntas paroquiais e municipais, onde por certo farão bons serviços, por isso que a mulher é, talvez mais do que o homem, amante do seu torrão, agarrada à sua pequenina pátria – quer dizer à sua localidade – que desejará ver aumentada e melhorada. Assim, aproveitando a tendência regionalista da mulher, a República poderá encontrar no seu trabalho um bom auxílio para a renovação pátria.
A terra portuguesa, tão baixo caída pela criminosa incúria da monarquia, necessita para se erguer à altura que lhe compete do concurso de todos os cidadãos, e a mulher é um factor que não pode nem deve desprezar neste momento único de renovação social. Por isso, cidadãos, nós vimos requerer parta a mulher o direito de trabalhar pelo ressurgimento duma Pátria que também julga pertencer-lhe.
Em todos os países civilizados a mulher é hoje ouvida e chamada, especialmente nas questões pedagógicas, desempenhando cargos nos altos conselhos da instrução. Em Portugal, onde há mulheres da competência de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, as reformas do ensino serão feitas sem que se chame a dar a sua opinião esta senhora, ou qualquer outra que do assunto tenha largo conhecimento?
Terminando por agora, não podemos deixar de vir reclamar contra o limite de idade, que é sempre vexante e injusto, e para a mulher muito mais ainda porque no nosso país onde a sua educação é tão descurada, só tarde ela pensa em adquirir uma posição que a torne independente, e que a incúria das famílias lhe não deu em moça.
Assim, nós pedimos que seja abolido o limite de idade para a admissão nas Escolas Normais, nas Juntas do Crédito Público e outras, como já conseguimos que fosse abolido para as estudantes de enfermagem, por pedido directamente feito pelas signatárias D.ra Carolina Beatriz Ângelo e Ana de Castro Osório ao actual enfermeiro-môr do hospital de S. José, o sr. Dr. Augusto de Vasconcelos.
Finalizando, não podemos deixar de cumprimentar o sr. Ministro do Interior pelo seu decreto que garante às professoras dois meses de descanso, com vencimento, no último período de gravidez e no primeiro depois do parto.
É uma medida de salvação pública que desejaríamos ver estender-se com força de lei a todos os empregos exercidos pelas mulheres, principalmente nos trabalhos violentos da indústria, sendo os patrões obrigados ao mesmo que o Governo se obriga hoje para as professoras, e amanhã fará a todas as suas empregadas.
A maternidade é a dolorosa e difícil contribuição de sangue que a mulher paga à sociedade; portanto é justo que a República, que olha carinhosamente pelos seus soldados, não despreze as mães, que mais ainda necessitam de protecção e amparo.
Não podemos terminar sem muito especialmente saudar, na nova legislação portuguesa, em que a mulher começa a ser considerada um indivíduo consciente e autónomo, a obra grandiosa do sr. Dr. Afonso Costa.
Saúde e fraternidade
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1911
(a.a.) D.ra Carolina Beatriz Ângelo
Joana de Almeida Nogueira
Virgínia da Fonseca
Rita Dantas Machado
Laura Monteiro Torres
Adelaide da Cunha Barradas
Constança Dias
Ana de Castro Osório.»
[O Radical, 12/2/1911]
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