* VIRGÍNIA QUARESMA *
"O feminismo"
"Jornal da Mulher" || 03/09/1906
Em 03 de Setembro de 1906, Virgínia Quaresma pronuncia-se, no “Jornal da Mulher” (O Mundo), sobre “O feminismo”, onde denuncia a forma como ele é depreciado pela sociedade, acarretando ofensas às suas defensoras:
«O feminismo
Nenhum ideal, sedento de luz e de justiça, tem à face da sociedade portuguesa um aspecto tão criminoso como o do feminismo e este facto, infelizmente, dá-se porque nenhum também é por ela tão mal compreendido e estudado.
O feminismo é para o nosso meio a síntese odiosa de todas as aspirações insensatas, desequilibradas e ridículas que se podem concentrar no cérebro inferior e no coração fraco da mulher.
É para este acanhado e infeliz meio português, o terror do homem, da família e da sociedade inteira.
Certamente que nenhum apóstolo das sociedades modernas, nenhum partido de qualquer cor política, nenhuma seita religiosa, seja qual for a crença absurda que perfilhe, necessitam tanta audácia para declararem ao público a doutrina que advogam do que aquela de que a mulher precisa ao expor-se a dizer que é «feminista» torna-se incompatível com quase todo o convívio social, porque não perdem ocasião de a deprimirem e de a ferirem, empregando todos e quaisquer processos de mesquinhez e de cobardia para o fazerem.
Os louvores que a sociedade mundana hipocritamente lhe dirige, têm sempre o veneno da inveja e da ironia.
As distracções nela são delitos, as faltas são crimes, os erros e as fraquezas inerentes a toda a humanidade são na feminista chagas pustulentas de que este «virtuoso» meio português receia a influência e o contágio.
Os seus trajes, os seus gestos, a orientação dos seus sentimentos mais íntimos, a predilecção dos seus gostos, o desempenho dos seus deveres mais sagrados, tudo, enfim, dá motivo a que a maledicência satisfaça a sua sede.
E neste país em que todos são os inteligentes, os liberais, os artistas, é raro levantar-se uma voz para dizer que o feminismo é a cruzada mais justa dos povos modernos. A ninguém lembra que o ideal do feminismo consiste em libertar o pensamento a metade da sociedade, que é ele, fazendo boas esposas, boas mães e boas educadoras, a esperança única que deve sorrir a estas gerações raquíticas e atrofiadas. A ninguém sugere que o feminismo é a independência da vida feminina para livremente procurar no casamento, não o refúgio à fome ou a satisfação à sede do luxo, mas a realidade do ideal de amor e da felicidade a que tem direito como mulher, porque nunca o deixa de ser. Poucos têm compreendido entre nós finalmente que o feminismo é talvez a única campanha segura e orientada que combate o adultério e fecha as portas à prostituição.
Virgínia Quaresma»
[O Mundo, 03/09/1906]
[João Esteves]
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