[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 13 de junho de 2024

[3440.] PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || CCCXXV

PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || CCCXXV *

01944. Gabriel Pedro [1927, 1928, 1934]

[Gabriel Pedro || F. 15707/1927 || ANTT || PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-3-NT-8903]

[“O Samouco”. Nasceu em 22 de abril de 1898, na freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa, filho de Marta da Conceição e de Sebastião Pedro. Marítimo, cresceu em condições particularmente difíceis entre Lisboa e o Samouco e começou a trabalhar muito novo, nomeadamente na faina da pesca, o que muito contribuiu para um invulgar conhecimento do mar e das técnicas de navegação, permitindo-lhe, sempre que corria perigo, refugiar-se no Tejo para escapar às autoridades e à prisão. Acompanhou e viveu as sucessivas revoltas desencadeadas entre o derrube da monarquia, em 5 de outubro de 1910, e o triunfo da ditadura militar, em 26 de maio de 1926, empenhando-se na defesa da República contra as forças monárquicas ou fascizantes: com 12 anos, a caminho da lota de Lisboa depois de uma noite de pesca em Alcochete, presenciou as movimentações de grupos revolucionários republicanos, civis e militares, que fizeram triunfar o novo regime; em dezembro de 1917, quando fragateiro, observou o movimento militar chefiado por Sidónio Pais; em janeiro de 1919, associou-se às movimentações populares contra a revolta monárquica centrada na Serra de Monsanto; em 18 de abril de 1925, aquando da revolta militar que procurava antecipar os tempos de ditadura, enfileirou no seu combate, reforçando a sua desconfiança em relação ao comandante da Polícia Cívica de Lisboa, o tenente-coronel João Maria Ferreira do Amaral. Integrou, no mês seguinte, em 15 de maio, o grupo responsável pelo atentado que o feriu com gravidade, sendo por intermédio de Gabriel Pedro que Paulo da Silva, o elemento mais procurado, se conseguiu esconder e embarcar, no Sacavém, para França. Depois, envolveu-se em assaltos de "violência revolucionária", nomeadamente a uma ourivesaria na Rua de São Paulo, em fevereiro de 1926, fazendo com que tivesse de partir, clandestinamente, para África. Estava já casado com Margarida Tavares Fernandes Ervedoso e tinha três filhos: Edmundo Pedro (08/11/1918 - 27/01/2018), João (1920-1935) e Germano Tavares Pedro. Desembarcou em Luanda, onde trabalhou e permaneceu vários meses, passou por Bolama e, por falta de ocupação, seguiu para a cidade da Praia, sempre de forma clandestina, reencontrando nestes dois últimos locais vários companheiros deportados que lhe asseguraram a sobrevivência. Ao fim de ano em meio em África, já sob a Ditadura Militar, acabaria por ser preso em Cabo Verde, detetado pelas autoridades mediante dinheiro que enviara à mulher. Após dois de meses de cativeiro, recebeu ordem para regressar a Lisboa, onde tinha à espera a Polícia de Informações, passou pelos calabouços do Governo Civil, do Limoeiro e do Forte de Monsanto, sendo deportado, em 1927, para a Guiné, acusado de pertencer à Legião Vermelha. No entanto, enquanto marítimo conhecedor do rio, conseguiu fugir quando estava a bordo do navio "Infante de Sagres", atirando-se ao Tejo e nadando para um buque que o recolheu. Primeiro, escondeu-se no Samouco, terra da mulher e, passados uns meses, refugiou-se em Espanha, ainda que por pouco tempo. Com a libertação daquela, presa há algum tempo, resolveu voltar: reuniu-se à família, trabalhava como pintor e envolveu-se em conspirações reviralhistas. Preso por denúncia, seria deportado, em 4 de maio de 1928, para a Guiné, embarcando no "Gil Eanes" para Bolama, onde permaneceu cerca de três anos, até ao desencadear da Revolta das Ilhas, em Abril de 1931. Aderiu ao movimento revolucionário triunfante desencadeado em 17 de abril e, com a rendição dos sublevados da Madeira e dos Açores, Gabriel Pedro foi um dos que, mediante um acordo assinado entre os revoltosos da Guiné e as autoridades portuguesas, partiu para o Senegal, tendo por destino final Espanha: em 27 de maio, com mais 22 companheiros, embarcou de Dacar para Las Palmas, onde chegou no vapor Doukkala, seguindo, no Escolano, para Cádis. Com a implantação da República em Espanha, foi-lhe concedido asilo político, rumando para Sevilha, onde voltou a conspirar nos meios reviralhistas. Depois de entrar em Portugal clandestinamente pela fronteira de Ficalho, fracassado o movimento de 26 de agosto de 1931, regressou a Sevilha, onde foi descarregador no porto, trabalho arranjado por intermédio do Socorro Vermelho Internacional. Foi nesta cidade que, por intermédio de Pepe Díaz, se filiou no Partido Comunista Espanhol e  participou, em março de 1932, no seu IV Congresso, assim como a mulher e o filho João Pedro, este na qualidade de pioneiro. Contactado pela delegação do Partido Comunista Português para ingressar na clandestinidade, talvez devido às numerosas prisões ocorridas na sequência dos preparativos do 1.º de Maio em Lisboa, Gabriel Pedro regressou e passou a estar, formalmente, ligado àquele. Na clandestinidade, manteve uma casa alugada na Rua S. Sebastião da Pedreira, transformada em sede central do PCP e onde se reuniam os principais dirigentes, nomeadamente Alfredo Caldeira, Bento Gonçalves, Francisco de Paula Oliveira (Pavel) e José de Sousa. Integrou o Comité Regional de Lisboa, teve responsabilidades na Comissão Inter-Sindical (CIS) e envolveu-se nos preparativos do 18 de Janeiro de 1934, nomeadamente na recolha de bombas explosivas e na realização, em 29 de dezembro de 1933, de um comício relâmpago na Rocha de Conde de Óbidos, de forma a publicitar a greve junto dos operários da Administração do Porto de Lisboa. Na noite de 17 para 18 de janeiro de 1934, participou nos acontecimentos de Xabregas e de Chelas, estando previsto o assalto ao Posto da Guarda Fiscal. Preso em 29 de janeiro e levado para a Trafaria, cruzou-se nos calabouços do Governo Civil com a mulher e o filho, Edmundo Pedro, presos em janeiro de 1934 noutras circunstâncias políticas. Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 8 de março de 1934, foi condenado a dez anos de degredo e seguiu, em 8 de setembro, para Angra do Heroísmo onde, num dos muitos castigos, conheceu a "poterna", um cubículo húmido subterrâneo com água sempre a pingar, mesmo no verão, onde eram fechados os presos durante vários dias, individualmente ou em grupo, sem qualquer agasalho, sufocados pela falta de ar e pelo cheio nauseabundo dos próprios dejetos. Em 23 de outubro de 1936, juntamente com o filho Edmundo Pedro, este vindo de Lisboa, embarcou para o Tarrafal, onde sofreu castigos duradouros na "frigideira" e na "brigada brava" e tentou uma fuga, já que tinha conhecimentos marítimos e sabia manobrar um barco, com mais quatro companheiros. Abrangido pela amnistia estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 35.041, de 18 de Outubro de 1945, foi libertado em 9 de dezembro de 1945 e regressou a Lisboa, no vapor “Guiné”, em 1 de fevereiro de 1946. Instalou-se em Almada, trabalhou como estivador do porto de Lisboa e, em abril de 1947, na sequência da greve de solidariedade dos portuários (descarregadores, estivadores e fragateiros) com a dos operários dos estaleiros navais, assumiu diversos projetos comerciais que, devido ao insucesso, o levaram a ficar como contínuo da Incrível Almadense. Participou, desde o seu lançamento, na campanha presidencial do general Humberto Delgado e, na sequência de uma manifestação evocativa de Elias Garcia, em Almada, realizada em 13 de maio de 1958, voltou a viver semiclandestino até emigrar para França, onde arranjou emprego e fixou residência. Teve, sempre, relacionamento respeitoso e afetivo com os anarcossindicalistas, que conhecia desde muito novo e com quem colaborara em diversos atos, e continuou a sua militância política, pontuada com divergências com militantes do Partido Comunista, nomeadamente no Tarrafal e em França. Em 1970, já com 72 anos, regressou a Portugal para integrar a ARA, Ação Armada Revolucionária, estando envolvido na sua primeira iniciativa: a colocação de explosivos no casco do navio Cunene de forma a sabotar a sua participação na Guerra Colonial. Faleceu em 2 de fevereiro de 1972, em Paris. Deixou um relevante texto manuscrito, intitulado Acontecimentos Vividos, datado de 1 de Agosto de 1971. A viúva, Maria Adelaide Ribeiro da Fonseca Pedro, entregou-o ao Partido Comunista depois do 25 de Abril de 1974 e encontra-se publicado pelas edições Avante! (2015).]

[João Esteves]

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