- Cartas para Ana de Castro Osório [1911]-
Da autoria de Carolina Beatriz Ângelo há três cartas dirigidas a Ana de Castro Osório e identificadas em meados dos anos 90 quando se estudava de forma exaustiva o Espólio Castro Osório que consta do Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da Biblioteca Nacional.
Assinadas apenas por Carolina, constatou-se então que esta "Carolina" era a médica sufragista, tendo a transcrição das três missivas sido inseridas pela primeira vez no livro As Origens do Sufragismo Português, publicado pela Bizâncio em 1998.
Um tanto estranhamente, o seu conteúdo passou algo despercebido e só uma década depois é que se começou a valorizá-lo.
É que através da correspondência mantida com a amiga, então em São Paulo, Brasil, onde o marido era Cônsul de Portugal, procurava informá-la das iniciativas da novíssima Associação de Propaganda Feminista, do ambiente político, das novidades e de algumas pequenas histórias envolvendo sócias e outras organizações.
As três missivas conhecidas, datadas de 2 de Julho, de 13 de Agosto e, provavelmente, de Setembro de 1911 - a última chegou à destinatária no dia 11 de Outubro, quando já tinha falecido -, ajudam mesmo a enquadrar os primeiros meses de funcionamento da APF, elucidando-nos quanto ao emblema, formado por três cravos brancos; número de filiadas; planos acerca da inauguração pública, prevista para os primeiros dias de Outubro; e a estratégia seguida para pressionar os deputados a consagrar na Constituição o sufrágio feminino restrito.
De entre os episódios descritos, salienta-se a emoção sentida na abertura da Assembleia Constituinte, para cuja eleição tinha contribuído: “Fui assistir à abertura das Constituintes e digo-lhe que nunca em minha vida senti tamanha comoção. Sim, o que eu senti, o que todos sentimos só se experimenta uma vez na vida. Chorei, chorei e q.do, envergonhada, limpava furtiva.te as lágrimas reparei que a toda a gente, homens e mulheres, sucedia o mesmo. Todos choravam e se abraçavam enternecidamente. Por bastante tempo parecia que todos estavam delirantes, braços que se agitavam, vivas, palmas, lenços a acenarem, punhados de flores lançadas sobre os deputados, enfim, uma loucura. E o nosso Afonso Costa lá foi também, m.to fraco e ainda doente mas não faltou!”.
Mas as epístolas também revelam o desagrado da médica perante a forma passiva com que o governo tratava os conspiradores, “com abraços e beijos” ; a maneira como os representantes da nação se estavam a comportar na eleição do Presidente da República, andando “todos à bulha”, fazendo lembrar os “monárquicos! A não ser o nosso Afonso Costa o resto não vale dois caracóis” ; e espanto com a forma como decorreu uma visita de cumprimentos a Manuel de Arriaga, eleito primeiro Presidente da República. Refere então que “saímos de lá furiosas e com imensa tristeza” pelos comentários proferidos acerca das mulheres, concluindo que “quando numa visita tão banal o homem fez assim uma péssima figura calcule-se o que será em coisas que requerem raciocínio e bom senso!”.
O valor destes escassos testemunhos é tanto mais precioso quanto Beatriz Ângelo, ao contrário das feministas suas contemporâneas, não enveredou pela escrita, fazendo adensar sobre si o manto de silêncio. Este só em parte se quebrou com as entrevistas que concedeu nos meses de Abril e Maio, em resultado da excessiva exposição pública enquanto sufragista.
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