* IVONE CONCEIÇÃO DIAS LOURENÇO *
[03/04/1937 - 24/01/2008]
[in Por teu livre pensamento ||Assírio e Alvim || 2007]
Filha de António Dias Lourenço da Silva [23/03/1915-07/08/2010] e de Casimira da Conceição Silva [08/09/1917-05/01/2009], funcionários clandestinos do Partido Comunista Português.
Irmã de Lígia Lourenço.
Afilhada de Alves Redol [1911-1969], que lhe deu o nome, nasceu em 3 de abril de 1937, em Vila Franca de Xira, e morreu no dia 24 de janeiro de 2008, com 70 anos de idade.
Em resultado do ambiente em que vivia, “conheceu vários lares durante a sua infância e foi entregue aos cuidados de amigos da família para beneficiar de direitos tão elementares como a educação” [Por teu livre pensamento, p. 133], tendo, aos sete anos, ido viver com o editor Francisco Lyon de Castro [24/10/1914-11/04/2004].
Deixou de viver com os pais, sujeitos às regras da clandestinidade, embora mantivesse contactos esporádicos com eles, passou pela Figueira da Foz e, quando aqueles foram presos em Dezembro de 1949, regressou a Lisboa.
A consciência política manifestou-se, pela força das circunstâncias, muito cedo.
Em 1946, com nove anos, fez de “filha” da “criada” durante o IV Congresso do Partido Comunista, “sempre a cirandar no jardim da vivenda onde se realizou, para poder avisar lá para dentro de algum movimento anormal no exterior” [Ivone Dias Lourenço, “Ora viva, Liberdade”].
Iniciou a actividade política no MUD Juvenil pela mão de Domingos Abrantes, com apenas 15 anos, tornou-se militante do PCP pouco depois, em 1953, e passou à clandestinidade em 1955, “após um rápido contacto com o seu pai, entretanto evadido da prisão do forte de Peniche” [Por teu livre pensamento, p. 134].
Começou por apoiar apoiar casas clandestinas.
Foi presa numa casa do Pinhal novo em 23 de novembro de 1957, com 20 anos de idade, e enviada para Caxias, onde foi sujeita a um período de seis meses de isolamento e a sessões de interrogatórios de dois a três dias de duração.
Na prisão, conviveu com Aida Magro, Aida Paulo, Alda Nogueira, Cândida Ventura, Fernanda de Paiva Tomás, Julieta Gandra, Maria Ângela Vidal e Campos, Maria da Piedade Gomes dos Santos, Maria Eugénia Varela Gomes, Maria Luísa Costa Dias e as irmãs Georgette e Sofia Ferreira, mulheres com muita experiência de luta e, algumas, com peso na direcção e militância comunistas.
Com algumas delas, foi autora de uma das treze cartas incluídas no manifesto enviado clandestinamente da Prisão de Caxias, datado de maio de 1961, e dirigido às “organizações femininas e democráticas do mundo inteiro”, onde se fazia a denúncia das torturas e das condições em que as mulheres antifascistas estavam presas.
Reveladas pelo jornal Público em 20 e 21 de Novembro de 2004, São José Almeida transcreve, entre outros, o testemunho tocante de Ivone Dias Lourenço, que desde a meninice teve que lidar com a PIDE:
“Estou presa há três anos e meio, mas foi sob o temor da prisão que aprendi, de pequena, a amar meus pais. Perseguidos políticos, a vida de sacrifícios, sobressaltos e fugas a que foram forçados, bem cedo nos roubaram o convívio uns dos outros. / A infância foi sem pais – foi incompleta. Depois, tinha eu então doze anos, ambos foram presos. No princípio foi a desorientação por não os ter, e um quase instintivo receio pelo que lhes pudesse acontecer. Era grande o amor e grande a dor; vaga a ideia da razão por que assim era. / Mas foi preciso querer saber tanta coisa e ter de deixar a escola; querer trabalhar e não encontrar emprego; querer comer e não ter o quê. [...] A razão dos pais presos ficou clara. E passei a amá-los mais. [...] tenho 24 anos. O resto: o noivado interrompido. O meu noivo... vê-lo não, escrever não: é proibido. Os amigos, estejam perto ou estejam longe, nem sequer podem nomear-se: é proibido. / Ver a mãe por entre vidros e grades, a metro e meio de distância, sorrir sempre e não falar do dinheiro de que precisa, dos carinhos que lhe faltam e a mim também, das saudades e da importância que apertam o coração. “Tudo bem.” “Não custa nada”. Porque ela ficaria triste, e há o guarda entre nós a cada sílaba pronunciada. O meu irmão pequenino [nascido em 1949, da união de Casimira da Conceição Silva com José Augusto da Silva Martins, passou os dois primeiros anos em Caxias, onde a mãe se encontrava presa e teria então onze anos] cresce, cresce, está mais alto do que eu. Não sei se um palmo se meio: a distância não permite medições. [...] / Em verdade, a mim não custa, podeis crer. Mas a mãe que triste veio porque há dias, novamente, não deixaram que entregasse dúzia e meia de laranjas. “Uma dúzia, nem mais uma”, é tudo o que basta a um preso político. A revista de modas e uns poemas de amor também não podem entrar. Vêm os óculos, o segundo par de óculos sucessivamente comprados por receita do médico da cadeia. Nenhum serve. “É só presa, esta mulher”: para quê perder tempo a saber se sofre de miopia ou se o que tem é astigmatismo? Para quê investigar uma doença de garganta se não é caso de morte? Emagrece de mês para mês. Mas que importa? Ainda não está à morte. A camisola tricotada para o meu irmão não pode sair daqui: é proibido. E uma história para crianças, feita por uma companheira sobre um voo com rumo às estrelas, também é proibido. É proibido dizer numa carta para a família que a esperança de voltar para junto dela é uma constante. É proibido dizer-lhes que um nosso companheiro está doente e não é tratado, foi espancado ou está a pão e água no ‘segredo’. É proibido dizer que a razão foi só ter escrito sobre um prato o nome próprio. Não vale a pena esperar pelo Natal e Ano Novo para abraçar a família: mesmo uma vez por ano, é proibido abraçá-la. / Foi proibido dizer que é injusta a proibição e queremos que a levantem: deu dois meses sem visitas – pune-se a cadeia inteira porque, enfim, tem coração. É proibido tentar saber quem foi preso. No carro celular que passou no pátio há pouco, pode ter vindo o meu pai, outros pais, outros irmãos ou maridos – tantos deles perseguidos, perseguidos, perseguidos, só por serem portugueses. Se aqui estão presos também, jamais podem lobrigar-se: é proibido. É proibido cantar, é proibido rir alto. Proibido trabalhar. Preso político: é proibido viver. / Não aceito! Nem que morra na prisão.”
[“Cartas manifesto de mulheres na prisão de Caxias – I/Ivone Dias Lourenço”, Público, 20/11/2004, p. 13].
Permaneceu seis anos e nove meses na prisão de Caxias.
Foi-lhe concedida a liberdade condicional em 27 de maio de 1964 e solta em 8 de Junho.
Recusou inicialmente repetir a clandestinidade, por considerar que “devia viver e conhecer gentes diferentes".
No entanto, reingressou, três meses depois, por acção de Rogério Carvalho, na clandestinidade: tinha 27 anos.
Colaborou no aparelho técnico do VI Congresso, realizado em Setembro de 1965, em Kiev, saindo e entrando de forma ilegal do país.
Desenvolveu tarefas de organização ligadas à juventude: primeiro no Porto, em sectores operários; depois em Lisboa, onde viveu em casa da família do funcionário clandestino José Carlos Almeida, preso, no Porto, no dia 21 de abril de 1974; e finalmente no norte, encontrando-se, aquando da revolução de Abril de 1974, numa aldeia piscatória do concelho de Matosinhos.
Só voltou à vida legal em maio, reencontrando o pai, “que não via desde os tempos que precederam a sua fuga de Peniche” [Por teu livre pensamento, p. 136].
Tornou-se, desde Setembro desse ano, jornalista do jornal Avante!, órgão oficial do Partido Comunista, onde trabalhou até se reformar em 2003.
Sócia número 422 do Sindicato dos Jornalistas, pertenceu à União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP).
Apesar dos quase 55 anos de militância partidária e de ser funcionária do PCP desde os 18 anos, nunca exerceu cargos políticos.
A vida de Ivone Dias Lourenço é uma das 25 histórias de ex-presos políticos portugueses inserida por Rui Daniel Galiza (texto) e João Pina (fotografia) na obra Por Teu Livre Pensamento.
[João Esteves, "Ivone Conceição Dias Lourenço", in Feminae. Dicionário Contemporâneo, CIG, 2013]
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