[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sábado, 4 de dezembro de 2010

[0189.] REIVINDICAÇÕES FEMINISTAS [VII] || 10/07/1911 - ASSOCIAÇÃO DE PROPAGANDA FEMINISTA

* REPRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DE PROPAGANDA FEMINISTA À ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE || 10/07/1911 *

"Ex.mo Sr. Presidente e Dignos Deputados à Assembleia Nacional Constituinte; - A «Ass. de Propaganda Feminista», reunida em assembleia geral no dia 10 de julho do corrente ano, resolveu, por proposta da direcção, enviar à Ex.ma Assembleia Constituinte a seguinte representação, obedecendo a um dos fins principais da Associação, consignado no § 4.º do art. 2.º dos seus estatutos, em que se determina solicitar o sufrágio feminino, visto que, enquanto a mulher estiver afastada da questão social e política os seus direitos serão menos lembrados.

«Nós vimos, pois, reclamar para o nosso sexo o sufrágio nas condições modestíssimas em que julgamos de nosso dever fazê-lo para não pôr a Ex.ma Assembleia Constituinte na contingência desagradável de recusar o que constitui uma das mais nobres afirmações do partido republicano - a igualdade de direitos dos dois sexos.

«Nós desejamos que a República nascente, para a qual trabalhámos com o entusiasmo da nossa propaganda e que já tem legislado tão longa e nobremente, não cometa o erro imperdoável que a grande Revolução Francesa cometeu negando à mulher todos os direitos políticos, tendo-se aliás servido dela para a sua propaganda na oposição.

«Nós não vimos reclamar, porque isso seria pedir por agora um impossível social, o sufrágio universal, como à luz da razão e da ciência seria justo, mas vimos reclamar - o que temos feito desde o princípio: o direito do voto para as mulheres diplomadas em cursos superiores; - para as mulheres diplomadas com o curso completo de Instrução Primária Superior; - para as mulheres chefes de família que saibam ler e escrever; - para as mulheres comerciantes que saibam ler e escrever.

«Todas estas mulheres, de idade superior a 21 anos, sendo independentes moral e economicamente, não podem, por uma imposição do preconceito e da rotina, continuar na República a viver no regímen vexante dos tutelados, fora da sociedade, como menores e interditos. O voto como o pedimos é apenas o estabelecimento de um princípio de justiça, o qual, honrando a Ex.ma Assembleia Constituinte, auxiliará a nossa propaganda educativa, pois que a mulher tratará de trabalhar e de se elevar para obter o direito que hoje apenas a uma pequena minoria aproveitará.

«Vimos também reclamar para as mulheres o direito de elegibilidade nas juntas paroquiais e câmaras municipais, onde, por certo, prestarão bons serviços.

«Na Noruega há actualmente noventa mulheres vereadoras nos conselhos municipais e há no Parlamento (Storthing) uma mulher deputada, a sr.ª Rogstad, uma humilde professora de instrução primária. Na maioria dos países civilizados as mulheres são eleitoras e elegíveis nas eleições municipais.

«A terra portuguesa tão baixo caída pela incúria da monarquia, necessita, para se erguer à altura que lhe compete, do concurso de todos os cidadãos, e a mulher é um factor que não pode nem deve desprezar-se neste momento único de renovação social. Por isso cidadãos, nós vimos requerer para as mulheres o direito de trabalhar pelo ressurgimento duma Pátria que também julgam pertencer-lhes. Já há mais de meio século, Stuart Mill dizia que «uma sociedade em que a mulher não intervém no governo está impregnada de injustiça».

«Foi a livre América do Norte que concedeu primeiro o voto às mulheres, no estado do Wyoming, por lei de 12 de dezembro de 1869. A seguir tiveram-no em mais quatro estados da mesma confederação norte-americana.

«Na Austrália, Nova-Zelândia, República do Equador, Ilha de Man e Noruega as mulheres exercem os mesmos direitos políticos que os homens. Na Finlândia, apesar da despótica opressão exercida pela Rússia, há perfeita igualdade política aos dois sexos, assim como existe há muito igualdade moral e intelectual. Logo para o 1º parlamento (Dieta Finlandesa) foram eleitas deputadas dezanove mulheres. Na Inglaterra, Alemanha, Itália, Rússia e França a concessão do voto à mulher será para breve, pois as sufragistas têm trabalhado com denodo nesse sentido.

«O facto de, nas últimas eleições parlamentares, ter votado uma mulher em Portugal foi fervorosa e entusiasticamente acolhido pelas associações feministas e imprensa do mundo inteiro civilizado e foi largamente tratado no recente Congresso Internacional de Estocolmo, reunido em junho próximo passado. Após o grande rumor causado no estrangeiro pela vitória, em Portugal, de um direito que, em todo o mundo culto, é tido como um importantíssimo progresso social, causaria espanto ver-nos repentinamente retrogradar e seria injustificável e mesquinho que os Representantes do Povo não consagrassem o direito de voto da mulher nas restritas - mas evolutivas - condições em que a « Associação de Propaganda Feminista» o reclama.

«Os resultados obtidos pelo sufrágio feminino têm sido dos melhores e mais elevados: - Na América tem conseguido a eleição dos homens mais honestos e cultos elevando, por isso, o nível moral e intelectual da sociedade diminuindo a criminalidade, o alcoolismo, a prostituição e assegurado a paz e a ordem nas eleições. Verificando isto mesmo, o Parlamento de Wyoming resolveu comunicá-lo a todas as Assembleias Legislativas do mundo, convidando-as a dar às mulheres os direitos políticos o mais breve possível. No outono de 1910, o Senado Australiano votou, por unanimidade uma moção, rogando ao Governo Inglês que concedesse o voto às mulheres, em vista dos excelentes resultados obtidos, na Austrália, pelo sufrágio feminino.

«Vós, Senhores Deputados, que trabalhais na organização de uma Pátria nova, lembrai-vos que nessa Pátria há mais mulheres que homens e não queirais manchar a vossa obra com o labéu de injustiça, mesquinhez e egoísmo masculino. Tanto quanto possível e compatível com a tranquilidade da nossa amada República, mostrai ao mundo inteiro, que, neste momento concentra em vós toda a sua atenção, quanto sois modernos, quanto o vosso espírito é recto, justo e civilizado. Lembrai-vos de que é nos países mais adiantados que a mulher tem lugar conscientemente preponderante.» - «A direcção da Associação de Propaganda Feminista: (as.) Beatriz Ângelo; J. d'A. Nogueira; A. de Castro Osório; M. L. Monteiro Torres; C. Da; Rita Dantas Machado; M. I. e Zuzarte."

[“O movimento internacional do sufrágio das mulheres – VII” || A Vanguarda || 03/09/1911]

[João Esteves]

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