* MARIANA DA ASSUNÇÃO DA SILVA *
[1867 - 1950]
[Mariana da Assunção da Silva || 1928 || Pormenor de uma fotografia do II Congresso Feminista]
A professora Mariana da Assunção da Silva é um dos nomes mais emblemáticos do associativismo feminista e republicano da primeira metade do século XX e é, talvez, um dos mais esquecidos.
Por isso, é de enaltecer a iniciativa da Escola Secundária com EB 2/3 Professor Reynaldo dos Santos [Vila Franca de Xira], escola-piloto em Género e Cidadania, ao ter escolhido este nome para patrona dos "Certificados de Reconhecimento de trabalhos de mérito em Género e Cidadania" do ano lectivo 2009/2010, projecto coordenado por Teresa Pinto.
Natural de Vila Franca de Xira e educanda do Asilo de S. João, de onde saiu com o curso de professora, Mariana da Assunção da Silva manteve, ao longo de quase quarenta anos, intervenção ininterrupta em organizações de mulheres, tendo vivido essa militância em regimes tão díspares como a Monarquia, a República, a Ditadura Militar e a ditadura do Estado Novo.
Batalhou na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas até à sua extinção (1919) e, depois, no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde desenvolveu actividades directivas durante anos consecutivos. Entretanto, foi iniciada na Maçonaria (1916), com o nome simbólico de Mariana de Lencastre, e integrou as Lojas Carolina Ângelo do Grande Oriente Lusitano Unido e Humanidade do Direito Humano.
Enquanto activista da LRMP, onde era a Sócia n.º 467, participou na jornada anticlerical de Agosto de 1909, promovida pela Junta Liberal; integrou comissões e delegações; pronunciou-se amiudadamente sobre os destinos da organização, nem sempre estando de acordo com as posições das principais dirigentes; discursou em reuniões e sessões de propaganda; batalhou pela primeira revisão dos Estatutos; pertenceu ao Grupo das Treze; fez parte da direcção da Obra Maternal (1910-1911, 1913-1914); e desempenhou cargos entre 1910 e 1918, tendo sido a militante que mais vezes exerceu funções nos respectivos Corpos Gerentes.
Após o derrube da Monarquia, criticou, numa das mais concorridas reuniões, a hipótese de dissolução da agremiação, “porque nem sequer admite que passasse pela ideia de algumas das sócias que a Liga acabasse, agora que ela pode trabalhar pela República que existe de facto no país, mas que ainda está longe de dominar todas as almas, porque sob a capa de republicano de última hora anda muito reaccionário que bem desejaria estrangular a nossa jovem e querida República. Além disso a oradora diz que a mulher tem não só de afervorar na alma dos filhos o ideal da liberdade, igualdade e fraternidade como de pugnar pelos seus próprios direitos, visto não ser na sociedade portuguesa senão uma menor, uma pobre tutelada. A assembleia fez-lhe uma carinhosíssima ovação” [“Expediente da Liga”, A Mulher e a Criança, n.º 17, Outubro de 1910].
Se esteve presente em praticamente todas as iniciativas da Liga, a sua actividade ainda foi mais intensa nos meses subsequentes à revolução: fez parte da comissão que cumprimentou o Presidente do Governo Provisório da República (20/10/1910) e da delegação da Obra Maternal que conferenciou com o Ministro da Justiça, Afonso Costa, sobre a protecção à infância e o combate à mendicidade (07/01/1911); interveio na propaganda a favor da Caixa Geral do Trabalho; proferiu conferências; discursou, em nome das mulheres republicanas, no comício de apoio à publicação da Lei da Separação (30/04/1911); quando das incursões monárquicas, ofereceu-se para prestar serviço de enfermagem na fronteira; e, no comício feminista organizado pela Liga em Vila Franca de Xira, atacou o clericalismo e abordou a questão sufragista (17/09/1911).
Em Julho de 1912, quando se repetiram as incursões monárquicas, tornou a participar na equipa de enfermeiras organizada pela Liga e posta à disposição da Cruz Vermelha. Presidiu à sessão organizada pela agremiação em honra das escritoras e feministas açoreanas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa (15/08/1912), onde considerou “que a colectividade se devia orgulhar pela honra da sua presença, que era bem um caso esporádico visto que todas as intelectuais portuguesas, excepto D. Ana de Castro Osório, se têm afastado dela, num injusto retraimento” [O Mundo, 16/08/1912] e, embora nem sempre tenha estado de acordo com a reivindicação do direito de voto para as mulheres, contestando-a no período subsequente à implantação da República, Mariana da Assunção da Silva assinou a última representação da Liga endossada a Sidónio Pais, centrada na questão do sufrágio feminino (19/06/1918).
O último número da revista A Mulher e a Criança insere a fotografia de conjunto das 13 mulheres da Liga Republicana que constituíam o Grupo das Treze e onde se distingue a figura de Mariana Silva.
Talvez por ter sido educanda do Asilo S. João, propôs, aquando da revisão dos Estatutos que, caso a Liga fosse dissolvida, os seus bens fossem entregues àquela instituição, o que parece que sucedeu.
No âmbito do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, manteve a mesma capacidade de intervenção, muito contribuindo para a sua sobrevivência “durante os anos em que ele quase estagnou” [A Mulher, n.º 1, 1946].
A militância prolongou-se por um quarto de século, tendo sido eleita Vogal da Direcção (1925-1926, 1928-1929), pertenceu à Comissão de Beneficência (1921), chegando a ser sua Presidente (1927), e exerceu, durante 15 anos consecutivos o cargo de Tesoureira Geral (1931-1945). Também integrou a Secção de Finanças (1931-1934) e, numa das últimas reuniões do Conselho, em Junho de 1946, foi eleita 1.ª Vogal da Assembleia Geral.
A par da dedicação às actividades directivas, tendo sido exarado em acta um voto de louvor a esta sócia, pelo zelo e probidade com que exercia as suas funções (1932), Mariana Silva secretariou a 2.ª Sessão Ordinária do Congresso Abolicionista Português (03/08/1926); contribuiu para a aquisição duma bandeira portuguesa a ser enviada à Aliança Internacional Feminista; foi encarregue da recolha de dinheiro a favor da Cruz Vermelha Inglesa; participou na recepção promovida pelo Conselho a Adelaide Cabete aquando do seu regresso de África; quando se assinalou o 67.º aniversário do nascimento desta médica e feminista, secretariou a sessão solene promovida na Universidade Popular Portuguesa; e integrou a delegação do Conselho que visitou o Jardim-Escola João de Deus, com a finalidade de se estudar o sistema de ensino adoptado naquele estabelecimento (24/03/1941).
Se não foi uma teórica, o seu exemplo e acção não podem ser ignorados, até porque foi, provavelmente, a única activista que, entre 1908 e 1947, nunca se escusou a intervir em prol dos direitos das mulheres, mesmo quando as condições eram adversas, fazendo a ponte entre diferentes gerações de republicanas e feministas.
Faleceu em 1950, com 83 anos.
[v. JE, "Mariana da Assunção da Silva", Dicionário no Feminino (Séculos XIX-XX), Livros Horizonte, 2005]
[João Esteves]
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