[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sábado, 11 de dezembro de 2010

[0224.] ELINA GUIMARÃES [III] || 1904 - 1991

* ELINA JÚLIA CHAVES PEREIRA GUIMARÃES [DA PALMA CARLOS] *

[08/08/1904 - 24/06/1991

[Elina Guimarães || 1928 || Pormenor de uma fotografia do II Congresso Feminista]

Elina Júlia Chaves Pereira Guimarães da Palma Carlos dedicou-se, desde muito nova, à defesa intransigente dos direitos das mulheres e pode ser considerada a herdeira dos valores da primeira geração de feministas portuguesas, preservando-os durante a vigência da ditadura do Estado Novo e avivando-os no período subsequente à revolução de Abril de 1974.

Nasceu em Lisboa, na Rua Açores, em 8 de Agosto de 1904, e era filha única de Alice Pereira Guimarães e de Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães [1876-1957], militar e republicano convicto, que combateu na Guerra de 1914-1918, foi deputado e um dos últimos primeiros-ministros da I República, tendo sido obrigado a exilar-se em consequência da Ditadura instaurada em 1926.

Apoiada pelo pai, de quem nunca olvidou a influência decisiva na sua formação humanista e política, bem como o estímulo para estudar, a crença na capacidade intelectual das mulheres e a necessidade de lutar pela igualdade de direitos e oportunidades entre ambos os sexos, fez os primeiros estudos em casa, com a ajuda de professores e de mestras, frequentou os Liceus Almeida Garrett (5.º ano) e Passos Manuel (6.º e 7.º anos) e, em 25 de Novembro de 1926, licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, com a classificação de 18 valores.

[Elina Guimarães || Portugal Feminino || 1930]

Não chegou a exercer a advocacia, embora assinasse os textos como advogada, trabalhou durante algum tempo no Tribunal de Menores e casou, em 1928, com o advogado Adelino da Palma Carlos, colega desde os tempos do Liceu e com quem militou na Liga da Mocidade Republicana e colaborou no semanário de Faro Correio Teatral (1923-1924).

A partir de 1925, quando estudante universitária, interveio no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, para o qual terá sido convidada por Adelaide Cabete, devido à contestação que fez ao livro O Terceiro Sexo, de Júlio Dantas.

Pertenceu aos corpos gerentes, onde desempenhou as funções de Secretária-Geral (1927), Vice-Presidente da Direcção (1928-1929, 1931) e Vice-Presidente da Assembleia Geral (1946); angariou sócias para a agremiação (Carmen e Celeste Marques, Carolina Ofélia Gomes, Maria do Carmo de Lima Bandeira Ferreira); assinou relatórios; e, na reunião de 30 de Dezembro de 1928, assumiu a incumbência, juntamente com Angélica Lopes Porto e Sara Beirão, da elaboração dum plano de conferências feministas e, com Maria Amélia Matos e Tetralda Teixeira de Lemos, da revisão dos Estatutos.

Associou-se à compra da bandeira portuguesa, a ser enviada à Aliança Internacional Feminista, e de um avião, a oferecer a Maria de Lurdes de Sá Teixeira, tornada, em 1929, a primeira aviadora nacional.

[Elina Guimarães || 1904 - 1991]

Foi no âmbito das Secções que mais sobressaiu, ao integrar aquelas que se relacionavam directamente com a sua formação académica – Legislação (1926-1928, 1932-1934), Sufrágio (1928-1929, 1931), Jurídica (1938-1946) e de Propaganda (1943-1944) –, surgindo como Presidente dalgumas.

Revelador do seu crescente prestígio é o facto de Deolinda Lopes Vieira ter proposto, na assembleia geral de 8 de Janeiro de 1928, um voto de louvor a Elina Guimarãespelo brilhante artigo que publicou no jornal O Rebate criticando a actual lei eleitoral que não reconhece o direito de voto à mulher”, e de ter sido, com apenas 23 anos, quem pronunciou o discurso solene de abertura do Segundo Congresso Feminista e de Educação.

Apresentou as teses “A protecção à mulher trabalhadora” e “Da situação da mulher profissional no casamento” e, no mesmo ano, coube-lhe a presidência da Comissão Executiva da subscrição nacional aberta pelo jornal O Rebate a favor das famílias dos presos, deportados e emigrados políticos.

Na qualidade de antiga aluna da Faculdade de Direito e de Vice-Presidente em exercício do CNMP, participou na reunião ali realizada para protestar contra o projecto de decreto que organizava os julgados municipais e excluía dos cargos de Conservador do Registo Predial e oficiais do Registo Civil das sedes dos ditos julgados os indivíduos do sexo feminino, e foi nomeada para a comissão que deveria tratar da questão.

Lutadora incansável, aderiu aos protestos, junto do Ministro da Instrução, contra a supressão da coeducação no ensino primário, reivindicou a leccionação da moral e da educação cívica nos cursos secundários e engrossou o movimento de oposição às touradas de morte.

Aquando da partida de Adelaide Cabete para Angola, assumiu a direcção da revista Alma Feminina, função que desempenhou entre Setembro de 1929 e Dezembro de 1930, sendo a responsável pelos editoriais. A página mensal do Portugal Feminino é igualmente de consulta obrigatória, pois sintetiza, de forma clara, o pensamento e acção feministas.

[Faces de Eva || 28 || 2012]

A imprensa tornou-se na sua principal arma, sobretudo durante as condições adversas do salazarismo, e assinou em jornais e revistas, nacionais e estrangeiros, artigos de carácter educativo, feminista e jurídico, onde procurou divulgar a legislação que envolvia os direitos das mulheres e analisar a condição feminina.

Escreveu sobre as leis eleitorais, a protecção da mulher trabalhadora, o casamento, o feminismo, as feministas, o associativismo, a paz, o abolicionismo e a formação cívica das mulheres.

Criticou amiudadamente a instrução proporcionada às raparigas, sobretudo às das classes mais ricas, devido à função ornamental e por valorizar a obrigatoriedade da aprendizagem de matérias que pouco serviriam no futuro, como os bordados, o piano e as línguas estrangeiras, em detrimento, por exemplo, da língua pátria. Tratava-se, segundo Elina Guimarães, de um ensino que fomentava a ignorância e não proporcionava o gosto pela leitura, nem os conhecimentos mínimos necessários à administração do lar. Além disso, perpetuava a ausência de conhecimentos de higiene, de enfermagem, de escrituração doméstica, do valor nutritivo dos alimentos e de puericultura, fundamentais para quem aspirasse ao papel de dona de casa.

[Elina Guimarães || CIDM || 2004]

Pugnou pela instrução de todas as raparigas, que deveriam receber, tal como os rapazes, noções de Ciências, de Geografia e de História, sendo desejável que se criassem nos grandes centros escolas femininas de aperfeiçoamento, onde seria ministrado, a par do ensino científico e literário, o chamado ensino doméstico. Na ausência delas, competia aos pais cuidar da instrução das filhas, educando-as para se tornarem úteis à colectividade e não para se exibirem.

Intransigente defensora dos direitos das mulheres, pertenceu à International Council of Women, International Alliance for Women’s Suffrage, International Federation of University Women, Fédération Internationale des Femmes Diplômées en Droit e Phi Delta Legal Society.

Deixou colaboração dispersa por dezenas de publicações: Alma Feminina, Análise Social, Civilização, Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Gazeta da Ordem dos Advogados, Gazeta da Relação de Lisboa, Jornal do Foro, La Française, Le Droit des Femmes, A Luta, Máxima, Modas e Bordados, A Nossa Escola, Os Nossos Filhos, Perspectivas, órgão da Liga Universitária Católica e da Liga Universitária Católica Feminina, Portugal Hoje, Portugal Feminino, O Rebate, diário do Partido Republicano Português, e Seara Nova.

A intervenção na revista Modas e Bordados, dirigida por Maria Lamas, durou vinte anos e manteve secções específicas dedicadas às mulheres no Diário de Lisboa (“Coisas de Mulheres”), Diário de Notícias, Portugal Feminino (“Página Feminista” e “Acção Feminista”), O Primeiro de Janeiro (“Os Nossos Problemas”) e A Luta.

As crónicas publicadas na imprensa diária, entre 1970 e 1975, foram reunidas no livro Coisas de Mulheres. O seu Ex-libris, que consistia na máxima “Pequenina mas constante...”, a rodear a luz de uma candeia, não podia ser mais adequado ao percurso combativo enquanto cidadã e mulher de leis, estando por realizar o estudo aprofundado das “sete décadas” de militância feminista: “certas portas da vida social fecharam-se para mim quando ainda era estudante; quando se abriram outra vez estava na idade da reforma”.

Condecorada, em 1985, com a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República Ramalho Eanes, faleceu em 24 de Junho de 1991, em Lisboa.

Na Colecção de Elina Guimarães, doado pelos filhos à Biblioteca Nacional e integrado no Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, é possível consultar manuscritos e recortes de imprensa da autora, bem como correspondência por si recebida. Os filhos também doaram a vasta biblioteca e outros documentos à Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (actual CIG).

[v. JE, "Elina Júlia Chaves Pereira Guimarães da Palma Carlos", Dicionário no Feminino (Séculos XIX-XX), Livros Horizonte, 2005, pp. 289-294]

[João Esteves]

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