[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sexta-feira, 3 de julho de 2020

[2377.] ESMERALDA FLORA BENTO [III] || A BIOGRAFIA DE VICTOR GAMA / ÓSCAR MARTINS

* ESMERALDA FLORA BENTO *
[17/12/1907 - 22/09/1993] 

[Esmeralda Flora Bento no dia do casamento da filha || 1958 || Fotografia cedida pela família à Dr.ª Graça Asseiceira e enviada a Maria João Dias]

Este esboço biográfico de Esmeralda Flora Bento não teria sido possível sem a intervenção da Dr.ª Graça Asseiceira, Directora da Biblioteca Municipal de Alcanena que, contactada por intermédio de Maria João Dias, prontamente disponibilizou o livro biográfico editado pela Câmara Municipal de Alcanena em 2014, aquando do centenário do seu Concelho, criado pela República em 1914 e integrado nas comemorações locais do 5 de Outubro. 

O agradecimento estende-se à família de Esmeralda Flora Bento pela cedência de várias fotografias e documentos à Dr.ª Graça Asseiceira que, prontamente, os fez chegar a Maria João Dias e que, pela sua relevância, se inseriram aqui.

[Victor Gama e Óscar Martins || Esmeralda Flora Bento - A Biografia || Câmara Municipal de Alcanena, Outubro de 2014 || Capa - Medalhão Busto da República do escultor Simões de Almeida]

Esmeralda Flora Bento - A Biografia, da autoria de Victor Gama e Óscar Martins, com um Agradecimento da única filha, Maria Alzira Bento e Silva, que integrou o MUD Juvenil, e Prefácio de Fernanda Maria Pereira Asseiceira, Presidente da Câmara Municipal de Alcanena, dá a conhecer a figura de uma republicana que, em tempos difíceis e sombrios foi, também, uma oposicionista à Ditadura instaurada em 1926 e uma corajosa resistente antifascista: uma mulher que «não tinha medo para lutar pelas suas convicções, pelos ideais que defendia, contra o regime, procurando construir uma sociedade mais igual, mais justa... uma sociedade mais livre, numa época difícil e complexa, em que as posições assumidas punham em causa a própria vida, assim como a de familiares e amigos» [Fernanda Maria Pereira Asseiceira, p. 6]. 

Filha mais velha de Maria da Conceição Flora e de Victor Inácio Bento, falecido em 1954, Esmeralda Flora Bento nasceu em Alcanena, que então integrava o Concelho de Torres Novas, em 17 de Dezembro de 1907.

O pai pertenceu à Carbonária local, que tinha em Alcanena uma implantação significativa, e foi um activista republicano antes e depois da implantação da República, chegando a estar envolvido nos seus preparativos. Viveu no Lavradio mas, em 1926, regressou a Alcanena, onde abriu a taberna Cova Funda, futuro local de encontro de republicanos opositores à ditadura saída do 28 de Maio de 1926 e, por isso, referida nos relatórios da Polícia Política, uma mercearia e uma salsicharia. Segundo os arquivos da PIDE, investigados pelos autores deste livro, «a casa de Victor Bento é conhecida como um centro de apoio à divulgação de jornais proibidos, de divulgação de panfletos e de circulação de informação» [p. 29].

Em 17 de Dezembro de 1931, quando completava 24 anos de idade, Esmeralda Flora Bento casou com José Almeida e Silva que, juntamente com o irmão, detinha uma barbearia em Alcanena, continuando a trabalhar nos negócios do pai - taberna e salsicharia. Três anos depois, em 6 de Agosto de 1934, nasceria a filha Alzira Bento.

O casal começou por ficar associado à organização das festas anuais comemorativas do 5 de Outubro, retomadas, por sua iniciativa, a partir de meados da década de 40, tendo, ainda, participado em comemorações evocativas da data  em Leiria e Santarém, sempre sob a atenção e vigilância da PIDE e demais forças repressivas.

[Diário de Lisboa || 8 de Janeiro de 1949]

Em 1945, finda a Guerra, Esmeralda Flora Bento, o marido e outros familiares aderiram ao MUD - Movimento de Unidade Democrática e, em 1949, participou activamente na campanha presidencial de Norton de Matos: integrou a Comissão Concelhia de Alcanena daquela candidatura  e presidiu, em 9 de Janeiro, à reunião plenária das Comissões Concelhias do Distrito de Santarém criadas no âmbito daquelas eleições.

[Diário de Lisboa || 10 de Janeiro de 1949]

O apoio às candidaturas da Oposição foi uma constante, associando-se às campanhas presidenciais de Ruy Luís Gomes, em 1951, e de Arlindo Vicente e Humberto Delgado, em 1958, integrando, com o marido, a Comissão Distrital de Santarém da sua candidatura, após a desistência daquele.

[Esmeralda Flora Bento com Humberto Delgado || Fotografia cedida pela família à Dr.ª Graça Asseiceira e enviada a Maria João Dias]

Participou, então, em inúmeras acções de campanha, nomeadamente no almoço em Cela, Alcobaça, de apoio ao General, tendo este ganhado as eleições em Alcanena, muito devido ao facto de Esmeralda Flora Bento ter conseguido copiar os cadernos eleitorais, garantindo que todos os que pudessem votar o fizessem. Como refere Gabriel de Oliveira Feitor, na sua "Crónica Perversa" (Jornal Abarca, especial 25 de Abril de 2018, «O resultado final seria de clara vitória de Humberto Delgado em Alcanena: 1 963 votos (72,4%) sobre os 748 (27,6%) de Américo Tomás. O não falseamento dos resultados finais custou ao presidente da Câmara da altura, José Dias Patrício Mota, a renuncia forçada às suas funções em Janeiro de 1959».

Durante as campanhas eleitorais dos anos 40 e 50, e em muitas outras actividades politicas, Esmeralda Flora Bento serviu de correio de várias missivas, sendo, tal como os irmãos José Inácio Bento e Victor Inácio Bento Júnior, várias vezes abordada pela PIDE, interrogada na António Maria Cardoso e alvo de buscas domiciliárias.

Pela Cova Funda passaram muitos oposicionistas, nomeadamente os militantes comunistas, na clandestinidade, Soeiro Pereira Gomes, Guilherme da Costa Carvalho e José Moreira, este último torturado e assassinado pela PIDE quando preso. O papel no apoio à luta clandestina foi reconhecido por Álvaro Cunhal que, a seguir ao 25 de Abril de 1974, «fez questão de convidar Esmeralda Flora Bento para um almoço do Partido Comunista Português em Alcanena e agradecer-lhe a ajuda que dera à causa comunista, durante as perseguições políticas a que os seus defensores foram sujeitos» [p. 29].

[Esmeralda Flora Bento com Álvaro Cunhal || Fotografia cedida pela família à Dr.ª Graça Asseiceira e enviada a Maria João Dias]

Nas eleições de 26 de Outubro de 1969, apoiou a candidatura da Comissão Democrática Eleitoral - CDE, aparecendo em fotografias com Maria Barroso, então candidata pelo distrito de Santarém. 



[Esmeralda Flora Bento com Maria Barroso || Sessão no Cine-Teatro S. Pedro || Outubro de 1969 || Fotografia cedida pela família à Dr.ª Graça Asseiceira e enviada a Maria João Dias]

Agraciada, por unanimidade, com a Medalha de Ouro de Mérito Municipal em 1989, aquando do septuagésimo quinto aniversário da criação do concelho de Alcanena, Esmeralda Flora Bento faleceu em 22 de Setembro de 1993, três anos depois do marido, José de Almeida e Silva, falecido em 17 de Julho de 1990.

[Esmeralda Flora Bento || Agraciada com a Medalha de Ouro de Mérito Municipal || 1989 || Fotografia cedida pela família à Dr.ª Graça Asseiceira e enviada a Maria João Dias]

Esmeralda Flora Bento nunca abdicou da sua condição de cidadã e, por isso, manteve-se interventiva na sociedade do seu tempo, antes e depois de Abril de 1974, marcando as gentes da sua terra e, simultaneamente, todos e todas que não desistiram de combater uma ditadura fascizante que se prolongou por décadas.

[João Esteves]

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