* MARIA ALDA NOGUEIRA. DA RESISTÊNCIA À LIBERDADE *
MARIA ALICE SAMARA || ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA || 2019
Integrado na Série Parlamentares do Regime Democrático, coordenada por Luís Farinha, abrangendo uma selecção de deputados eleitos para a Assembleia Constituinte de 1975, este livro de Maria Alice Samara incide sobre Maria Alda Nogueira, cujo papel político na construção do Portugal Democrático remonta aos anos quarenta do século XX quando, enquanto militante e dirigente clandestina do Partido Comunista, encetou uma luta de mais de três décadas contra o fascismo, sintetizada no título Da Resistência à Liberdade.
[Maria Alice Samara || Maria Alda Nogueira. Da Resistência à Liberdade || Assembleia da República || 2019]
Numa batalha pela memória da Resistência, Alice Samara dedica a Parte I, subdividida em 10 capítulos, à história de vida que medeia entre o seu nascimento, ainda durante a 1.ª República, e a data libertadora de 25 de Abril de 1974, quando tinha 51 anos, contextualizando-a nas diferentes sociabilidades que a foram moldando, no processo de fascização do país e na luta daqueles que lhe souberam resistir e trilharam, com elevados custos pessoais - familiares, económicos e profissionais - o difícil, corajoso e arrojado combate político, entre os quais esteve, sempre, Maria Alda Nogueira. Individual e colectivamente.
Entre 1942, data da sua filiação no Partido Comunista, e 1974, conheceu a clandestinidade, longos anos de prisão e o exílio, não abdicando de ser «um sujeito político ativo e atuante e que é, precisamente, esta a característica definidora do seu percurso» [p. 15]: «A história da sua vida até à Revolução dos Cravos é de uma riqueza extraordinária, que estas páginas não conseguem capturar» mas, «sempre que possível [...] recuperamos a sua voz e o seu discurso» [p. 14].
Já os dois capítulos seguintes centram-se na sua intervenção pública e política enquanto parlamentar de várias legislaturas, iniciada em 1975 com a eleição para a Assembleia Constituinte.
Centremo-nos, "apenas", no longo período da Resistência em que tão poucos, muitas vezes os mais humildes e desfavorecidos, fizeram tanto.
Filha mais velha de Vitória de Jesus Barbosa Nogueira [n. 1898] e de António Pedro Nogueira [1900], Maria Alda Barbosa Nogueira nasceu em 19 de Março de 1923, quando a família vivia em Alcântara. Cresceu nesse bairro marcadamente operário e aí apreendeu acontecimentos que muito contribuíram para a sua crescente politização, como a Revolta dos Marinheiros, em 1936, a Guerra Civil de Espanha, as greves de 1943, onde as mulheres se começaram a evidenciar no espaço público, ou os festejos pela vitória dos Aliados em 1945. E «foi em Alcântara que Maria Alda Nogueira se cruzou com José Magro e Pires Jorge que tiveram um importante papel na sua formação política» [p. 29].
Frequentou a Escola da Tapada, actualmente Escola Raul Lino, e continuou os estudos no Liceu Filipa de Lencastre, onde novas sociabilidades, nomeadamente com Maria Helena Tavares Magro [1923 - 1956], que se tornaria na sua melhor amiga e morreria na clandestinidade, Cecília Simões (Areosa Feio) [1921 - 1980] e Maria Barroso [1925 - 2015], a iniciaram na luta e levaram-na a colaborar com o Socorro Vermelho Internacional ou à recolha de géneros e roupas para os republicanos espanhóis. Ainda no Liceu, foi Presidente da Associação de Estudantes.
Também algumas professoras a marcaram e influenciaram a sua formação, como Manuela Palma Carlos, que integrara o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas - CNMP, Irene Alice de Oliveira (História), Alice Graça (Física), que militara na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas - LRMP, ou Maria José Estanco (desenho).
Concluído o Liceu, ingressou na Faculdade de Ciências, no curso de Ciências Físico-Químicas, numa altura em que decorria a Guerra, propiciando-se, então, o contacto e a filiação nas duas associações progressistas de mulheres - a Associação Feminina Portuguesa para a Paz e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas - que, para além de pugnarem pela emancipação feminina, continham uma postura antifascista, a primeira, e oposicionista, a segunda. Para Alda Nogueira, a filiação na AFPP, em Janeiro de 1946, e o convívio com outras mulheres fez «gerar [...] a ideia de que os direitos das mulheres estavam entrelaçados com a defesa da democracia, com a própria luta contra o fascismo» [p. 32].
Simultaneamente, integrou a última fase do CNMP, quando este passou a ser dirigido por Maria Lamas e aglutinava muitas mulheres que integravam, ou viriam a integrar, as fileiras das oposições ao fascismo, ajudando à implantação de Delegações locais, nomeadamente no Algarve: Faro, Olhão, Silves, Monchique.
Interveio na Exposição de Livros Escritos por Mulheres, organizada na SNBA em Janeiro de 1947, proferindo a conferência "A mulher e a Ciência", e assinou textos no Jornal do Fundão e nas revistas Modas e Bordados e Os Nossos Filhos.
Já era, então, militante do Partido Comunista, a que tinha aderido ainda no final do Liceu ou no início da Faculdade: primeiro, terá militado na Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas e, em 1942, com 18 ou 19 anos, passou para o Partido, integrando a célula da Faculdade, onde foi activa na luta contra o decreto-lei n.° 31658, de 21 de Novembro de 1941, que triplicava o valor das propinas.
Concluiu o curso em 1945; foi professora em Olhão, provavelmente no ano lectivo de 1945-1946, onde ajudou a implantar uma delegação do CNMP; leccionou, em 1947, no Externato Comercial da Voz do Operário, em Lisboa; e, entre Novembro de 1948 e Abril de 1949, trabalhou na Escola Industrial Alfredo da Silva, no Barreiro.
[Maria Alice Samara || Maria Alda Nogueira. Da Resistência à Liberdade || Assembleia da República || 2019]
Subscreveu as listas do Movimento de Unidade Democrática - MUD e a sua preocupação com o desenvolvimento e enquadramento das lutas das mulheres a nível nacional, levou-a a trabalhar até 1949, com Cecília Simões Areosa Feio e Maria das Dores Cabrita, no sector de Mobilização e Organização das Mulheres Comunistas.
Nesse mesmo ano, participou na candidatura presidencial de Norton de Matos, "mergulhando", de seguida, na clandestinidade. Tinha 26 anos e a sua opção relacionou-se com a prisão, no Luso, de Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro e Sofia Ferreira e a intensificação das ofensivas repressivas sobre o Partido Comunista. O que pensava ser algo temporário e que voltaria à carreira científica, que abraçara e tanto desejava, tanto mais que fora deferido o seu pedido para ir trabalhar para França com Irene Curie, transformou-se em 25 anos de sacrifícios, inimagináveis para o comum dos oposicionistas, numa luta ininterrupta pelo derrube do duradouro fascismo português.
Montou casa clandestina com Sérgio Vilarigues e desse amor nasceu, em Dezembro de 1953, o único filho que, por uma questão de segurança e sociabilização, antes de completar quatro anos foi viver com a avó materna. Da defesa das casas por onde passou, e que nunca foram localizadas pela PIDE, passou a integrar a redacção do jornal Avante, a colaborar em A Voz das Camaradas das Casas do Partido / 3 Páginas e em O Militante e a controlar organizações territoriais e sectoriais.
Em 1956, integrou o Comité Local de Lisboa, em Setembro de 1957, no V Congresso, foi eleita suplente do Comité Central e, entre 1957 e 1959, foi membro da Direcção da Organização Regional de Lisboa, envolvendo-se, cada vez mais, no trabalho de organização, tanto no sector operário, quer no dos empregados (bancários, seguros), aquele que preferia mas que a tornavam mais vulnerável à identificação pela PIDE.
Três outras mulheres foram eleitas nesse Congresso para o Comité Central, todas como suplentes: Cândida Ventura, a primeira a ter integrado aquele organismo dirigente, Sofia Ferreira e Virgínia Moura.
No ano seguinte, envolveu-se, organicamente, na candidatura presidencial de Arlindo Vicente e, no rescaldo da fraude eleitoral que envolveu as eleições de 1958, coordenou parte do trabalho colectivo associado ao desencadear de greves e outras acções políticas de protesto na região de Lisboa.
Após dez anos consecutivos de clandestinidade, Alda Nogueira foi detida na Avenida da Liberdade em 15 de Outubro de 1959, quando se deslocava num táxi, e iria passar nove anos e três meses na prisão. Foi a primeira mulher a ser condenada a oito anos de prisão maior e, devido ao cumprimento de medidas de segurança, só foi libertada, condicionalmente, em Dezembro de 1968: «Na prisão, retiraram-me os melhores anos da minha vida. Entrei com 35 anos, saí com 45 anos» [p. 46].
Ao afirmar-se como comunista e ao pedir para avisarem a família no acto da prisão, dando o telefone e a morada da mãe, permitiu que, duas horas depois de chegar à António Maria Cardoso, já os familiares a procurassem em Caxias. Presa e submetida a duros interrogatórios, recusou-se, sempre, a «responder a todas as perguntas feitas pela polícia política» [p. 52]. Por isso, aqueles estenderam-se à mãe, ao irmão e a outras pessoas das suas sociabilidades, abordando, ainda, o filho na escola que frequentava, usando um estratagema para obter informações que desconhecia.
Julgada em 22 de Outubro de 1960 pelo Tribunal Plenário, presidido por pelo juiz Silva Caldeira, foi seu advogado Manuel João da Palma Carlos [1915 - 2001], com o qual Alda Nogueira só pôde estar uma vez. Entre as testemunhas de defesa, constavam Alice Torres Magalhães, também licenciada em Ciências Físico-Químicas e que fora Assistente na Faculdade de Ciências entre 1943 e 1947, Cecília Simões, Fernando Pedro Lopes Batista, Justino de Sousa Seabra, Maria Isabel Aboim Inglês, que não foi ouvida e sofreu ameaças, e Maria Lamas, não tendo Alda Nogueira conseguido fazer-se ouvir e ameaçada pelo juiz, à terceira tentativa, de ser reenviada para a cela.
Durante a prolongada detenção em Caxias, Alda Nogueira interveio nas diferentes dinâmicas colectivas, participou na partilha dos saberes enquanto contributo para a formação e promoção cultural de cada uma e ensinou várias mulheres a ler e a escrever. Também reencontrou e conviveu com Aida Paulo, Albertina Diogo, Ivone Dias Lourenço, Maria da Piedade Gomes, Maria Luísa Costa Dias, Matilde Bento e Sofia Ferreira, entre muitas outras, como as mulheres do Couço. A prisão também se constituía como local de Resistência e de formação política, sendo Alda Nogueira e Sofia Ferreira as responsáveis pela célula do PCP em Caxias, assegurando a primeira as ligações exteriores com a direcção partidária. Os encontros com o filho, António Vilarigues, não eram passíveis de qualquer contacto físico e decorriam sob vigilância policial permanente.
Depois de Alda Nogueira ter iniciado o período, ainda mais arbitrário, das medidas de segurança, foram seus advogados Jorge Sampaio, contactado através de um familiar, e Armando Bacelar, que a acompanhava desde 1965. A sua libertação, condicional, em Dezembro de 1968, foi antecipada em um dia, o que fez com que não tivesse ninguém à sua espera, tornando o momento "horrível".
[Maria Alice Samara || Maria Alda Nogueira. Da Resistência à Liberdade || Assembleia da República || 2019]
Regressou a Alcântara e a adaptação às rotinas da liberdade não foi fácil, sendo que, «a partir de então, teria sempre dificuldade em dormir» [p. 62]. Em Abril e Maio de 1969, passou uns dias no Porto e, em Janeiro de 1970, saiu clandestinamente de Portugal com José Bernardino e mediante a ajuda, técnica, de Margarida Tengarrinha, reencontrando-se em Paris com Álvaro Cunhal.
Até 1974, continuaria o trabalho político no exílio, passando pela União Soviética, para recuperar da saúde debilitada, Roménia, onde trabalhou na Rádio Portugal Livre, e Bélgica, onde se encontrava aquando do 25 de Abril, regressando a Portugal em 8 de Maio.
Tinha 51 anos e começava uma outra vida. Em 25 de Abril de 1975, era eleita para a Assembleia Constituinte.
[Maria Alice Samara || Maria Alda Nogueira. Da Resistência à Liberdade || Assembleia da República || 2019]
Bibliografia:
Maria Alice Samara, Maria Alda Nogueira. Da Resistência à Liberdade, Assembleia da República, Novembro de 2019.
[João Esteves]
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