[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 21 de novembro de 2010

[0123.] ANA DE CASTRO OSÓRIO [XV] || 20/11/1910

* ANA DE CASTRO OSÓRIO *

"O SUFRÁGIO FEMININO" || 20/11/1910

Crónica de Ana de Castro Osório sobre o sufrágio feminino no jornal O Radical de 20 de Novembro de 1910, onde refuta as opiniões defendidas por Machado Santos:

«Sufrágio feminino
 
Lemos... e se não o lêssemos não acreditaríamos, por vir escrito no jornal de Machado Santos, no jornal que dentro da República triunfante vem para a extrema-esquerda, onde nós, as mulheres conscientes, estivemos ontem e estamos hoje e amanhã, e sempre, porque somos, mais do que ninguém, as vítimas das leis e das convenções sociais.

E lemos, numa crónica que queria ser literária e não ia muito além da rudeza de quem ainda tem pela mulher a noção bárbara da superioridade do sexo masculino, a que tem a suprema honra de pertencer: que as madamas de cá não pensam nas reivindicações feministas, não querem o voto, não sabem sequer onde têm a cara; pensando somente nas modas... fora da moda e nos namoros.

Pois enganou-se o cronista. Algumas mulheres portuguesas sabem tanto, ou mais do que os homens, o que é a República; trabalharam por ela, tanto ou mais conscienciosamente do que trabalharam os homens; e julgam-se, tanto como eles, no direito de reclamar o voto, pelo menos concedido àquelas que trabalham e lutam pela vida honestamente contribuindo com o seu dinheiro para o Estado, como se homens fossem.

A prova de que as madamas de cá alguma noção têm do que sejam as reivindicações feministas é que ao Governo da República elas foram apresentadas por uma comissão de senhoras, que representavam a vontade de mais de mil outras que fazem parte da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.

Não leu o cronista essa representação publicada por extenso no 1.º número deste jornal, o que por modo algum nos surpreende. Espíritos superiores não descem até à pequenez de ouvir a voz dos que não têm direitos sociais e muito menos se baixam até às colunas mal impressas dum pobre semanário provinciano.

Não conhece o cronista o trabalho de propaganda das mulheres republicanas – não admira! Há muitos homens para quem só existe a mulher no sentido bestial do vocábulo, encubram-se embora com frases mais correctas.

Há muitos homens que só conhecem a mulher figurino barato, ou caro, das modas ridículas, a mulher que só por ideal tem o namoro... E, no entanto, se essa mulher é ainda a maioria entre nós é porque assim a quer, a procura, e a distingue, o homem, tão inferior, ou mais do que ela própria, que não pode ser responsável, visto que é a primeira vítima da falta de educação que lhe regateiam.

Mas não suponha o amável cronista que nos surpreendem as suas palavras. 

De modo algum. Contávamos com elas e até com piores.

A República portuguesa não nos surpreenderá também, com o seu desprezo e esquecimento, porque ela não fará mais do que reeditar o que em todos os tempos têm feito os homens após as revoluções, para as quais, aliás, a mulher trabalhou, preparando os espíritos, educando as almas juvenis, propagandeando com paixão, como só ela é capaz de o fazer.

Trabalhámos pela República, nós! Temos tanto mais honra em o dizer quanto é certo que nunca o fizemos iludidas na esperança de que a situação do nosso sexo mudaria logo com a mudança de regímen...

Trabalhámos contando já que na hora do triunfo o nosso lugar seria... onde estamos, e onde ficaremos ainda por muito tempo, reclamando direitos para o nosso sexo, auxiliando a mulher nossa colega, fazendo propaganda da sua educação, pugnando pela sua libertação.

E se a maioria das mulheres entre nós se conserva no lugar inferior que o cronista lhe marca, respondemos-lhe com altiva dignidade: que também os homens, na sua grande maioria, não estão muito acima dessa craveira ridícula. Mas nós, em vez de nos regozijarmos e de os mostrarmos como se nos mostram em toda a sua inferioridade, lamentamos somente que no nosso país a média intelectual ande tão baixa.».

[O Radical || 20/11/1910]

[João Esteves]

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