* EMÍDIO GUERREIRO *
[06/09/1899 - 29/06/2005]
LUÍS FARINHA
EMÍDIO GUERREIRO: SOB O DESPOTISMO DA LIBERDADE
Assembleia da República || Outubro de 2021
A vida política de Emídio Guerreiro revelou-se intensa, atribulada e duradoura, iniciada em 1918, através da oposição, enquanto militar e paisano, à experiência ditatorial de Sidónio Pais, o que lhe valeu a prisão em Outubro desse ano e o afastamento do Regimento de Infantaria 20, sediado em Guimarães, onde se alistara como voluntário em 1916.
Depois, seriam 48 anos de combate à Ditadura Militar e Fascista surgida em Portugal na sequência do 28 de Maio de 1926, só derrubada em Abril de 1974, tendo, pelo meio, "aquele período tumultuoso de descida aos Infernos", correspondendo às décadas de 1930 e de 1940 na Europa: experienciou-o, primeiro, em Espanha, até 1939 e, de seguida, em França.
Por fim, após décadas de resistência(s), com prisões (1931, 1932 e, talvez, 1935), internamento nos Campos de Arles-sur-Tech (1939), Argèles-sur-Mer (1941-1942) e de Septfonds (1944), fugas/evasões (1932 - Aljube, 1942, 1944) e 42 anos de exílio, chegara o tempo de ser, também, um construtor de novos tempos.
Por nunca descurar o essencial, centrado na Liberdade, individual e de um povo, Emídio Guerreiro não hesitou em correr riscos, assumir rupturas, tornadas inevitáveis consoante os combates a que se propunha, e apreender e incorporar, continuadamente, as diferentes dinâmicas que, nos mais diversos domínios, atravessaram e transformaram o século XX.
Até 1974, foi sobretudo, um "homem de acção", com intervenção tripartida gradualmente (re)conhecida: contra a Ditadura portuguesa; ao lado dos republicanos que, no final dos anos 30, enfrentaram o golpismo militar franquista; e na Resistência francesa contra o ocupante nazi na sequência da fuga, forçada, de Espanha para França através dos Pirenéus.
O exílio, em 1932, na sequência da fuga colectiva do Aljube em 4 de Abril de 1932, levou-o ao refúgio em Espanha e, inevitavelmente, à participação na guerra desencadeada em 1936 pelo levantamento militar franquista contra o legítimo governo republicano. Depois, com a subsequente derrota, sucederam-se as passagens por Campos de Internamento franceses, de onde soube evadir-se, e a integração na Resistência contra o ocupante nazi e seus colaboracionistas, estando na libertação de Montauban, em 20 de Junho de 1944.
Terminada a Guerra, quando tinha 45 anos, sobrevieram mais 30 longos anos de exílio: desmultiplicou-se em iniciativas de denúncia e combate do fascismo português, atento ao que se passava nos diferentes grupos de exilados pátrios, nomeadamente daqueles em torno de Humberto Delgado, e disposto a enfrentar novos desafios, como o recurso à luta armada para derrubar o regime através da criação, em 1967, da LUAR - Liga de Unidade e Acção Revolucionária.
O regresso ao Porto dar-se-á só em 12 de Maio de 1974, numa recepção apoteótica, quando caminhava para os 75 anos e fora "sempre um lutador contra a corrente dominante do seu tempo" [p. 17].
Recomeçaria uma outra vida, com o mesmo fôlego de sempre. Aderiu ao PPD, quando este assumia uma via social-democrata para o socialismo em Portugal, foi eleito Constituinte por aquela cidade e tornou-se, em Maio de 1975, Secretário-geral substituto daquele Partido, devido questões de saúde de Francisco Sá Carneiro. Em Dezembro desse mesmo ano, abandoná-lo-ia.
Suceder-se-iam mais 30 anos de muitas outras lutas, com a mesma intensidade e capacidade de rupturas de outros tempos.
Nesta obra, que em muito transcende a preocupação biográfica, apesar do objectivo principal ser "a vida política de Emídio Guerreiro no período pós-25 de Abril" [p. 19], Luís Farinha consegue dar-nos uma visão multifacetada e exaustiva do que foi a sua trajectória entre 1899 e 2005, com as sucessivas vivências cívicas e políticas, devidamente contextualizadas, tendo como fim último a Liberdade, esse bem tão precioso que tantos custos humanos comportou a alguns e deveria incomodar os que optaram por nada fazer, mas souberam usufruir e, não raras vezes, apropriar-se dela quando chegou o dia libertador.
Um tão longo e riquíssimo percurso humano, associado à sua invulgar longevidade, foram-lhe proporcionando o devido reconhecimento enquanto cidadão interveniente.
Por isso, o livro de Luís Farinha se torna imperdível. Pelo biografado, pelos ambientes históricos a que está associado, integrando-o em cada um dos tempos em que (sobre)viveu mediante recurso a vasta e inédita documentação, e pelo papel desempenhado enquanto tribuno Constituinte, afinal o objectivo primordial da Colecção onde Emídio Guerreiro: sob o despotismo da liberdade está incluído.
[João Esteves]
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