* MARIA EUGÉNIA CUNHAL *
[17/01/1927 - 10/12/2015]
Filha de Mercedes Simões Ferreira Barreirinhas 05/05/1888 - 12/09/1971] e de Avelino Henriques da Costa Cunhal [28/10/1877 - 19/12/1966], advogado nascido em Seia, e irmã de Álvaro Cunhal, Maria Eugénia Cunhal nasceu em Lisboa em 17 de Janeiro de 1927.
Presa em 2 de Fevereiro de 1945, quando tinha apenas 18 anos, como forma de pressionar a família e o irmão, então muito procurado pela PIDE, seria libertada durante a noite em resultado da atitude da mãe, que se recusou a abandonar a sede da polícia política sem levar a filha. Tal procedimento por parte da PIDE, que também deteve o pai, mas por vários meses, esteve na origem de uma carta denúncia de Álvaro Cunhal ao Ministro da Justiça.
14 anos mais nova do que o irmão, acompanhou-o sempre na atividade cívica e política e, para além da militância comunista, Maria Eugénia Cunhal aderiu muito nova ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo participado em várias reuniões sob a direção de Maria Lamas, e fez parte da Associação Feminina Portuguesa para a Paz.
Mãe de Pedro [08/09/1950 - 1999], Miguel [1951-2006: publicou, em 1999 e 2001, Esboços - Antifascistas relatam as suas experiências nas prisões do fascismo], Duarte e Joana, os dois primeiros prematuramente desaparecidos.
Em 13 de Junho de 2006, Júlia Coutinho, no seu blogue As causas da Júlia, publicou a seguinte carta de Álvaro Cunhal para Maria Eugénia e que, com a devida vénia, aqui se transcreve:
«Moscovo, 1 de Março de 1966
Minha muito querida irmã:
Terríveis notícias me chegaram nos últimos tempos: o suicídio do Fernando [Fernando Manuel da Rocha Medina (15/03/1924 - 09/09/1965), médico psiquiatra], a Morte do Pai. Que te posso dizer das lágrimas que chorei e choro, e de todas as razões delas, e das mil inquietações para que não tenho resposta? Por via indirecta, recebi as duas notícias. Secas, sem qualquer referência a mais. Nada mais sei, a não ser o que suponho.
A grande distância, o não ter visto mais o Pai, o não ter podido dizer-lhe um último adeus e uma última palavra, são dores irreparáveis. Sofreste mais de perto, querida irmã, mas não isto. E o que ele terá sofrido. Esforçado e paciente decerto, mas decerto também inconformado e profundamente triste. Perdemos a pessoa que mais nos amava, que melhor nos compreendia e a quem devemos elevadas lições de honestidade e isenção pessoal. Por isso não perdemos tudo. Apenas lamento, se ele o não sabia.
Chorando os mortos, penso nos vivos, querida, muito querida irmã. Penso em ti, na mãe cega, nos teus filhos, na vossa situação. Que posso eu fazer por vós? Eu sei (e é necessário que tu saibas também) que algo posso fazer. Continuo a ser o teu irmão infinitamento amigo, o teu irmão de sempre. Conta comigo, querida irmã.
À nossa pobre mãe, diz que vos escrevi algumas linhas, que sofro por não vos ter dado o muito que gostaria de dar-vos e que por isso me perdõem, se é coisa de perdoar. Diz-lhe mais, atribuindo-me a mim, todas aquelas palavras que entendas que a podem auxiliar. Do coração to agradeço, a ti a quem coube o leme de tão amargas situações.
Neste momento, quero dizer-te alguma coisa mais: olha para o futuro! Não descreias da vida e da alegria! Tem forças para recomeçar, se de recomeçar se trata!
Peço-te, querida irmã, que procures escrever-me algumas palavras, se não do que se passou (por te ser demasiado penoso) ao menos do que se passa. Eu não sei se esta carta te chegará às mãos, dada a pessoa que a escreve, dado o país de onde vai e dado que nem certo estou dos endereços para onde a envio (que em tempos me disseram ser o teu e o do Pai). Tenho porém uma certa esperança em que a venhas a receber. E, se a receberes, tenta escrever-me. A direcção é simples:
URSS - Moscovo 132
Hotel
Álvaro Cunhal
É o bastante e, tratando-se como se trata, de questões familiares e questões desta natureza, pode ser que a tua carta me chegue.
Querida, muito querida irmã: um grande, grande abraço, aquele que gostaria de poder dar-te neste momento de profunda tristeza.
Repito ainda: não desanimes, olha em frente, olha para a vida e confia.
Com a imensa ternura do teu irmão
Álvaro»
[Jornal de Letras, Junho de 2004 || Fotografia de João Ribeiro]
Em Junho de 2004, Maria Leonor Nunes publicou no Jornal de Letras o texto "Maria Eugénia Cunhal: Palavras resistentes".
[Jornal de Letras, Junho de 2004]
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