[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 24 de novembro de 2019

[2197.] JOAQUIM BERNARDO RODRIGUES DE PASSOS [I] || MILITANTE COMUNISTA PRESO EM 1938, "ENLOUQUECEU" VÍTIMA DAS VIOLENTAS TORTURAS

* JOAQUIM BERNARDO RODRIGUES DE PASSOS *
[19/01/1917 - 30/03/1980]

Estudante de Mecânica no Instituto Superior Técnico, Joaquim Passos era um jovem quadro comunista com responsabilidades no Comité Regional de Lisboa e que, em 1937, por ser natural de São Brás de Alportel, chegou a ser enviado para o Algarve para reorganizar localmente o Partido Comunista. 

Preso em Fevereiro de 1938 pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, "enlouqueceu" em consequência das violentas torturas a que foi submetido, tendo o jornal Avante!, de Abril desse ano, denunciado essa situação num texto intitulado "Os presos enlouquecem!" [Avante!, II série, N.º 80, p. 2].

Maria João Raminhos Duarte, na excelente, rigorosa e imprescindível obra Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura [Edições Colibri, 2010], refere-se ao percurso político e vivencial de Joaquim Passos.  

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Filho da escultora Rosalina Dias de Passos [15/11/1880 - 21/08/1958] e do carbonário e republicano Virgílio Rodrigues de Passos [25/11/1882 - 26/07/1945], Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos nasceu em 19 de Janeiro de 1917, em São Brás de Alportel. Era, ainda, sobrinho do poeta Bernardo Passos [1876 - 1930], do escritor Boaventura Rodrigues de Passos [08/01/1885 - 02/01/1935] e da pintora Virgínia Dias de Passos [19/04/1881 - 18/12/1965]

Terá estudado artes plásticas na Sociedade de Belas Artes de Lisboa [Idalécio Soares, Vítimas da Ditadura no Algarve, p. 84] e frequentou o Instituto Superior Técnico, onde era o aluno N.º 715 [Revista Triplov], não tendo concluído o curso devido à sua prisão.

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Membro do Partido Comunista, usou o pseudónimo "Manuel Rocha” e, em 1937, quando já integrava o Comité Regional de Lisboa, foi enviado ao Algarve para iniciar à reorganização das estruturas locais. No âmbito do Comité Regional de Lisboa: "controlou as zonas 4 e 2 e os ferroviários de Santa Apolónia", "trabalhou ainda na organização comunista em Alverca e Bucelas" e "foi o controleiro da zona 5, até ser preso" [Maria João Raminhos Duarte, p. 153, nota 142].

Júlio Martins Negrão, «que em jovem frequentava as casas dos amigos Passos», referiu, em entrevista a Maria Estela Guedes, que o «Joaquim era comunista, pertencia à delegação regional do PCP. [...] Ele foi enviado ao Algarve para reorganizar aqui os núcleos do Partido. Carbonário era o pai, o Virgílio Passos farmacêutico!» ["Coisas da Arte, da Política e da Vida - Júlio Martins Negrão recorda o caso de Joaquim Rodrigues de Passos", entrevista de Maria Estela Guedes, InComunidade, Outubro de 2013].

[Maria João Raminhos Duarte || Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura || Edições Colibri || 2010]

Preso em 10 de Fevereiro de 1938, foi enviado, incomunicável, para uma esquadra, seguindo, depois, para o Aljube. 

Maria João Raminhos Duarte refere que "na prisão foi violentamente espancado e torturado até revelar sinais de demência" [p. 153].

Avante, de Abril de 1938, sob o título "Os presos enlouquecem!", denunciava que «Há mais de dois meses, a famigerada polícia de informações prendeu o estudante antifascista, do Instituto Superior Técnico, Joaquim Bernardo Rodrigues Passos. / A família pediu à polícia que o pusessem num quarto particular, para o que deu dinheiro. E estes bandidos diziam que ele estava muito bem, bem alimentado, num quarto com sol, etc. / Era tudo mentira. O pobre Rodrigues Passos tem estado sempre num calabouço imundo saindo só para ir à polícia para ser torturado. TANTAS TORTURAS LHE INFLIGIRAM, QUE ENLOUQUECEU! / O médico do Aljube, que é um carrasco como todos os que servem as prisões políticas, propôs à polícia para entregar o preso à família, para que esta o interne numa casa de saúde. Mas estes miseráveis não estão ainda contentes com a sua obra. Querem torturá-lo mais! [...]» [Avante!, N.º 80, Abril de 1938, p. 2].

Também Júlio Martins Negrão, na entrevista citada, reafirma que o «Joaquim foi preso e torturado por pertencer ao Partido Comunista Português! Ainda por cima pertencia à delegação regional, a polícia era muito mais selvagem com os activistas. Ele era estudante, andava no Instituto Superior Técnico a tirar o curso de Engenharia de Máquinas. Foi preso em Lisboa. A empregada, a Silvina, bem via no pátio aqueles homens a cirandar, os polícias…» / «Claro que era a PIDE! Essa rapariga, a Silvina, que era de cá, uma algarvia, quando percebeu que os pides iam a subir a escada ainda pegou numa quantidade de papéis e meteu-os no fogão. Prenderam-no a ele e ao Ângelo, o irmão mais velho, mas ao Ângelo soltaram-no logo. Agora ao Joaquim, não. Da prisão mandavam à mãe, a escultora Rosalina Passos, a roupa suja do filho para ela a lavar, ela dizia que pareciam papas de linhaça… É por isso que algumas esculturas da mãe são aquelas máscaras de agonia… Olhe, uma vez estávamos sentados na Sociedade Recreativa Primeiro de Janeiro a ler O Século Ilustrado, que trazia um título em grandes letras: «Os carrascos tremem na presença dos inocentes». O Joaquim virou-se para nós e disse: «Só eu vi tantos carrascos e nenhum tremeu na minha presença!”. Era o filho mais inteligente do senhor Virgílio» ["Júlio Martins Negrão recorda o caso de Joaquim Rodrigues de Passos", entrevista de Maria Estela GuedesInComunidade, Outubro de 2013].

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Segundo o seu Registo Geral de Presos, Joaquim Passos foi entregue à família em 4 de Agosto, «que se responsabilizou pelo seu tratamento» [ANTT, RGP/9385].

Maria João Raminhos Duarte refere que "quando saiu da prisão, à responsabilidade de seus pais, vinha completamente transtornado. Desenvolveu uma esquizofrenia que o levou a tratamento psiquiátrico na Suiça. Por ter crises de violência, foi-lhe feita uma lobotomia. Regressou a Faro, por onde deambulava, vivendo na casa de seu irmão Ângelo Passos. Esporadicamente pintava e esculpia. Expôs no Círculo Cultural de Faro. Algumas das suas obras encontram-se no Museu de Lagos e noutros museus do Algarve. Faleceu em Faro, a 30 de Março de 1980, após ter vivido os últimos anos em completa apatia" [Maria João Raminhos Duarte, Silves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura, p. 153, nota 142].

[Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos || 1938 || ANTT || RGP/9383 || PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379]

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos/9383 [Joaquim Bernardo Rodrigues de Passos / PT-TT-PIDE-E-010-47-9385_m0379].

"Os presos enlouquecem", Avante!, Série-II, N.º 80, 4.ª Semana de Abril de 1938, p. 2.

Maria João Raminhos DuarteSilves e o Algarve. Uma história da oposição à Ditadura, Edições Colibri, 2010.

Maria Estela Guedes, "Coisas da Arte, da Política e da Vida - Júlio Martins Negrão recorda o caso de Joaquim Rodrigues de Passos", InComunidade, Outubro de 2013.

[João Esteves]

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