[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

[2206.] CARLOS ALBERTO RODRIGUES PATO [I] || A MORTE, EM CAXIAS, AOS 29 ANOS

* CARLOS PATO *
[21/12/1920 - 26/06/1950]

Muito jovem, Carlos Pato integrou o chamado Grupo de Neo-Realistas de Vila Franca de Xira, destacou-se no associativismo local e militou no Partido Comunista, participando na sua reorganização no início da década de 1940. 

Nome muito prestigiado e estimado em Vila Franca, sua terra natal onde perdura na memória de quem o conheceu, faleceu na prisão de Caxias com apenas 29 anos, vítima das violentas torturas a que fora submetido e deliberada falta de assistência médica. 

[Carlos Alberto Rodrigues Pato]

Filho mais velho de Maria Rodrigues Pato [n. 1900] e de João Floriano Baptista Pato [26/06/1895 - 14/12/1983], Carlos Alberto Rodrigues Pato nasceu em 21 de Dezembro de 1920, em S. João dos Montes - Vila Franca de Xira.

Frequentou o curso comercial nocturno no Colégio Afonso de Albuquerque onde, com Arquimedes da Silva Santos [n. 18/06/1921] e António Teodoro Garcez da Silva [1915 - 2006], esteve envolvido na criação de uma Caixa Escolar com o objectivo de promover iniciativas culturais e integrou, com aqueles dois, os corpos directivos eleitos em assembleia realizada em 16 de Outubro de 1937 [Garcez da Silva, Alves Redol e o Grupo Neo-Realista de Vila Franca, Caminho, 1990]

Nesse mesmo ano de 1937, passou a integrar o chamado Grupo de Neo-Realistas de Vila Franca de Xira formado, entre outros, por Alves Redol [29/12/1911 - 29/11/1969], António Dias Lourenço [25/03/1915 - 07/08/2010], Arquimedes da Silva Santos, Gilberto Bona da Silva [1913 - 1983], Garcez da Silva e Mário Rodrigues Faria [11/01/1921 - 08/02/2004].

Carlos Pato e Mário Rodrigues Faria [Garcez da Silva] ou Silvestre Mota [Contos e Outras Prosas de Mário Rodrigues Faria, Prefácio, Organização e Notas de Luísa Duarte Santos] foram os responsáveis por dactilografarem o manuscrito Gaibéus, de Alves Redol, de forma a apressar o envio para a tipografia a fim de se proceder à sua publicação. 

Publicou a crónica "Safra", o seu primeiro trabalho, na "Página literária" do Mensageiro do Ribatejo de 11 de Junho de 1939, assinando-o como Alberto Rodrigues, os seus dois nomes do meio, texto «em que a nota paisagística e a sensibilidade à dureza do labor humano na lezíria já pronunciavam o contista de "Valados"» [Garcez da Silva, "Alves Redol, o "Mensageiro do Ribatejo" e o Grupo Neo-Realista de Vila Franca", in Alves Redol, Testemunhos dos seus contemporâneos,  Caminho, 2001].

[Diário de Lisboa || 27/06/1950 || p. 2]

O seu conto "Valados", o único dos três contos publicado em vida, consta da colectânea Contos e Poemas de Vários Autores Modernos Portugueses, impressa em 22 de Abril de 1942 e organizada por Carlos Alberto Lança e Francisco José Tenreiro [20/01/1921 - 31/12/1963], incluindo, também, textos de Arquimedes da Silva Santos, Faure da Rosa [1912 - 1985], Manuel da Fonseca [1911 - 1993], Soeiro Pereira Gomes [1909 - 1949] e Sidónio Muralha [1920 - 1982].

[Contos e Poemas de Vários Autores Modernos Portugueses || 1942]

Da sua produção literária, conhecem-se apenas três contos, editados um ano após a morte - "Ao receber a jorna...", "Valados", "Graxas" - com palavras introdutórias de Alves Redol. Foram reeditados em 1974 e 2012, neste último caso com prefácio de José Casanova e ilustrações de Clara Pato, mantendo-se o texto daquele escritor.


Simultaneamente, tornou-se militante do Partido Comunista com apenas dezassete anos: participou na sua reorganização em 1940/1941, fez parte do seu Comité Local e, posteriormente, do Comité Regional do Ribatejo, sendo por seu intermédio que o irmão Octávio Pato [01/04/1925 - 19/02/1999] aderiu, primeiro, à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas e, depois, ao Partido Comunista.


[Passeio no Tejo || Maio (?) de 1941 || Carlos Pato é o segundo a contar da esquerda || Soeiro Pereira Gomes, Álvaro Cunhal e António Vitorino encontram-se ao centro]

Carlos Pato foi um dos participantes dos denominados Passeios do Tejo, organizados em 1940, 1941 e 1942; presidiu, entre 1945 e 1948, à Direcção do Ateneu Artístico Vilafranquense, destituída pelas autoridades fascistas em 13 de Maio de 1948; e foi o responsável pelo núcleo de Vila Franca do MUD (Movimento de Unidade Democrática).

[Carlos Pato || 28/04/1947 || ANTT || RGP/19199 || PT-TT-PIDE-E-010-96-19199_m0407]

Empregado bancário de uma filial do Banco Nacional Ultramarino em Vila Franca de Xira, foi preso pela primeira vez em 27 de Abril de 1947 e enviado para Caxias, saindo em liberdade condicional em 17 de Julho. 

Em 1948/49, fez parte da Comissão para a candidatura do general Norton de Matos, sendo preso na madrugada de 28 de Maio de 1949, no âmbito das suas actividades políticas e associativas. A brigada que o prendeu, chefiada pelo inspector Jorge Ferreira, invadiu a casa, entrou nos quartos e revistou-os, incluindo o berço da filha.   

[Carlos Pato || 28/04/1947 || ANTT || RGP/19199 || PT-TT-PIDE-E-010-96-19199_m0407]

Espancado e sujeito à tortura da estátua durante mais de 130 horas, sem nunca ter sido julgado, faleceu, em grande sofrimento, em 26 de Junho de 1950, apesar dos sucessivos pedidos de ajuda pelos restantes 14 companheiros: «cerca das seis e meia da manhã do dia 26 de Junho de 1950, na sala 7 do rés-do-chão do forte de Caxias, o militante comunista Carlos Pato, num sofrimento atroz, sucumbia às violentas torturas a que fora submetido pela PIDE e à recusa, por parte dessa polícia, em lhe facultar a assistência médica de que necessitava» [José Casanova, "Prefácio" ao livro Alguns Contos de Carlos Pato, Página a Página, 2012]. 

Depois do falecimento de Militão Ribeiro [1896 - 1950] na Penitenciária de Lisboa em 2 de Janeiro de 1950, dos assassinatos de José Moreira [1912 - 23/01/1950] e do jovem Alfredo Lima [04/06/1950], a morte de Carlos Pato ensombrava ainda mais aquele ano. 

Casado com Clotilde da Silva Henriques Pato, tinha apenas 29 anos e deixava dois filhos órfãos: uma menina, com 20 meses, e um rapaz com sete, nunca tendo chegado a ver este. A seu pedido, estava previsto que a mulher e os dois filhos o visitassem, o que nunca sucedeu devido aos entraves postos pela PIDE e ao desenlace fatal.

"Luísa Duarte Santos, que mais do que uma vez acompanhou a mulher de Carlos Pato, Clotilde, à prisão (onde também tinha o marido preso), relatou, mais tarde, o último encontro do casal: «Era um domingo de sol, e subíamos a custo o carreiro íngreme, até ao Forte. No final da visita – nesse dia, em comum – os presos regressariam às salas, após serem revistados. Numa porta, ao topo da recepção, onde estivéramos, reparei, enquanto esperava, que o Carlos falara com o chefe dos guardas, e pedira-lhe para dar um recado à mulher. Notei e impressionou-me – ainda hoje o recordo – a intensa palidez do seu rosto. A Clotilde saiu comigo e disse-me: “O Carlos pediu-me que trouxesse no próximo domingo os filhos, que os queria ver.” A palidez, que tanto me impressionou, seria a morte a rondá-lo. Poucas horas após essa visita, nessa noite, o Carlos falecia: o seu coração sucumbiu ao desgaste torturante da estátua»" [Avante!, 01/07/2010]. 

A mãe, manteve «sempre guardados  uns sapatos dele, todos rebentados devido a ter ficado muito inchado por causa das torturas. Foram tantas as torturas que ele até deixou de urinar e depois acabou por urinar sangue» ["A minha vida foi um pesadelo", in Gina de Freitas, A Força Ignorada das Companheiras, Plátano Editora, 1975].

[Diário de Lisboa || 27/06/1950 || p. 2]

O seu falecimento só foi imediatamente conhecido devido à informação prestada por Arquimedes da Silva Santos, então quintanista de medicina e igualmente preso em Caxias, dada a um advogado que, casualmente, visitava um outro detido. A notícia chegou a Vila Franca de Xira através de telegrama e segundo Júlio Gaudêncio, amigo de Carlos Pato, para além das ligações políticas, coube-lhe dar a notícia da sua morte a Alves Redol: «nunca vi um homem chorar como eu o vi chorar, com as mãos na cabeça, chorando com a notícia que tinha acabado de receber» ["Júlio Gaudêncio", in Alves Redol, Testemunhos dos seus contemporâneos,  Caminho, 2001].

Já não podendo esconder o sucedido, a PIDE ainda tentou condicionar as exéquias fúnebres, tendo, no entanto, o funeral constituído uma imponente manifestação de pesar, já que Carlos Pato era muito considerado e estimado pela população vilafranquense: «era um jovem extraordinário, era um rapaz maravilhoso [...] de quem toda a gente gostava» ["Júlio Gaudêncio", in Alves Redol, Testemunhos dos seus contemporâneos].

«- Devo-te muito do que há-de ser o futuro do meu filho; devemos-te todos, mesmo os que te quiseram mal, alguma coisa da felicidade que virá para os filhos de cada um... // E por isso te chorámos, e por isso te lembraremos sempre, mais ainda nas horas de alegria do que nos momentos de amargura» [Alves Redol, 1951].

Em 17 de Maio de 1975, o Largo do Cerrado passou a denominar-se Largo Carlos Pato.


[Diário de Lisboa || 17/05/2019]

Júlia Coutinho, através do seu precioso Blogue As Causas da Júlia, tem procurado que Carlos Pato não caia no esquecimento.

O livro Contos e Outras Prosas de Mário Rodrigues Faria, com Prefácio, Organização e Notas de Luísa Duarte Santos [Edições Fénix, 2016], contém duas fotografias de grupo onde consta a identificação de Carlos Pato: uma de 1939, na praia, com Francisco Roque, Mário Rodrigues Faria, José Ralha e Arquimedes da Silva Santos; a outra, de 1939/40, reporta-se a um jogo de futebol no antigo campo do Águia, em Vila Franca de Xira, com Manuel Cardoso, Carvalho, Francisco Roque, João Pato, Arquimedes da Silva Santos, Mário Rodrigues Faria, António Pedro, Canelas e Mendes.

[João Esteves]

NOTA: Desenho referente a Carlos Pato, datado de 1977, integrado na colecção de calendários para o ano de 1991 editado pelo Partido Comunista. 



[João Esteves]

2 comentários:

Júlia Coutinho disse...

Quero apenas lembrar que fui a primeira pessoa a escrever sobre Carlos Pato. Até quinta-feira, junho 26, 2008, nunca se escrevera sobre Carlos Pato, sobre a sua morte horrível, nem pertencia à galeria de heróis do PCP. Fui eu quem o descobriu nos arquivos da PIDE. Entrei em contacto com os filhos. A família reconheceu o meu trabalho de investigação. Falaram com o PCP através do Casanova. O PCP reeditou o livro de contos e fez-lhe uma homenagem publica em VFXira. Onde fui, convidada pelos filhos. E foi assim. Depois, tudo se tornou mais fácil.

João Esteves disse...

Estimada Júlia Coutinho: sem pretender retirar qualquer mérito à investigação, Carlos Pato foi por diversas vezes relembrado a seguir ao 25 de Abril de 1974, constando da galeria de heróis do PCP desde então. Há, pelos menos, um desenho com base na sua fotografia, datado de 1977 e o seu nome integra uma colecção de calendários para o ano de 1991, constando da edição 20 mortos/assassinados pelo Fascismo. Os autores neorealistas de Vila Franca de Xira sempre referiram o trágico assassinato de Carlos Pato pela PIDE, assim como me lembro de saber da sua história, com os devidos pormenores, logo após Abril de 1974.

16 de agosto de 2020 às 19:53