[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 11 de agosto de 2015

[1061.] LÍLIA DA FONSECA [I] || 1906 - 1991

* MARIA LÍGIA VALENTE DA FONSECA SEVERINO *
[21/05/1906 - 13/08/1991]

[Fotografia publicada em Faces de Eva, nº 9, 2003, cedida pela irmã Hortense de Almeida]

Jornalista, publicista e escritora que ficou conhecida pelo pseudónimo literário de Lília da Fonseca.

Filha “de uma angolana natural de Luanda” [Hortense de Almeida] e de um republicano e maçon, nasceu em 21 de Maio de 1906, “e não em 1916 como sempre declarou nos seus dados biográficos” [H. de Almeida], em Benguela. [O Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV (Coordenação de Ilídio Rocha), Publicações Europa-América, 1997, pp. 607-608, apresenta a mesma data de nascimento].

Estudou em Coimbra, no Liceu Infanta D. Maria, e no Porto, na Escola Carolina Michaëlis.  

Foi redactora de A Província de Angola e Jornal de Angola; colaborou nos periódicos Acção, Jornal de Benguela, Modas & Bordados, Os Nossos Filhos e Seara Nova; e idealizou e dirigiu, entre 1950 e 1956, o Jornal-Magazine da Mulher, concretizando o projecto de publicar uma revista mensal dedicada aos problemas das mulheres portuguesas. 

Lília da Fonseca era também um dos proprietários deste magazine, sendo o trabalho de feitura e coordenação efectuado na sua casa, “posto que os meios financeiros para o empreendimento eram muito escassos e não consentiam despesas com instalações próprias” [Gastão de Vasconcelos], e contou com o apoio e a colaboração de intelectuais ligados à oposição à ditadura e que tinham aderido ao Movimento de Unidade Democrática, nomeadamente Alberto Ferreira, Clara Sérgio, Humberto d’Ávila, Lima de Freitas, Nascimento Rodrigues e Gastão de Vasconcelos [Gastão de Vasconcelos, "Jornal-Magazine da Mulher", Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros  Horizonte, 2005].

No editorial de apresentação, explicava-se o seu aparecimento, pretendendo proporcionar uma leitura de temas relacionados com a mulher, “a que coopera com o homem na luta pelas condições de vida, na educação dos filhos, nas melhorias do trabalho”.  Começou com 30 páginas, a partir de 1954 passou a ter 48 e, até Fevereiro de 1956, saíram 52 números, sendo que a partir do nº 49, de Setembro de 1955, passou a chamar-se apenas Jornal Magazine, numa tentativa de chegar a um público mais vasto. 

Não deixa de ser relevante a qualidade dos colaboradores deste projecto de Lília da Fonseca, quase todos oposicionistas, referidos por Gastão de Vasconcelos no seu texto para o Dicionário no Feminino: «no conto, Miguel Torga, Fernando Namora, Manuela de Azevedo, José Saramago, Alexandre Cabral, Manuela Porto (prematuramente falecida, infelizmente); em artes e letras, José Régio, Alves Redol, Ilse Losa, Carlos Oliveira, Nascimento Rodrigues; ilustradores, foram Júlio Pomar, Lima de Freitas, Querubim Lapa; sobre teatro, Jacinto Ramos, Fernando Gusmão, Maria Barroso; sobre música, Humberto d’Ávila, João de Freitas Branco, Francine Benoit... No desporto e campismo, encontramos Fernando de Almeida, enquanto em assuntos sobre as “colónias”, escreveram a directora, Lília da Fonseca, Alda Sara, Augusto Casimiro; questões jurídicas foram tratadas por Luz Pinheiro. Foram ainda colaboradores (entre muitos outros, repita-se) José Marinho, Graça Brosque, Isaura Correia Santos». 

É de destacar que o periódico inseriu um depoimento de Maria Barroso sobre a Associação Feminina Portuguesa para a Paz e abordou o caso das enfermeiras dos Hospitais Civis que então não eram autorizadas a casar.

A par do jornalismo, sendo autora de crónicas e de reportagens, publicou, durante mais de 30 anos, novelas, romances, contos, poesias, literatura infantil, onde se notabilizou, e peças de teatro, tendo-lhe sido atribuído, em 1960 e 1963, o Prémio João de Deus. 

Fundou a Cooperativa «Ludus», de livros infantis, e dedicou-se à arte das marionetas, consubstanciada na fundação do Teatro de Branca Flor em 1962 [História do Teatro de Branca-Flor nos seus 20 anos de existência (1962-1982), 1982] e, no seu seio, do Centro de Animação de Fantoches. 

Data da década de 40, quando se fixou definitivamente em Lisboa, a defesa de posições políticas de esquerda e o engrossar da oposição à Ditadura do Estado Novo. 

Na segunda metade da década de 40, durante a presidência de Maria Lamas, militou activamente no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo, segundo o estudo de Célia Costa, participado em 37 reuniões realizadas entre 10 de Novembro de 1945 e 26 de Junho de 1947, número só superado por Fernanda Tasso de Figueiredo. Algumas das suas obras estiveram expostas na Exposição de Livros Escritos por Mulheres organizada pelo Conselho em 1947. 

Assinou na revista Alma Feminina, órgão do CNMP, um artigo sobre o sufrágio feminino [“O voto da mulher”, Alma Feminina, nº 14, Novembro, 1945, pp. 8-9]. Neste texto, e a propósito do que se passava em França, Lília da Fonseca não só considerava que “quando os governos de todo o mundo forem mistos, é possível que diminua a possibilidade da guerra”, como defendeu, para Portugal, o direito da mulher poder votar nas mesmas condições que o homem. No mesmo escrito, apelou à sua consciência cívica, que não se devia limitar à futilidade dos chás de caridade e das esmolas, “dadas muito embora com carinho e devoção”.

Também marcou presença na Associação Feminina Portuguesa para a Paz, tendo assinado um escrito sobre a Paz no seu Boletim [“A Paz pela transformação do homem”, Boletim da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, nº 7, Julho, 1950]. 

A seguir ao fim da Guerra, em Novembro de 1945, foi signatária de um manifesto de intelectuais em que se protestava contra «as limitações de toda a espécie» de que a sua actividade era objecto [Mário Matos e Lemos, Candidatos da Oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973). Um Dicionário, Texto Editores, 2009].

Em 1957, com a médica Cesina Bermudes e a escritora Natália Correia, fez parte da Comissão Cívica Eleitoral de Lisboa, que procurava dar enquadramento legal à oposição nas eleições que se avizinhavam. Aquela Comissão organizou, a 4 de Janeiro de 1958, um jantar de homenagem a Lília da Fonseca, a que compareceram cerca de 120 pessoas, entre as quais Cesina Bermudes, e durante o qual se procurou acordar numa estratégia comum para a escolha de um candidato presidencial de toda a oposição, tendo a escritora integrado, posteriormente, a Comissão Central da Candidatura de Arlindo Vicente [José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política – O Prisioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, 2005].

Em 21 de Abril de 1960, proferiu uma conferência na Casa dos Estudantes do Império intitulada "O jornalismo em Angola", tendo já em 1948 estado associada ao Movimento dos Novos Intelectuais de Angola [MNIA], que tinha como lema "Vamos descobrir Angola", onde trabalhou ao lado de outros poetas e escritores, nomeadamente Cochat Osório.

Em 1969, participou no grupo restrito de dez  mulheres que formaram a Comissão Democrática Eleitoral de Mulheres e fez parte da Comissão Distrital da CDE de Lisboa. 

A partir de 1977, e até ao seu falecimento, integrou o Conselho Nacional do Movimento Democrático de Mulheres.

Faleceu em Alverca do Ribatejo, com 85 anos de idade, deixando “um conjunto de 23 obras” inéditas. 

Hortense de Almeida testemunha o que foi a sua vivência em texto publicado na revista Faces de Eva [Hortense de Almeida, “Pioneiras - Lília da Fonseca”, Faces  de Eva. Estudos sobre a Mulher, nº 9, 2003, pp. 167-174, 2003]. 

[João Esteves]

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