[Cipriano Dourado]

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[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

terça-feira, 13 de abril de 2021

[2569.] AS EXPRESSÕES DO INFORMADOR INÁCIO || TEXTO DE PAULO MARQUES DA SILVA [IV]

 * AS EXPRESSÕES DO INFORMADOR INÁCIO *

Texto || Paulo Marques da Silva

«As expressões do informador Inácio

     Inácio não hesitava nos seus relatórios em diminuir, depreciar ou desprezar os elementos ligados à oposição, especialmente os de mais baixa condição social, manifestando um forte sentimento de repulsa, visível nos comentários pejorativos, e até ofensivos, que vertia para os mesmos relatórios. Expressões como “ralé”, “escumalha”, “camarilha”, “vadios”, “gente reles e ordinária”, que “vomitavam o seu ódio”, que “expeliam veneno”, “cheios de raiva”, entre outras, são relativamente comuns. O que é interessante verificar é que a aversão por estas pessoas toma tais proporções, que ele desenvolve também diversas críticas aos diferentes representantes da autoridade, quando entende que estes actuam com demasiada permissividade em relação aos primeiros. E, assim, podemos encontrar nos relatórios de Inácio criticas à PSP, à GNR, ao Governador Civil, ao Reitor da Universidade, à União Nacional, entre outros. E, muitas vezes, ao criticar algum laxismo das forças locais ligadas ao regime, o informador, na tentativa de incutir ênfase a essa mesma crítica e procurar demonstrar o grande contraste que existia em relação aos adversários da situação, acaba por enaltecer o trabalho da organização da oposição, o que não deixa de ser paradoxal.
     Já fiz algumas destas referências no meu trabalho sobre este informador quando, por exemplo, em 1948, nas vésperas das eleições presidenciais, Inácio criticava a má organização e o débil trabalho da União Nacional no distrito de Coimbra, em comparação com a oposição, ao afirmar que os “mudistas e comunistas” eram “muito mais trabalhadores” e “ardentes na luta”, asseverando mesmo que nada os detinha. Já os nacionalistas da U.N. demonstravam “um comodismo pasmoso” e que não estavam “para se incomodar”. 
     Em outra ocasião, a propósito das comemorações do 31 de Janeiro, em Coimbra, no ano de 1946, e devido a alguns incidentes ocorridos, houve necessidade da intervenção da PSP e da GNR, mas, segundo Inácio, fora uma intervenção “bem fraca”, concluindo que, pelo facto de não terem sido efectuadas prisões, “os homens do MUD e os comunistas” apregoavam que tal não tinha acontecido em virtude da “fraqueza do Governo”, que se via “num beco sem saída” e até “sem prestígio”.
     Vejamos agora um outro exemplo visando, desta vez, a preocupação do informador quanto ao crescimento da influência da oposição em Coimbra. Num relatório, datado de Março de 1947, referente a um almoço de homenagem ao professor Paulo Quintela, realizado no Hotel Avenida, devido a este ter obtido o grau de Doutor, e que contou com a presença dos “comunistas” Carlos de Oliveira, Almeida e Costa, Salgado Zenha, Fernando Valle, Adolfo Rocha, Manuel Deniz Jacinto, António Sousa, João Farinha, António Soares, José Teixeira Vale, Guilherme de Oliveira, Manuel Melo, Joaquim Namorado e António Ferrer, assistindo ainda os “mudistas” Manuel Leite da Silva, Anselmo Ferraz de Carvalho, Eduardo Correia e Frederico de Moura, Inácio potenciava a dinâmica e o desenvolvimento da oposição em Coimbra e afirmava que estes elementos tinham feito ao “camarada” Paulo Quintela o que nunca se fizera naquela cidade em qualquer doutoramento, rematando:


     Venho afirmar que basta só a cidade de Coimbra para bolchevizar o país inteiro. As liberdades comunistas nesta cidade estão a tomar foros de uma capital importância e com um alastramento fantástico.
 
     Uma outra situação bastante interessante (e porque não dizer, algo cómica) prende-se com alguns casos em que os representantes locais do regime se deixavam “enredar” em algumas manobras da oposição, como referia Inácio.
     O cenário é um jantar de homenagem ao jornalista do Século, Sertório Fragoso, em Coimbra, realizado em Junho de 1968, onde estiveram presentes Presidentes de Câmara, alguns Deputados e o Governador Civil substituto, Dr. Carlos Costa, bem como muitos elementos da oposição ao regime, incluindo o próprio jornalista, segundo Inácio, que como tal sempre assim o rotulara. Quando os discursos ao homenageado se iniciaram, também por parte de vários oposicionistas bem conhecidos, como Alfredo Fernandes Martins ou Rui Clímaco, relevando nas suas palavras a inteireza de carácter do jornalista, e que este se mantivera “sempre fiel ao seu pensar”, sendo então entusiasticamente aplaudidos, ou “estrondosamente aplaudidos”, como referia o informador, rapidamente o ambiente se tornava «obscuro» para os nacionalistas presentes. Inácio sintetizava assim o discurso de Rui Clímaco:

 
     Quando este comunista falava, o Governador Civil não olhava, de cabeça baixa e apoiada a uma das mãos, parecia desmoralizado.

     E concluía:

     Foi uma verdadeira parada de elementos da oposição e comunistas em grande regozijo e apoiados pelos homens que se dizem do Estado Novo.
     […] Verifiquei que mais uma vez os elementos do Estado Novo, se é que os havia, fizeram figura ridícula ao aplaudir os seus adversários
 
[Documento do arquivo da PIDE/DGS, processo Del. C. n.º 1826, de Francisco Brito Amaral].

[Paulo Marques da Silva]

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