[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

[2939.] GRÉMIO HUMANIDADE || SESSÃO DE PROPAGANDA - 11/03/1909

 * GRÉMIO HUMANIDADE *

"Uma interessante festa feminista na Caixa Económica Operária"

O Mundo || 12/03/1909

Em 11 de Março de 1909, realizou-se, na Caixa Económica Operária, uma sessão de propaganda organizada pelo Grémio Humanidade. Foi presidida por Maria Clara Correia Alves, secretariada por Ana Gonçalves Dias e Judite Pontes Rodrigues, sendo oradores Ana de Castro Osório, Lucinda Tavares, Fernão Botto Machado e António José de Almeida.

«Livre pensamento - Uma interessante festa feminista na Caixa Económica Operária

O Grémio Humanidade, composto de alguns dos primeiros elementos do nosso país, realizou ontem na vasta sala da Caixa Económica Operária, uma sessão de propaganda anti-reaccionária, comemorando a data em que foi lida a sentença condenando à morte o célebre poeta português António José da Silva, o Judeu. Foi na verdade uma sessão imponentíssima a que concorreram muitos centenares de pessoas. Às 8 horas da noite já a vasta sala da simpática instituição operária estava completamente cheia, bem como a galeria. Muitas senhoras e crianças davam um aspecto encantador à sessão, onde vibrava um sentimento unânime de liberdade. Pelo entusiasmo e pela fé, era bem uma festa de livres pensadores.

A sessão

Nove horas da noite. A ilustre escritora sr.ª D. Ana de Castro Osório abre a sessão, convidando para presidir a sr.ª D. Maria Correia Clara Alves, na ausência, por motivo de doença, da sr.ª D. Maria Veleda e para secretária D. Ana Gonçalves Dias e D. Judith Pontes Rodrigues. A Tuna Fernão Botto Machado, entoa a Internacional acompanhada por gentilíssimas crianças, alunas da Escola do Centro Fernão Botto Machado, que estão acompanhadas pela sua distinta professora sr.ª D. Lucinda Tavares. Este número provocou grande entusiasmo e a assembleia, de pé saúda a Tuna e os pequenos acompanhantes que, com a sua infância, dão um especial encanto àquela festa de liberais. A seguir o presidente explica os fins da sessão; comemorava o 170º aniversário da data em que foi proferida a sentença contra o desditoso António José da Silva, o Judeu. Depois refere-se à falta dos livres pensadores contra o clericalismo. À falta de Instrução atribui o que se julga ser a necessidade de existirem senhores e escravos.

Só por isso se acreditou a existência de um Deus a que se atribuíam as maiores atrocidades. Hoje, as ninharias religiosas tendem a desaparecer. Estamos ainda longe de um ideal desejado, mas vamos caminhando. Descreve a evolução humana, desde o tempo apagado das velhas civilizações até hoje em que já floresce um grande princípio de solidariedade. Entretanto, para que a vitória seja completa é necessário que se faça a educação, de forma a cada indivíduo representar uma consciência. É preciso, por igual, que se estabeleça a autonomia do ser humano, opondo às escolas reaccionárias as escolas liberais, criando uma geração heróica capaz de combater pela nova era!

Em seguida, o sr. Alfredo Ventura, representante do Grupo 19 de Julho, profere algumas palavras de saudação à festa e recorda a necessidade de auxiliar os intrépidos grevistas de Cacilhas, em luta com a exploração capitalista. (Os alunos do Centro Botto Machado entoam, nesta altura, a «Sementeira», sendo muito aplaudidos). Seguidamente, representa-se o diálogo em verso da sr.ª D. Maria Veleda, Caridade e Altruísmo, pela menina Lídia de Oliveira e os meninos Carlos dos Santos Couto e Cândido Xavier da Franca. O entusiasmo é grande, sendo o diálogo repetido no meio de delirantes aplausos. Recebida com uma grande ovação, usa em seguida da palavra a sr.ª D. Ana de Castro Osório. A brilhante escritora, que é a mais ilustre interprete do feminismo democrático em Portugal, faz uma eloquente apologia da solidariedade humana, combatendo a reacção religiosa que procura impor-se na terra portuguesa. Reclama o registo civil, com serenidade, mas com firmeza, porque essa reivindicação é uma necessidade urgente do nosso meio. A religião nada tem com a vida civil e daí a necessidade do registo civil obrigatório. A sr.ª D. Ana de Castro Osório prossegue o seu discurso, escutado atentamente, analisando a obra nefasta da Companhia de Jesus, estudando-lhe as intenções e incitando todos os liberais presentes a que pugnassem pelas regalias do Direito civil. Muitos aplausos cobrem as palavras da distinta senhora que com o seu talento e o seu carácter tanto tem pugnado pela emancipação do espírito humano.

É dada a palavra ao nosso correligionário e amigo sr. Botto Machado. Acolhem-no muitos aplausos. Vai tratar do livre pensamento. Fala da missão da mulher democrática, comparando-a com a da mulher canastra, que aproveita o lençol do reizinho e a água de Colónia que lavou o pé do Senhor dos Passos. A mulher de hoje já não é egoísta, limitando a sua actividade ao lar; integra-se na sociedade e trabalha pelo bem estar colectivo. As senhoras que organizaram a festa voltaram-se para os filhos do povo e dão-lhes a sua solidariedade na expressão mais alta e mais bela. Em frases entusiásticas faz a apologia do Ideal – o novo Deus que arrasta o povo ao caminho do Futuro, o grande percursor da humanidade através a história. Termina descrevendo o princípio da solidariedade, único que resolverá a questão económica que domina o nosso tempo. Consagra-se à solidariedade expontânea e livre que nasce da nossa alma com eflúvios de ternura. (Grandes aplausos).

A sr.ª D. Filipa de Oliveira diz a seguir primorosamente a poesia de Guerra Junqueiro – Como se faz um monstro. É aplaudidíssima. A sr.ª D. Lucinda Tavares vai usar da palavra e a assembleia recebe-a com grande entusiasmo. Estuda a situação da mulher, afirmando que a sua emancipação deve ser ao mesmo tempo económica, política e moral. Combate a educação religiosa e burguesa, dizendo ser necessário substitui-la pela educação integral. Em seguida fala o nosso ilustre correligionário sr. dr. 

António José de Almeida

[...]

O dr. António José de Almeida, numa rajada oratória, termina dizendo que é preciso responder ao ferro com o ferro e ao fogo com o fogo, dispensando-lhe a assembleia uma grande manifestação, que se prolonga por muito tempo.

Os pequenitos que rodeiam a mesa acompanham a tuna na execução da Marselhesa e da Internacional. A seguir, a sr.ª D. Maria Clara Alves agradece à direcção da Caixa Económica a cedência da sala e aos oradores a sua comparência, e encerra a sessão com palavras de incitamento, para que todos trabalhem pela causa da liberdade e da justiça, que a todos reuniu. Dissolve-se, então, a assembleia, com grande entusiasmo, enquanto a tuna executa mais uma vez a Marselhesa.»

[O Mundo, 12/3/1909]

[O Mundo || 12/03/1909]

[João Esteves]

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