[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sexta-feira, 25 de julho de 2014

[0716.] MANUELA CÂNCIO REIS [I] || 1910 - 2011

* MANUELA CÂNCIO REIS *
[02/01/1910 - 08/12/2011]
[1931 - Pormenor]
Compositora, musicóloga e maestrina.

O pai, Francisco Filipe dos Reis, republicano que chegou a estar preso durante a Monarquia, era chefe dos escritórios da fábrica Cimento Tejo, em Alhandra, e teve considerável intervenção cultural na terra através dos espectáculos teatrais e de variedades que organizava, para além de ensaiador, dramaturgo, poeta e compositor. Foi o responsável pela conclusão da construção do Teatro de Alhandra, inaugurado em 1905, apenas cinco anos decorridos sobre a chegada à vila, e influenciou o percurso artístico da filha, que estudou em Lisboa e, depois, com professores particulares, tendo ainda aprendido piano e composição musical.

Manuela Câncio Reis casou a 25 de Maio de 1931, aos 21 anos, com Joaquim Soeiro Pereira Gomes [14/04/1909 - 05/12/1949], colega mais velho do irmão no curso de regente agrícola da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra.

O enlace realizou-se nesta cidade, na Igreja da Conceição, e fixaram-se em Alhandra, por Soeiro Pereira Gomes passar a trabalhar como empregado de escritório na Fábrica de Cimentos Tejo.
 
[1931 - Manuela Câncio e Soeiro Pereira Gomes]
O marido, militante do Partido Comunista, teve de passar repentinamente à clandestinidade em 11 de Maio de 1944, na sequência do papel desempenhado nas greves de 8 e 9 do mesmo mês, no Ribatejo.

Manuela Câncio chegou a ser detida, como refém, e mantida na esquadra da polícia do Alto de S. João, episódio descrito no seu livro Eles vieram de madrugada [1981]. Apesar dessa prisão, nunca lhe foi aberto qualquer processo relacionado com a detenção ou sujeita a julgamento.

A partir do momento em que o marido entrou na clandestinidade, a vida de Manuela Câncio sofreu transformações profundas e dramáticas. Partiu para Lisboa, onde passou a trabalhar como secretária na empresa Campos Ferreira, exportador de vinhos, e a viver em pensões, não deixando de ajudar os pais.

Foram tempos difíceis e de dificuldades económicas, recebendo notícias espaçadas do marido através de Virgílio Barroso, irmão de Maria de Jesus Simões Barroso [n. 02/05/1925], matemático que assegurava a ligação entre ambos.

Durante esses cinco anos, até ao falecimento do marido, vítima de um cancro nos pulmões, tiveram apenas breves encontros.

No primeiro livro memorialista, Eles vieram de madrugada – cartas para a clandestinidade a Soeiro Pereira Gomes, de 1981, evoca momentos decisivos do marido, temática recuperada em A Passagem, uma biografia de Soeiro Pereira Gomes, datada de 2007, quando já tinha 97 anos de idade e com Introdução de Isabel Câncio Reis Nunes, sua sobrinha, que refere no início que «Esta é uma história de amor. A história de amor de um homem e de uma mulher, a história de amor de um homem pela terra e pelo Homem» [p. 9].

Após a sua morte, viria a casar, por pouco tempo, com Virgílio Barroso, sendo ajudada no divórcio deste segundo enlace pelo advogado Avelino Cunhal [28/10/1887 - 19/12/1966], pai de Álvaro Cunhal [10/11/1913 - 13/06/2005].

Se a sua vida tem sido retratada em função do percurso de militante e de escritor de Soeiro Pereira Gomes, é de salientar a importância que Manuela Câncio teve no panorama cultural e artístico de Alhandra, com projecção na capital, nomeadamente enquanto autora de várias composições – Fiandeira, Bexigueiros, Noite de Luar, Rapazes dos Telhais (marcha), Cantigas ao S. João (vira), Fado do Zé Miúdo, Ceifeiras –, algumas com letra do marido.

Musicou revistas regionais, escreveu e musicou, com Soeiro Pereira Gomes, a revista Sonho ao Luar, estreada, em 1937, no Teatro Salvador Marques e representada no Éden-Teatro, e regeu um agrupamento musical feminino orfeónico na Emissora Nacional.


Viveu os últimos anos numa casa de repouso na Parede.

Antónia Balsinha incluiu o seu nome no estudo pioneiro que fez sobre o papel das mulheres de Alhandra na resistência ao fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado em Agosto de 2001.

Faleceu a 8 de Dezembro de 2011, a menos de um mês de completar 102 anos.

Feminae. Dicionário Contemporâneo, editado pela CIG em 2013, incluiu a sua biografia.

[João Esteves]

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