[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 16 de fevereiro de 2020

[2285.] JOAQUIM LEMOS DE OLIVEIRA - "O REPAS" [I] || ASSASSINADO PELA PIDE EM FEVEREIRO DE 1957

* JOAQUIM LEMOS DE OLIVEIRA - "O REPAS" *
[21/05/1908 - 14-15/02/1957]

O percurso político do barbeiro Joaquim Lemos de Oliveira começou muito cedo, tendo aderido às Juventudes Comunistas ainda durante a 1.ª República, em 1922, com 14 ou 15 anos. Com a Ditadura instituída em 28 de Maio de 1926 e a sua rápida fascização, tornou-se num dos primeiros presos políticos de Fafe. A continua militância no Partido Comunista levou-o a ser preso por cinco vezes entre 1936 e 1957, tendo aparecido morto numa das celas da Subdirectoria do Porto da PIDE aquando da última detenção, após vários dias de tortura da estátua e bárbaros espancamentos. 

[Joaquim Lemos de Oliveira quando jovem || in Artur Ferreira Coimbra, Desafectos ao Estado Novo - Episódios da Resistência ao Fascismo em Fafe, Junta de Freguesia de Fafe, 2003]

Filho de Emília de Lemos e de Joaquim de Oliveira, Joaquim Lemos de Oliveira nasceu no lugar de Fafoa, freguesia de Fafe, em nasceu em 21 de Maio de 1908.

Feita a 4.ª classe, começou a trabalhar e, com treze anos, aprendeu o ofício de barbeiro. Segundo João Freitas, autor da biografia romanceada A noite fatal de um comunista [2010], foi-se politizando mediante as conversas com os clientes, lendo, ainda, jornais e panfletos comunistas Em 1922, ter-se-à filiado nas Juventudes Comunistas, tornando-se um militante activo até à sua morte. 

[João Freitas || A noite fatal de um comunista || 2010]

Com o triunfo da Ditadura Militar e o fascismo vieram as perseguições e as constantes fugas, sendo apelidado pela PVDE por A Truta”, «por causa da facilidade como lhes escapava» [Blogue Sala de Visitas do Minho, de Artur Coimbra].

Conhecido no meio fafense por "O Repas", foi preso, juntamente com Egídio Gonçalves e mais algumas dezenas de antifascista, em 17 de Outubro de 1936, acusado de "propaganda subversiva", e condenado a 20 meses de prisão. Segundo declarações daquele a Artur Ferreira Coimbra, inseridas no livro Desafectos ao Estado Novo - Episódios da Resistência ao Fascismo em Fafe, Joaquim Lemos de Oliveira seria agredido violentamente numa noite de 1937, por motivos fúteis, pelo agente Roquete, antigo guarda-redes da selecção portuguesa, o mesmo que espancaria, nos anos 40, Cândido de Oliveira.

[Artur Ferreira Coimbra || Desafectos ao Estado Novo - Episódios da Resistência ao Fascismo em Fafe || 2003]

Novamente preso em 24 de Novembro de 1949, por ter um mandado de captura por "crime contra a segurança do Estado" emitido pelo Tribunal Criminal do Porto, e entregue pela GNR de Felgueiras à Subdirectoria do Porto da PIDE [Processo 1004/948].

Libertado em 25 de Fevereiro de 1950, foi preso em Fafe dias depois, em 4 de Março, "para averiguações", levado para o Porto e solto no dia 16 [Processo 155/50].

[Joaquim Lemos de Oliveira || ANTT || RGP/19520 || PT-TT-PIDE-E-010-98-19520]

Preso, pela quarta vez em 15 de Agosto de 1951, terá ficado dois anos nos calabouços da PIDE no Porto, seguindo, depois, em 16 de Junho de 1953, para Peniche, para cumprir um ano de medida de segurança.

Libertado em 16 de Junho de 1954, retomou a militância no Partido Comunista e seria preso pela derradeira vez em 29 de Janeiro de 1957, pela PSP de Fafe, e levado para as prisões privativas da PIDE no Porto. 

[Joaquim Lemos de Oliveira || 30/01/1957 || ANTT || RGP/19520 || PT-TT-PIDE-E-010-98-19520]

Joaquim Lemos de Oliveira faleceu, em 14 ou 15 de Fevereiro de 1957, numa das celas da Subdirectoria da PIDE no Porto. Segundo declarações de Luís Nogueira, outro militante comunista com diversas prisões, transcritas por Lino Lima no livro Romanceiro do Povo Miúdo - Memórias e confissões [Edições Avante!, 1991], «eu e o Mário de Araújo Lopes estávamos por baixo da cela onde o camarada se encontrava e tínhamos ouvido o agente da PIDE dizer para o guarda Moreira, quando vinha trazer o Repas do interrogatório: "guarde para aí esse pássaro que anda mesmo a morrer e nunca mais morre"». Tinha sido submetido à tortura da estátua durante nove dias e vergastado a cavalo marinho, pontapeado e socado, nomeadamente pelo subdirector Costa Pereira.

Por sua vez, Victor de Sá contou que, quando detido em 1960, «um guarda prisional lhe disse que os agentes da PIDE, quando foram tirar do quarto o cadáver do Lemos de Oliveira, o arrastaram pelas escadas abaixo sem nenhum respeito, sem nenhuma sensibilidade» [José Ricardo/Lino Lima, Romanceiro do Povo Miúdo - Memórias e confissões, Edições Avante!, 1991]. 

Quando no caixão, a mulher e os filhos puderam ver que «tinha ferimentos na cabeça e equimoses no corpo», tendo a PIDE procurado que o funeral fosse feito em Fafe tarde e às escondidas. Este, realizado no dia 19 de Fevereiro, constituiu «um momento importante de protesto e de revolta contra a PIDE e a GNR que vigiaram com mão de ferro as cerimónias» [Artur Ferreira Coimbra].

A morte, aos 48 anos, de Joaquim Lemos de Oliveira suscitou diversos protestos e teve repercussão em diversos meios.

Presos no Porto, Agostinho Neto, Ângelo Veloso, António Borges CoelhoCecília Alves, Hermínio Marvão, Hernâni Silva, Pedro Ramos de Almeida e Virgínia Moura subscreveram uma petição dirigida ao Presidente da República, para que «Seja feito um rigoroso inquérito, dirigido por uma entidade estranha à PIDE sobre as circunstâncias em que se deram as mortes de Joaquim Lemos de Oliveira e Manuel da Silva Júnior [o nome correcto é Manuel Fiúza Júnior], extensivo aos métodos usados para investigações nesta Polícia Internacional e de Defesa do Estado; Nesse inquérito possam depor livremente todas as pessoas actualmente presas e aquelas que já o estiveram; A nossa situação prisional passe a deixar de ser dependente da PIDE e não mais se verifique a circunstância de investigadores serem simultaneamente carcereiros» [Blogue O Castendo, de António Vilarigues].

Também doze advogados dirigiram, sem sucesso, uma exposição ao Ministro da Presidência, «exigindo um amplo e rigoroso inquérito das causas da morte do Repas e de um outro preso a seguir assassinado, Manuel Silva Júnior, de Viana do Castelo» [Artur Ferreira Coimbra].

Papiniano Carlos dedicou-lhe o poema seguinte: 

Glória a Joaquim Lemos de Oliveira

Em Fafe
O cemitério
ficava entre campos lavrados
a meio da colina.

Aí iria descansar o herói anónimo
de sua tarefa, sofrimento e morte.
Sentindo bem junto à violada face
a carícia das madrugadas.
O sorriso das espigas,
a frescura do orvalho de manso
gotejando entre as raízes
de seu coração.

Entre alas de povo
o caixão atravessava lentamente
o pequeno cemitério.
Entre dezenas de polícias armados
de metralhadoras
Joaquim Lemos de Oliveira
ia agora descansar no seu coval.
Foi quando, no silêncio da colina,
a voz dum menino atravessou os ares,
atravessou o fogo, o chumbo, a violência,
o terror, a morte.
O menino gritava:
- Eu vou crescer, vencer contigo, meu pai!
 
[in Blogue Sala de Visitas do Minho, de Artur Coimbra]

Entretanto, a PIDE prendeu e assassinou, nas mesmas instalações prisionais, o velho militante anarquista Manuel  Fiúza Júnior [1887-1957], frequentemente referido como Manuel Silva Júnior, acusando-o de ser o responsável pela autoria e distribuição, em Viana do Castelo, de um manifesto onde se denunciava o sucedido com Joaquim Lemos de Oliveira. Também Manuel Fiúza foi torturado e submetido à Estátua. 

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Presos 19520 [Joaquim Lemos de Oliveira / PT-TT-PIDE-E-010-98-19520].

Artur Ferreira Coimbra, Desafectos ao Estado Novo - Episódios da Resistência ao Fascismo em Fafe, Junta de Freguesia de Fafe, 2003.

João Freitas, A noite fatal de um comunista, 2010.

Blogue Sala de Visitas do Minho, de Artur Coimbra.

Blogue O Castendo, de António Vilarigues.

[João Esteves]

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