[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

[2194.] ARTUR PEREIRA DAS NEVES [I] || PRESO POLÍTICO (1967 - 1970)

* ARTUR PEREIRA DAS NEVES *
[n. 27/12/1929]

Este esboço biográfico de Artur Pereira Neves só se tornou possível a partir do livro de José António Cabrita A PIDE em Pinhal Novo. Para que a memória não esmoreça [Câmara Municipal de Palmela, 2017], sendo que todos os dados apresentados e documentação referida têm por suporte aquela obra.

[Artur Pereira das Neves || 24/05/1967 || ANTT || RGP/27769 || in José António Cabrita, A PIDE em Pinhal Novo]

Filho de Cláudia da Piedade Varino e de José das Neves Barateiro, Artur Pereira das Neves nasceu na Batalha em 27 de Dezembro de 1929.

Serralheiro mecânico e exímio jogador de xadrez, vivia em Pinhal Novo com a operária têxtil Maria da Graça Sousa Neves, ambos militantes do Partido Comunista: "tinham uma actividade política muito intensa", organizando, por exemplo, piqueniques nos pinhais próximos que "mais não eram do que reuniões com um cunho marcadamente político" [p. 120].

Com 37 anos, em 24 de Maio de 1967, pelas oito horas da manhã, foi preso na Cometna, em Palmela, quando estava a iniciar o trabalho, ao mesmo tempo que outra brigada da PIDE entrava na sua residência em Pinhal Novo, onde se encontrava a mulher que, por mera coincidência, fazia anos, levando "um volumoso escrito que Artur vinha laboriosamente compondo sobre a situação política em Portugal" [p. 121] e nunca recuperado, apesar das diligências efectuadas após 1974.

Encaminhado, primeiro, para Setúbal, seguiu, depois, para Caxias, aonde o iam buscar para os interrogatórios e torturas na António Maria Cardoso. 

[Câmara Municipal de Palmela || 2017]

Dias depois da prisão, a sua mulher organizou um documento em abono do companheiro e reclamando a sua libertação, contendo o abaixo-assinado um total de 86 assinaturas, entre as quais as de 24 mulheres. Nessa recolha, participou activamente o filho, então com doze anos e estudante da Escola Comercial e Industrial de Setúbal, onde era aluno de excelência, assim continuando apesar da situação criada quanto às dificuldades económicas e emocionais. Em 6 de Junho, treze dias decorridos sobre a detenção do marido, endereçou-o ao director da PIDE por correio. 

Maria da Graça Sousa Neves não se ficou por aquela missiva e enviou uma carta ao director da PIDE protestando contra a prisão do marido que "há dois meses me foi levado do lar" sem que "ninguém lhe tivesse explicado as razões", expressando "a sua grande preocupação pelo aspecto cadavérico que Artur mostrava, em consequência dos maus-tratos que lhe estavam a ser infligidos, assim como se insurgia contra o corte de visitas que a PIDE tinha imposto". Por fim, solicitava "uma audiência ao director da PIDE, para, de viva voz, lhe poder expressar o seu descontentamento" [p. 124].

[Câmara Municipal de Palmela || 2017]

Preso em Caxias, foi duramente torturado, física e psicologicamente, na António Maria Cardoso: socos, pontapés, agressões com objectos vários, pistolas encostadas à cabeça e submetido, numa das vezes, à  tortura da estátua durante treze dias e treze noites, recusando, quase sempre, a responder a perguntas ou a assinar qualquer auto [p. 125].

Já quando tinha sido preso recusara olhar a objectiva da máquina fotográfica dos carcereiros, aparecendo de olhos cerrados aquando do acto de tirar as fotografias que constam do Registo Geral de Presos, sendo visível uma mão a segurar-lhe a cabeça.

[Artur Pereira das Neves || 24/05/1967 || ANTT || RGP/27769 || in José António Cabrita, A PIDE em Pinhal Novo]

Apesar do seu mutismo, a PIDE tinha um extenso relatório sobre as suas actividades, considerando que entrara para o Partido Comunista em 1958, quando trabalhava nos estaleiros da CUF, na Rocha do Conde de Óbidos, estando ligado, inicialmente, a Firmino João Martins [n. 29/05/1925], preso em Abril de 1963 e condenado a 24 meses de prisão correccional.

Dessas informações, constava que usara o pseudónimo de Alberto, organizara uma célula naqueles estaleiros e distribuíra panfletos e outra imprensa clandestina. Em meados de 1962, fora enviado para a União Soviética, tendo saído clandestinamente do país, aí permanecendo dez meses para frequentar a Escola Central do PCUS com o apelido Torres.

Regressado em Junho de 1963, não voltou ao trabalho que tinha, passando para a Sorefame e, depois, para a Cometna, onde ingressou em 1965 e terá formado uma célula, vivendo numa semi-clandestinidade. A sua residência em Pinhal Novo teria, então, servido de ponto de apoio do Partido Comunista.

Também foi acusado de formar uma célula em Pinhal Novo, o que levaria à prisão de cinco pessoas sem qualquer outra prova além de conhecerem Artur Neves.

Julgado em 19 de Fevereiro de 1968, foi condenado a 2 anos e 10 meses de prisão maior, 15 anos de suspensão de direitos políticos e aplicação de medidas de segurança de internamento de 6 meses a três anos, prorrogável.

Perante o Tribunal Plenário, Artur Pereira das Neves afirmou que a polícia o "havia torturado com o fim de o obrigar a assinar autos por ela forjados ao que ele se opôs" e, por isso, "recorreu a outro estratagema: prender pessoas suas amigas e obrigá-las à confissão de factos, por meio de torturas, que o incriminassem a ele. Que essas pessoas em breve ali iriam responder e que para elas pedia o perdão do Tribunal visto serem falsos os seus depoimentos" [p. 136].

Entrou no Forte de Peniche em 9 de Março, de onde só saiu em liberdade condicional em 21 de Dezembro de 1970. A definitiva só chegaria em 14 de Novembro de 1972.

Artur Pereira das Neves voltou, então, à acção política, mantendo a militância enquanto pôde ser activo. Como não foi reintegrado na Cometna, conseguiu colocação na Mague, em Alverca onde, depois de algum tempo, passou a viver com a família.

Fonte:
José António Cabrita, A PIDE em Pinhal Novo. Para que a memória não esmoreça, Câmara Municipal de Palmela, 2017, pp. 119-136.

[João Esteves]

1 comentário:

Luis Filipe Gomes disse...

Atrás da cabeça de Artur Pereira das Neves, aquele braço negro de punho branco é dos pormenores mais sinistros que me foi dado ver.