[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

segunda-feira, 8 de março de 2021

[2519.] MARIANA DA ASSUNÇÃO DA SILVA [III] || 1867 - 1950

 * MARIANA DA ASSUNÇÃO DA SILVA *

[1867 - 1950]

[Fotografia oferecida a Maria Veleda, tendo a data de 27/10/1912]

Quatro décadas em defesa dos direitos das mulheres: 1908 - 1947

Muitas são as vivências que o tempo se tem encarregado de fazer cair no olvido e muitos os nomes para quem a memória histórica tem sido cruel.

Embora não tenha sido uma líder, nem se evidenciou pela palavra escrita, Mariana da Assunção da Silva foi, no entanto, companheira de luta(s) das principais dirigentes feministas e republicanas da 1.ª metade do século XX, sendo alguns anos mais velha do que elas, e o seu nome é indissociável do activismo militante durante décadas nas duas principais organizações – Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas –, atravessando quatro regimes – Monarquia, República, Ditadura Militar e o Estado Novo fascista.

Apesar dessa ininterrupta militância, a imprensa contemporânea dedicou-lhe parcas linhas e limitou-se a citar, por vezes, o nome, a historiografia ignorou-a e, como os holofotes nunca recaíram sobre ela, são escassos os dados biográficos disponíveis referentes ao seu percurso pessoal e profissional. 

Nasceu em Vila Franca de Xira e foi educanda do Asilo de S. João – a mesma instituição a que a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas decidira, estatuariamente, doar todos os haveres em caso de extinção –, de onde saíra com o curso de professora, “profissão que exerceu com elevado critério e proficiência”, segundo a notícia necrológica publicada aquando do falecimento pelo Jornal - Magazine da Mulher, acompanhada de uma diminuta fotografia.   

Já o percurso militante é facilmente reconstituível mediante a consulta da imprensa associativa e de jornais coevos.
 
Ultrapassara os 40 anos de idade quando aderiu à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, onde sobressaiu durante dez anos e permaneceu até à sua extinção, em 1919, enfileirando, depois, no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde assumiu responsabilidades diretivas durante anos consecutivos, merecendo, assim, a confiança e o reconhecimento de quantas com ela colaboraram. Entretanto, em 1916, foi iniciada na Maçonaria com o nome simbólico de Mariana de Lencastre e integrou as Lojas Carolina Ângelo do Grande Oriente Lusitano Unido e Humanidade do Direito Humano. 

Sócia n.º 467 da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, Mariana da Assunção da Silva integrou o restrito núcleo de sócias que permaneceu na organização durante a sua existência, sendo, por isso, inúmeras as atividades a que esteve associada: participou na jornada anticlerical de 1 e 2 de agosto de 1909, promovida pela Junta Liberal, onde se reclamava a execução das leis do Marquês de Pombal, de Joaquim António de Aguiar, de José da Silva Carvalho e de Anselmo Braamcamp Freire e que se promulgassem a lei do divórcio e a do registo civil obrigatório; integrou comissões e delegações; pronunciou-se amiudadamente sobre os destinos da organização, discordando, com frequência, de posições das principais dirigentes, nomeadamente sobre a manutenção da revista A Mulher e a Criança, considerando que a publicação despendia demasiado dinheiro dos cofres da Liga, que a subsidiava parcialmente; discursou em reuniões e sessões de propaganda; interveio na primeira revisão dos Estatutos; fez parte da direção da Obra Maternal (1910,1911, 1913,1914); pertenceu ao Grupo das Treze, constituído em 1911; e foi eleita, entre 1910 e 1918, para cargos no Conselho Fiscal, Mesa da Assembleia-Geral e Direção, tendo sido a militante que mais vezes exerceu funções nos respetivos Corpos Gerentes. 

No mesmo mês da implantação da República, numa das mais concorridas reuniões, opôs-se à hipótese de dissolução da agremiação, “porque sob a capa de republicano de última hora anda muito reacionário que bem desejaria estrangular a nossa jovem e querida República. Além disso a oradora diz que a mulher tem não só de afervorar na alma dos filhos o ideal da liberdade, igualdade e fraternidade como de pugnar pelos seus próprios direitos, visto não ser na sociedade portuguesa senão uma menor, uma pobre tutelada. A assembleia fez-lhe uma carinhosíssima ovação”. 

Trabalhou sob diferentes direções, sobreviveu às várias cisões que a afetaram posteriormente e, numa época em que a vida pública era vedada à esmagadora maioria das mulheres, talvez por ser solteira, o que lhe conferia maior liberdade quanto às opções, não se coibiu de marcar presença em centenas de atos da Liga, intensificando a atividade nos meses subsequentes à revolução.

Embora nem sempre tenha estado de acordo com a reivindicação do sufrágio feminino restrito, contestando-a na decisiva assembleia-geral de 26 de outubro de 1910, propôs, em Julho de 1911, que se pressionasse nesse sentido a Assembleia Nacional Constituinte e assinou, em 1918, a última representação da Liga endossada a Sidónio Pais, centrada na questão do voto das mulheres (19/06/1918). 

Nesta, subscrita igualmente por Angélica Viana Porto e Filipa de Vilhena e Oliveira, reivindicava-se que a Constituição contemplasse o voto de “toda a mulher nascida no território nacional, maior de 25 anos, de reputação ilibada, que saiba ler, ou que, tendo mais de 21, nas mesmas condições, possua qualquer dos cursos secundário ou superior”; e de toda a mulher que, “também de maior idade pelo Código Civil e no pleno uso dos direitos que este lhe reconhece, possua rendimento próprio, sem dependência do Estado, nunca inferior a seiscentos escudos anuais”, exigindo-se ainda que nenhuma mulher dependesse da autorização de marido, pai ou qualquer outra pessoa de família, para o uso deste direito cívico, punindo-se com gravidade os que recorram a meios coercivos.

Que Mariana da Assunção da Silva era um nome incontornável na coletividade demonstra-o o facto de ter sido chamada a assumir papel mais relevante aquando de dissensões que sangraram a Liga, sendo eleita Vice-Presidente da Direção (05/05/1911), cargo para que voltaria a ser escolhida em janeiro de 1914, tendo tido a incumbência de substituir a presidente, durante a doença e afastamento de Maria Veleda

Em 1915, quando esta se demitiu para fundar a Associação Feminina de Propaganda Democrática, foi eleita para a comissão administrativa que ficou à frente da Liga, ainda que contestada pelas sócias demissionárias, não mais abandonando a direção colegial até 1918. Simultaneamente, integrou a direção da Obra Maternal (1910, 1911, 1913, 1914), iniciativa que procurava recolher e proteger crianças desfavorecidas e abandonadas. 

A intervenção militante manteve-se ininterrupta até ao fim, não sendo abalada com as cisões que deram origem à Associação de Propaganda Feminista (1911-1918), dinamizada por Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo, e à Associação Feminina de Propaganda Democrática (1915-1916), tutelada por Maria Veleda, contribuindo, pelo contrário, para a sua continuidade.

Mariana da Assunção da Silva transitou para o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde manteve a mesma capacidade de intervenção e, tal como na Liga, muito concorreu para a sua sobrevivência “durante os anos em que ele quase estagnou”. 

A militância foi em crescendo e prolongou-se por um quarto de século, tendo sido eleita Vogal da Direção (1925-1929), pertenceu à Comissão de Beneficência (1921), chegando a ser sua Presidente (1927), e exerceu, durante 15 anos consecutivos, o cargo de Tesoureira Geral da Direção (1931-1945). Também integrou a Secção de Finanças (1931-1934) e, numa das últimas reuniões do Conselho, em Junho de 1946, a escassos meses de ser proibida pela ditadura salazarista, foi eleita 1.ª Vogal da Assembleia Geral. 

Em 21 de Janeiro de 1932, foi exarado em acta um voto de louvor a esta sócia, pelo zelo e probidade com que exercia as suas funções. 

Se não foi uma teórica, o seu exemplo e ação devem ser evocados, até porque tem o mérito de ser, provavelmente, a única ativista que, entre 1908 e 1947, nunca se escusou a intervir de forma organizada em prol dos direitos das mulheres, mesmo quando as condições eram adversas, fazendo a ponte entre diferentes gerações de republicanas e feministas. 

Como escreveu Maria Veleda nas suas Memórias, era uma “pessoa destemida, republicana de antes quebrar que torcer, e que ainda hoje na casa dos setenta e picos continua mantendo as mesmas ideias dentro da República”.

Mariana da Assunção da Silva encontra-se, assim, entre as resistentes do associativismo e da militância feminista, persistindo na sua intervenção mesmo quando tudo parecia desmoronar. 

Faleceu em 1950, com 83 anos de idade, sem nunca abdicar dos princípios por que tanto tinha lutado e sofrido. 

Como Mariana Assunção da Silva, há muitos outros nomes que importa redescobrir e recolocar na História.

[João Esteves]

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