"JORNAL DA MULHER" || 30/06/1906
«Feminismo
Pelos fins do século XIX produziu-se em toda a parte um movimento prodigioso em favor da igualdade dos sexos. Falava-se com razão em alargar o campo de actividade e aumentar a esfera de influência do sexo feminino, com razão também os reformadores procuraram cultivar a inteligência e as faculdades femininas por uma educação mais séria, despida dos preconceitos e das frivolidades do passado.
Nas incertezas e arrebatamentos dessas lutas novas, alguns feministas e seus adversários deixaram-se arrastar a lastimáveis exageros. Mulheres houve que pregaram a guerra dos sexos e pretenderam a libertação plena de toda a influência masculina, sonhando não sei que aberração da natureza, em virtude da qual a mulher, independente e livre, dispensaria a sua solidariedade com o homem no complicado problema da actividade social.
Logo os homens responderam por uma formal oposição: para eles o ideal era manter a ordem de coisas estabelecidas e a actividade do sexo feminino deveria ficar reduzida à preocupação dos trabalhos caseiros. Nem uns nem outros tinham razão, porque a solução deste problema social tem de ser, como sempre, conciliatória e intermédia.
É um grande erro, com efeito, o quererem pôr em oposição os interesses da mulher e os do homem, ou mesmo procurar separá-los. Longe de estar em oposição ligam-se estreitamente esses interesses, ainda que aparentemente distintos. Sem dúvida, cada ser humano, mulher ou homem, deve ser considerado como uma entidade, com o seu valor próprio e a sua dignidade integral. A mulher que, pelo mesmo título que o homem, é um ser humano, consciente e livre, possui por natureza os atributos da personalidade. // Mas o ser humano não é uma entidade isolada, é também e sobretudo um ser sociável. Ora a ordem natural e social tem por unidade e base o par humano, a harmonia dos sexos, condição essencial da persistência das sociedades, pela transmissão da vida individual. E assim é que a família monogâmica logrou realizar sobre a terra o mais nobre ideal dos interesses e dos afectos, na esfera da afectividade humana a família avulta como unidade e trindade social indispensável, formada pela união e solidariedade de três entes: o homem ou pai, a mulher ou mãe e a criança, o filho, que ambos têm de educar para a perpetuação da sociedade.
Daí o absurdo de querer separar os interesses das duas fracções da humanidade, em vez de mais e melhor para aproximá-los para os fundir no bem geral. Esse erro tem uma causa inicial que subsiste e se tem perpetuado no decorrer dos séculos. Os preconceitos do homem levaram-no a educar cada sexo, tendo em mira o exclusivo interesse masculino, quando a natureza e as tendências da sociedade exigem que os dois sexos, por terem na vida um fim e um ideal comuns, sejam desde a infância educados juntamente, um para o outro e um pelo o outro, visando sempre a utilidade geral e a perfectibilidade social.
A educação da mulher deve ser apropriada e adequada aos fins diversos que as condições sociais e as circunstâncias da vida lhe podem destinar.
Os educadores deveriam sempre considerar a mulher sob estes três aspectos: - ela é um ente humano; irmã e companheira do homem, na actividade social pode ser uma artista, uma operária; e na maioria dos casos está destinada a ser esposa e mãe. Todos os programas de educação feminina deveriam por conseguinte ser concebidos inspirando-se nesta trilogia.»
[O Mundo, 30/06/1906]
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