* ETELVINA LOPES DE ALMEIDA *
[Serpa, 17/03/1916 – Tábua, 30/04/2004]
[Fontanelas]
O nome de Etelvina Lopes de Almeida merece atenção não só pelo percurso profissional e enquanto escritora, mas também enquanto lutadora pelos direitos das mulheres, oposicionista à Ditadura e construtora de um país livre, nunca, mesmo em tempos difíceis, sombrios e adversos, deixando de intervir enquanto cidadã.
Nascida em 1916, em Serpa, filha de dois professores primários, fez a instrução primária em Idanha-a-Nova e, depois de um percurso atribulado, a família fixou-se em Lisboa, tendo então frequentado o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho e um colégio interno, em Queluz.
Naquele Liceu foi aluna de Olímpia Perry Vidal Pereira Bastos - filha do republicano e militar João Pereira Bastos - que tinha sido ativista, quando estudante, da Associação de Propaganda Feminista e que militou, na década de 40, no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas [integrou, entre 1940 e 1943, a Secção de Literatura, com as ativistas Leontina Hogan, Maria da Luz Albuquerque, Maria da Luz de Deus, Maria Lamas e Teresa Leitão de Barros].
Afirmou-se profissionalmente na Rádio Renascença e, seguidamente, na Emissora Nacional, onde foi afastada por motivos políticos, tendo ainda sido chefe de redação da revista Modas & Bordados, onde colaborou e trabalhou com Maria Lamas.
Enquanto mulher atenta aos problemas e dificuldades das outras mulheres, aderiu, em 1945, ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, presidido por Maria Lamas e onde Sara Beirão tinha tido igualmente um papel relevante.
Assistiu a várias reuniões, disso dando conta as respetivas atas, esteve representada com O tontinho da esquina na Exposição Livros Escritos por Mulheres, iniciativa do Conselho realizada na Sociedade Nacional de Belas Artes em Janeiro de 1947, e participou nas conferências então realizadas, juntamente com Maria Lamas, Fernanda Tasso de Figueiredo, Maria Palmira Tito de Morais, Maria Helena Lucas, Alice Maia Magalhães, Maria Alda Nogueira, Joana Campino Miguel, Carmen Dolores, Manuela Porto, Maria da Luz Espírito Santo, Maria Valentina de Sousa, Maria Teresa Ana de Neves, Benvinda Caires e Amália Neves.
No dia 8 de Janeiro, Etelvina Lopes de Almeida e Carmen Dolores leram textos e declamaram poemas de várias autoras, cujos perfis foram esboçados por Joana Campina Miguel.
Terá militado também na Associação Feminina Portuguesa para a Paz, ambas agremiações encerradas e proibidas pela Ditadura.
A sua consciência política levou-a a enfrentar publicamente essa mesma Ditadura: aderiu, em 1945, ao MUD – Movimento de Unidade Democrática; subscreveu, em 1948, um documento a solicitar o fim da censura e a libertação dos presos políticos, sendo, por isso mesmo, afastada da Emissora Nacional no ano seguinte; participou nas campanhas de Norton de Matos e do general Humberto Delgado; e, em 1962, denunciou a Guerra de África, sendo, então, demitida da revista Modas & Bordados.
Foi ainda, segundo Maria Antónia Fiadeiro, uma mulher generosa, solidária e amável, nomeadamente aquando da prisão de Stella Piteira Santos em 1961.
Se a adesão ao associativismo feminino e as iniciativas contra a Ditadura já bastariam para que o nome de Etelvina Lopes de Almeida ficasse registado na História, em 1969 integrou o grupo restrito de mulheres que fizeram parte das listas da oposição candidatas à Assembleia Nacional.
Depois de Lília da Fonseca ter sido o primeiro nome feminino a integrá-las em 1957, Etelvina Lopes de Almeida fez parte, juntamente com Joana de Barros e Sophia de Mello Breyner Andresen, das listas da CEUD dinamizadas por Mário Soares, colaborando e discursando em inúmeras iniciativas que os jornais República e Diário de Lisboa destacaram.
Na Fundação Mário Soares há várias fotografias dessa época e em que é percetível a presença de Etelvina Lopes de Almeida.
Tinha então 53 anos e era, a seguir a Raúl Rego, a candidata mais velha pelo círculo de Lisboa.
Em todo o país, foram apenas 11 as mulheres candidatas pela Oposição, sendo somente 25 as que integraram as suas listas entre 1945 e 1974.
O 25 de Abril de 1974 apanhou-a com 58 anos feitos, tendo Etelvina Lopes de Almeida continuado a revelar-se uma cidadã empenhada, interveniente e militante.
Foi reintegrada na Rádio em 26 de Julho de 1974, passou a chefiar, em 1975, o departamento da RDP Internacional e aderiu ao Partido Socialista, tendo sido uma das primeiras mulheres a ser eleita deputada para a Assembleia Constituinte de 1975 (cerca de 9% de mulheres) e, nas eleições subsequentes, para a Assembleia da República, sempre pelo distrito de Évora.
Numa intervenção feita na Assembleia Constituinte afirmou que a sua vida de antifascista começou aos 16 anos, «visitanto presos nas cadeias», tendo a sua mãe sido professora de Francisco Miguel e outros comunistas eleitos deputados «fizeram antifascismo dentro da minha casa com o meu pai» [fotocópia do Diário da Assembleia Constituinte cedida pela Dr.ª Edite Estrela].
Em 1993, presidiu em Estrasburgo a uma sessão do parlamento Europeu para idosos, de que resultou a Carta Europeia para os Idosos.
Revelou-se igualmente como escritora, tendo o conto Maria Verdade, editado em 1952, sido muito bem acolhido pela crítica e estado na origem de uma peça de teatro representada no Teatro de S. Luís.
Escreveu, ainda, Bia Calatroia, «a história de uma mulher sofrida, igual a tantas outras» centrada no Alentejo (1948), Histórias que o mundo conta, bem como o conhecido ABC da Culinária, apreendido pela PIDE na grande confiscação feita nos armazéns da editora Europa-América.
Enquanto escritora, integrou, em 1959, a direção da Sociedade Portuguesa de Escritores presidida por Jaime Cortesão.
Em 1995, foi agraciada pelo Presidente da República Mário Soares com a Comenda da Ordem de Mérito
Fez parte da Associação das Mulheres Socialistas, que a homenageou em 1994, e manteve a mesma militância política até ao fim, tendo dedicado os últimos anos de vida à Fundação Sara Beirão – António Costa Carvalho, em Tábua, instituição fundada por si e pelo amigo e correligionário Igrejas Caeiro.
Diga-se, num aparte, que Sara Beirão foi uma das militantes da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas em Tábua, ainda antes da implantação da República, e integrou a direção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas nos anos 30 e 40.
Em 2001, três anos antes do seu desaparecimento físico, Etelvina Lopes de Almeida declarou num autorretrato feito para a revista Faces de Eva que «Não lamento nada do que me aconteceu. Quero que se saiba que não trocava a minha vida por nada».
Faleceu em 2004, a 30 de Abril, em Tábua, 20 anos depois de se ter aposentado da RDP.
[João Esteves ||
19 de Novembro de 2015]
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